RIO - Diretor-executivo para as Américas da ONG Human Rights Watch , José Miguel Vivanco diz que a “democracia de fachada” desmoronou na Venezuela após o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) assumir as competências da Assembleia Nacional.
Como o senhor avalia a decisão do Supremo de assumir as funções da Assembleia Nacional?
A sentença é um ponto de inflexão. Durante anos documentamos como o governo viola os direitos humanos, se aproveita da concentração de poder e como foi corroendo direitos básicos. Mas, nesse tempo, Maduro continuava aparentando que havia uma democracia de fachada. Isso desmoronou com esta sentença. Hoje, não há dúvidas de que estamos diante de uma ditadura.
A oposição denunciou um golpe de Estado...
Não importa como chamamos. O que está claro é que não há separação de poderes nem poderes independentes. O único que restava sem controle do Executivo era a AN, de maioria opositora, e esta sentença — adotada por um tribunal que não é mais que uma extensão do Executivo — demonstra que o governo não está disposto a governar com oposição.
Como a comunidade internacional deve agir?
Deve exercer pressão forte e decisiva através de uma estratégia de diplomacia multilateral. Deve buscar resultados concretos num prazo razoável, incluindo a libertação de presos políticos, a implementação de um calendário eleitoral, a aceitação de assistência humanitária para lidar com a escassez de medicamentos e alimentos, e o restabelecimento da independência dos poderes. A discussão na OEA sobre o cumprimento dos princípios da Carta Democrática Interamericana, e a mensagem franca de preocupação de vários Estados, incluindo o Brasil, é uma boa notícia.
A situação dos direitos humanos se deteriorou com o governo Maduro?
Infelizmente, temos uma longa lista de questões de direitos humanos. Alguns dos mais evidentes são a repressão e a prisão de opositores e críticos, incluindo a repressão brutal a manifestantes pacíficos, o assédio a defensores dos direitos humanos e jornalistas independentes, a absoluta falta de independência judicial, e a escassez que afeta seriamente o direito à saúde e à alimentação de muitos venezuelanos, entre outros.
O atual choque de poderes começou quando a oposição da Mesa de Unidade Democrática (MUD) assumiu o controle do Legislativo. Por ter empossado três deputados acusados de fraude eleitoral, o Supremo (TSJ) declarou a Câmara em desacato. Na quarta-feira, o TSJ assumiu as funções do Parlamento, o que foi classificado como golpe de Estado.
Eleições no limbo
A oposição voltou a impulsionar um referendo revogatório contra Nicolás Maduro, mas o processo foi suspenso. Descartado o referendo, foi pedida a antecipação das eleições presidenciais, que estão marcadas para 2018, o que o governante rejeita. Os pleitos estaduais, previstos para o fim do ano passado, foram adiados por prazo indeterminado.
Crise econômica
A queda do preço do petróleo prejudicou a economia do país, que recebe 96% de suas divisas da exportação do produto. As importações tiveram que diminuir drasticamente, causando escassez de vários bens. De acordo com estimativas, a economia retrocedeu 11,3%. O país também tem a inflação mais alta do mundo, que o FMI projeta em 1.660% para 2017.
Diálogo fracassado
Governo e oposição iniciaram um diálogo político em outubro com o acompanhamento do Vaticano e da União das Nações Sul-americanas (Unasul), mas a MUD o congelou em dezembro. A aliança opositora acusou o governo chavista de não cumprir com acordos, como a definição de um calendário eleitoral e a libertação de uma centena de dissidentes presos.
Criminalidade e direitos humanos
Cerca de 28 mil mortes violentas foram registradas no país em 2016 — 91,8 a cada 100 mil habitantes, taxa dez vezes maior do que a média mundial —, segundo a ONG Observatório Venezuelano de Violência (OVV). Ao mesmo tempo, multiplicam-se as denúncias de violações dos direitos humanos por parte da força pública, como execuções e invasões ilegais.