Polícia fecha a avenida Champs Elysees, em Paris, após tiroteio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O atentado que matou um policial ontem à noite nos Champs Elysées (foto), em Paris, promete embolar ainda mais as eleições francesas, cujo primeiro turno será realizado no próximo domingo. Embora o efeito da tragédia ainda não tenha sido captado nas pesquisas mais recentes, é natural que haja uma mudança de temática nos dois últimos dias de campanha. Dois candidatos tendem a ser favorecidos: Marine Le Pen, da Frente Nacional, e François FIllon, dos Republicanos.

Na média das pesquisas mantida pelo Huffington Post, Marine, com 22% dos votos, está apenas um ponto percentual e meio atrás do líder, Emmanuel Macron, do En Marche! (Avante!), que tem 23,5%. Fillon tem 20%. Está praticamente empatado com Jean-Luc Mélenchon, 19,4%, do esquerdista La France Insoumise (A França Insubmissa). Do ponto de vista estatístico, quaisquer dois desses quatro candidatos podem passar ao segundo turno.

Mas o eleitorado de Marine, que caiu mais de quatro pontos percentuais no último mês, poderá voltar a crescer depois do atentado. O ataque muda a agenda em discussão na campanha em seu último dia (hoje) e deverá reverberar até o pleito, no domingo. Em vez de centrar nas questões econômicas, como desemprego e tamanho do Estado, a discussão agora se voltará novamente para o terreno favorável a Marine, terrorismo e imigração. Fillon também defende mais dureza nesses temas.

Apesar de o atentado ter sido reivindicado pelo Estado Islâmico, ainda não há evidência de envolvimento do grupo terrorista nem de apoio externo. O autor foi um francês de 39 anos, Karim Cheurfi. Outro suspeito de envolvimento em planos terroristas rendeu-se à polícia de Antuérpia, na Bélgica, mas não está provada a conexão entre os dois.

Cheurfi era conhecido da polícia. Em 2001, suspeito de furtos, ele atirou em policiais que o perseguiam, enquanto fugia num carro roubado. Foi condenado a 20 anos em 2003, pena reduzida a 15 em 2005. Foi posto depois em liberdade por falta de provas.

Seu caso ilustra perfeitamente as teses defendidas por Marine e Fillon. Ambos propõem restrições à imigração e o endurecimento no combate ao crime. Fillon discorda dos planos de Marine em economia e política externa. Mas sua visão de Islã e terrorismo tem a mesma substância. “A França não tem um problema de relligião”, escreveu num panfleto. “Tem um problema relacionado ao Islã.”

É simplista classificar os candidatos numa linha reta que vai da extrema esquerda à extrema direita. As divisões da política francesa ficam mais claras se os dispusermos num plano, determinado por dois eixos, como faz James Traub na Foreign Policy.

O primeiro eixo é econômico. Separa os “globalistas”, Fillon e Macron, dos “nacionalistas”, Marine e Mélenchon. Os primeiros acreditam em privatizações, austeridade fiscal, desregulamentação da economia e defendem a ordem internacional, criada em torno de instituições como União Europeia (UE), Otan e ONU. Os segundos preferem o protecionismo, defendem a ação econômica do Estado e a indústria nacional; desprezam o sistema financeiro e os organismos internacionas. Se eleita, Marine quer convocar um plebisto para sair da UE, pretende ampliar gastos militares e deixar o comando comum da Otan.

O segundo eixo é identitário. De um lado, Marine e Fillon falam explicitamente na identidade nacional para definir a cidadania francesa e as políticas de Estado. Do outro, Macron e Mélenchon têm uma atitude cosmopolita, aberta à imigração e mais tolerante em relação ao islamismo. É uma divisão antiga na França, que há décadas debate a “excepcionalidade francesa” e os limites da política de integração da população muçulmana com a preservação de costumes, conhecida como “comunitarismo”.

Enquanto o debate eleitoral estava centrado na economia, Macron era favorecido pela juventude e pelo discurso liberal. Contrastava tanto com os anti-liberais econômicos, Marine e Mélenchon, quanto com o próprio Fillon, um ex-premiê envolvido num escândalo de nepotismo e marcado pela associação com a velha política. Quando a discussão passa para o plano identitário, a agenda liberal de Macron perde para o conservadorismo de Fillon e, sobretudo, para o chauvinismo de Le Pen.

O último programa de TV com os candidatos ontem foi marcado pelas manifestações de apoio à polícia e pela condenação do atentado. A campanha acaba hoje à meia-noite e, depois disso, não pode haver nem divulgação de pesquisas, nem aparição na TV.

É difícil, portanto, prever o impacto dos eventos no eleitorado até domingo. A internet continua ativa, mas não se sabe até que ponto a mudança no eixo da discussão estancará a alta recente de Mélenchon e dará novo impulso a Marine ou Fillon. Nas casas de apostas, Macron ainda mantém, com 55% de chances, o favoritismo a levar o pleito no segundo turno, em 7 de maio. Mas o atentado pode levar muitos a rever onde pôr suas fichas.