Política

PF realiza condução coercitiva de blogueiro em São Paulo

Editor do site “Blog da Cidadania” teve celular e computadores apreendidos pela PF
Editor do site “Blog da Cidadania”, Eduardo Guimarães, teve celular e computadores apreendidos pela PF Foto: Reprodução internet
Editor do site “Blog da Cidadania”, Eduardo Guimarães, teve celular e computadores apreendidos pela PF Foto: Reprodução internet

SÃO PAULO — A Polícia Federal cumpriu nesta terça em São Paulo mandados de busca e apreensão e condução coercitiva contra o blogueiro Eduardo Guimarães, que edita o site Blog da Cidadania, expedidos pelo juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, Sérgio Moro, a pedido da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF). Guimarães antecipou operação da Lava-Jato contra o ex-presidente Lula.

Em nota divulgada na noite desta terça, a força-tarefa do MPF escreveu que “dentre os motivos das providências, estão provas de que o blogueiro informou diretamente aos investigados a existência de medidas judiciais sob sigilo e pendentes de cumprimento, antes mesmo da publicação das informações no blog”.

Trata-se de referência à 24ª fase da investigação, a Operação Aletheia, que motivou a condução coercitiva do ex-presidente Lula em 2016. Informações sobre a ação policial foram divulgadas pelo Blog da Cidadania uma semana antes de sua realização.

Os mandados determinaram a apreensão de “quaisquer documentos, mídias, HDs, laptops, pendrives”, e “endereços eletrônicos utilizados pelo investigado”, e provas “relacionadas aos crimes de violação de sigilo funcional e obstrução à investigação policial”. O processo é mantido sob sigilo.

Na nota, a força-tarefa informou que “a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade”, mas, sim, “aprofundar apurações relacionadas ao crime de obstrução da Justiça”.

“As providências desta data não tiveram por objetivo identificar quem é a fonte do jornalista, que já era conhecida, mas sim colher provas adicionais em relação a todos os envolvidos no prévio fornecimento das informações sigilosas aos investigados”, escreveu a força-tarefa.

De acordo com a assessoria da Justiça Federal, o inquérito investiga a “conduta de agente público e das pessoas que supostamente teriam divulgado informações sigilosas e que poderiam ter colocado a investigações em risco”.

O advogado de Guimarães, Fernando Hideo Lacerda, criticou a condução coercitiva do blogueiro e também a apreensão de seu material de trabalho, como aparelhos celulares e computadores. Para ele, mesmo que a força-tarefa já soubesse quem é o autor do vazamento, a ação é uma “grave violação do direito de sigilo da fonte”.

— No mandado de condução coercitiva, Guimarães é citado como uma testemunha. Mas como você emite um mandado de busca contra uma testemunha? Como determina sua condução coercitiva, sem que ele tivesse sido intimado a depor? — questionou.

O defensor argumentou que apesar de não ter diploma, Guimarães exerce o jornalismo por meio de seu blog. Para ele, a ação é um atentado à liberdade de expressão.

— A partir do momento que apreenderam o notebook e o celular dele, os policiais terão acesso à informação sobre a fonte de sua matéria. O sigilo foi quebrado, o que é inconstitucional — afirmou Lacerda.

Perguntado se Guimarães passou informações da operação sigilosa da PF diretamente a investigados, antes de publicar em seu blog, o advogado informou que “ele checou informações antes de divulgar, não sei com quem, nem como”.

SIGILO DA FONTE

O “Blog da Cidadania” tem Eduardo Guimarães como único colaborador e traz notícias próprias, notícias de outros sites e análises do autor sobre política, com viés de esquerda, publicadas desde 2010. O portal se identifica como integrante do “Movimento dos Sem-Mídia”. Guimarães foi candidato a vereador pelo PCdoB, em São Paulo, em 2016, mas não se elegeu.

Na nota divulgada nesta terça-feira, a assessoria da Justiça Federal escreveu considerar o blog “veículo de propaganda política”. Mencionou que em seu cadastro no TSE, Guimarães se identificou como comerciante.

“As diligências foram autorizadas com base em requerimento da autoridade policial e do MPF de que Carlos Eduardo Cairo Guimarães não é jornalista, independentemente da questão do diploma, e que seu blog destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão e a veicular propaganda político partidária”, escreveu a assessoria.

No entendimento da assessoria, “não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo”. A nota destaca ainda que “a proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma”.

O advogado do blogueiro, Fernando Hideo, criticou a nota da Justiça Federal, a quem acusou de agir de “maneira autoritária” ao “pretender definir quem é ou não jornalista de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação”.

“É inquestionável que o fato em apuração — divulgação pública de uma informação — foi praticado no exercício de atividade jornalística. Pouco importa se ele também exerce a profissão de comerciante, é óbvio que ao divulgar publicamente estava se praticando atividade jornalística”, escreveu advogado.

Para Hideo, “mais do que um direito individual do cidadão Eduardo, viola-se a garantia de acesso à informação de toda a sociedade, essencial ao Estado Democrático de Direito”.

Em nota oficial com tom divergente da Justiça Federal, a força-tarefa escreveu “reconhecer a importância do trabalho de interesse público desenvolvidos por blogueiros e pela imprensa independente. Disse também “tratar-se de atividade extremamente relevante para a população, que inclusive contribui para o controle social e o combate à corrupção”.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) divulgaram nota protestando contra a condução coercitiva do blogueiro.

“A Polícia Federal, em mais uma demonstração de arbitrariedade e violação de direitos inspirada na época da ditadura militar no país, quer violar o sigilo de fonte por Guimarães ter vazado a informação de que o ex-presidente Lula seria conduzido coercitivamente pela PF, o que forçou o adiamento da ação no ano passado”, escreveram as entidades, para quem a ação também “desrespeita o sigilo de fonte garantido pela Constituição”.

PROTESTO

Ouvido na manhã desta terça-feira por meio de videoconferência como testemunha de Branislav Kontic, ex-assessor do ex-ministro Antonio Palocci, em processo da Lava-Jato, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) disse ter questionado Moro sobre o caso de Guimarães.

— Quero fazer meu protesto, porque isso é um cerceamento do direito à informação — teria dito Teixeira ao juiz, segundo seu relato.

De acordo com o deputado federal, o juiz teria rebatido que não considerava Guimarães um jornalista, mas autor de um blog político.

Teixeira diz ter informado ao juiz que o Brasil preserva o direito de livre expressão e de preservação do segredo da fonte. E que não há exigência de diploma de jornalista para exercer a profissão.

— Ele me ouviu, disse que eu poderia explicitar publicamente minha opinião, mas lembrou que estávamos ali para fazer uma audiência — disse Teixeira.

O embate entre a testemunha e o juiz foi cortado do vídeo da audiência incluído no processo digital.