Exclusivo para Assinantes
Política

MP quer refazer investigação de Janot sobre e-mails de Dilma

Procurador não endossa denúncia feita contra a ex-presidente por obstrução à Justiça
A ex-presidente Dilma Rousseff Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo
A ex-presidente Dilma Rousseff Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo

BRASÍLIA — O polêmico caso dos e-mails atribuídos à ex-presidente Dilma Rousseff , por meio dos quais ela teria alertado João Santana e Mônica Moura sobre os avanços da Lava-Jato , pode voltar à etapa zero das investigações. O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot , denunciou a petista por obstrução dos trabalhos da Justiça e, para isso, usou o episódio como uma das provas do crime. Agora, o caso foi remetido à primeira instância e, na visão da Procuradoria da República no Distrito Federal (PRDF), não foi devidamente investigado.

O procurador da República Ivan Marx pediu arquivamento do trecho da denúncia de Janot que trata dos e-mails cujos rascunhos teriam sido utilizados pela então presidente para alertar seu marqueteiro e a mulher dele sobre os passos da Lava-Jato. Marx manifestou a intenção de refazer a investigação a respeito.

A PRDF solicitou autorização para retirar cópia do processo, em caso de arquivamento, com a finalidade de instaurar um procedimento investigatório criminal – equivalente a um inquérito da Polícia Federal (PF) – para apurar se Dilma alimentou esses e-mails, de onde alimentou (Palácio do Planalto, Palácio da Alvorada ou qualquer outro espaço) e se obstruiu a Justiça com o gesto. Isso significaria, na prática, uma nova investigação, distinta da que foi feita pela Procuradoria Geral da República (PGR) na gestão de Janot.

O então procurador-geral denunciou Dilma, o ex-presidente Lula e o ex-ministro Aloizio Mercadante ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo crime de obstrução da Justiça, em 6 de setembro de 2017, menos de duas semanas antes de deixar o cargo de procurador-geral. A peça lista três episódios que configurariam o crime: suposta oferta de apoio político e financeiro ao então senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS), de forma que não fizesse acordo de delação premiada; intenção de dar posse a Lula no cargo de ministro da Casa Civil, com o propósito de blindar o ex-presidente com o foro privilegiado; e as supostas conversas entre Dilma e Mônica via rascunho de uma conta de Gmail, com alertas cifrados sobre os avanços da Lava-Jato em direção a João Santana, marqueteiro das campanhas da petista.

Relator da Lava-Jato no STF, o ministro Edson Fachin determinou a transferência do caso para a primeira instância, uma vez que já não havia autoridades com foro privilegiado entre os denunciados. Os autos foram remetidos à Justiça Federal em Brasília em janeiro deste ano. No começo de fevereiro, o procurador Ivan Marx encaminhou documento com pedido de arquivamento do caso específico dos e-mails e com solicitação de cópia para um novo inquérito.

Os outros dois episódios levados em conta para a denúncia de Janot contra Dilma ainda estão pendentes de análise, não havendo manifestação sobre reiteração da acusação feita pelo ex-procurador-geral ou sobre um eventual pedido de arquivamento. Na acusação, Janot enquadrou Dilma no crime de obstrução de investigação que envolve organização criminosa, combinado com o concurso material de crimes (“três vezes”), previsto no Código Penal.

Na estrutura do Ministério Público Federal (MPF), não existe hierarquia, o que significa que um procurador da República que atua na primeira instância não está subordinado ao procurador-geral da República ou a subprocuradores-gerais da República, por exemplo. Marx argumentou que os três episódios citados na denúncia de Janot não estão conectados, de forma a justificar uma mesma acusação à Justiça.

A suposta troca de e-mails entre Dilma e Mônica baseou-se apenas em ação cautelar de quebra de sigilos telemáticos e telefônicos citados no processo, sem existirem elementos suficientes para ratificar a denúncia, conforme o pedido enviado pela PRDF à Justiça Federal. A instauração de um novo procedimento de investigação serviria para esclarecer os fatos, conforme o procurador.

Entre as primeiras diligências previstas, caso a Justiça concorde com o arquivamento e com a remessa de uma cópia do processo ao MPF, está um pedido de informações ao Arquivo Nacional sobre os registros existentes a respeito da militância de Dilma contra a ditadura militar. Isto porque os e-mails supostamente utilizados para a comunicação entre a então presidente e a mulher do marqueteiro trazem uma referência a um episódio na ditadura, segundo a denúncia de Janot.

“Em agosto de 2015, Dilma Vana Rousseff criou as contas de correio eletrônico 2606alvarina@gmail.com e 2606iolanda@gmail.com, compartilhando a respectiva senha com Mônica Moura”, cita a denúncia. “Ambas passaram a utilizar tal correio eletrônico para trocar mensagens cifradas sobre a Operação Lava-Jato. As mensagens não eram enviadas para evitar monitoramento e rastreamento, mas eram apenas escritas e salvas como rascunhos”, continua.

Segundo Janot, o número “2606” é uma referência “à data de 26 de junho de 1968, em que o grupo Vanguarda Popular Revolucionária, integrado por Dilma Rousseff, praticou um atentado com carro-bomba em um quartel em São Paulo, durante ditadura militar”. “Ademais, ‘Iolanda’ Barbosa era o nome da esposa do general Costa e Silva, presidente da República na época. Tais circunstâncias indicam a efetiva relação entre a situação e Dilma”, diz o procurador-geral na denúncia. A PRDF quer os dados do Arquivo Nacional para verificar se a petista efetivamente militou na VPR.

Outra diligência seria ouvir Mônica Moura. A denúncia da PGR diz que, nas proximidades de ela e o marido serem presos pela PF na Lava-Jato, Dilma escreveu a seguinte mensagem, em 19 de dezembro de 2015: “O seu grande amigo está muito doente. Os médicos consideram que o risco é máximo. O pior é que a esposa, que sempre tratou dele, agora está com câncer e com o mesmo risco. Os médicos acompanham os dois, dia e noite.” “Tratava-se de um aviso antecipado sobre a prisão do casal de publicitários. Na época, a advertência foi, ainda, reiterada por meio de telefonemas feitos por Dilma e Mônica em 20 e 21 de dezembro”, escreveu Janot.

Outra diligência possível é a solicitação de informações à Google – empresa dona do Gmail – sobre de qual IP partiu o registro dos e-mails e do conteúdo nos rascunhos. Isto permitiria verificar se partiu de algum computador dos Palácios do Planalto e da Alvorada. A medida pode ser adotada após as primeiras diligências previstas.

Segundo o então procurador-geral, “os dados telemáticos confirmaram a existência dos e-mails em questão, inclusive daquele em que o rascunho transcrito acima, o qual já havia sido apresentado por meio de ata notarial, foi elaborado”. A denúncia cita outra mensagem cifrada, no mesmo e-mail, com data de 22 de fevereiro de 2016: “Vamos visitar nosso amigo querido amanhã. Espero não ter nenhum espetáculo nos esperando. Acho que pode nos ajudar nisso ne?”

“Os dados telefônicos obtidos no mesmo feito confirmaram diversos telefonemas trocados entre Mônica Moura e terminais cadastrados em nome da Presidência da República no período dos fatos”, afirma a denúncia da PGR. Os alertas serviram para João e Mônica se precaverem contra buscas e apreensões e prisões, conforme Janot. Eles acabaram presos em 23 de fevereiro daquele ano, numa fase da Lava-Jato deflagrada no dia anterior – mesmo dia do segundo conteúdo da suposta comunicação via rascunho do Gmail.

A reportagem do GLOBO procurou a assessoria da ex-presidente para que ela comentasse as acusações e a movimentação do processo. A assessoria afirmou que a avaliação é de que esperariam a publicação da reportagem para saber do que se trata. Na época da denúncia, Dilma afirmou que a atitude do procurador-geral era “lamentável e sem qualquer fundamento”.

A reportagem também procurou a assessoria de Janot para saber a posição do ex-procurador-geral a respeito da tramitação do processo em primeira instância. Não houve retorno até o fechamento desta edição.