Por Gabriel Luiz, G1 DF, com arte de Monique Gasparelli

Há 60 anos, Lucio Costa desbancava 25 outros projetos que também idealizavam um modelo de capital federal. No aniversário de 57 anos de Brasília, o G1 mostra como seria a cidade se o arquiteto nascido na França não tivesse vencido o concurso que determinou o conceito do Plano Piloto – ficando à frente dos outros 61 inscritos. Nas “Brasílias alternativas”, estavam previstas ideias ousadas como prédios de 100 andares, esteiras rolantes permeando o Planalto Central e até a existência de um universo paralelo subterrâneo.

As Brasílias que não saíram do papel foram compiladas no livro "Projetos para Brasília 1927-1957", do professor e arquiteto Jeferson Tavares, lançado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Tema do mestrado dele, o assunto o levou a ir atrás dos arquitetos preteridos pela História e a visitar mais de 80 arquivos durante os sete anos de pesquisa.

No pódium, o projeto que ficou em segundo lugar deixaria a cidade mais “rígida”, com um centro administrativo totalmente fechado. Ficaria a cargo das cidades-satélites, dispostas de forma linear, a função de acomodar a população e as atividades excedentes. No núcleo, estaria apenas a parte administrativa; o restante, na periferia. A ideia era dos arquitetos Boruch Milmann, João Henrique Rocha e Ney Fontes Gonçalves.

Projeto dos arquitetos Boruch Milmann, João Henrique Rocha e Ney Fontes Gonçalves — Foto: Jeferson Tavares/Arquivo Pessoal

Um projeto que não chegou a ser finalista, mas trouxe conceitos inusitados é o do arquiteto Edgar Rocha Souza junto com o agrônomo Raul da Silva Vieitas. Eles idealizaram uma cidade com vida subterrânea, onde funcionariam os bastidores da capital federal.

Por exemplo, das 5h às 8h, passariam pelos túneis comidas e bebidas para cantinas. Das 8h às 18h, trafegariam as correspondências do serviço público, embarcando em metrôs no subsolo – em uma época em que o sistema mal existia no Brasil.

“Essa via, de importância estrutural no projeto, possibilitava não apenas as comunicações de pequeno porte, como serviços de correio ou limpeza dos edifícios, como também toda a entrega de material pesado que, no cotidiano, utilizaria as ruas convencionais. Para isso, pensou-se em horários distintos de usos para cada função, ordenando o tráfego subterrâneo e prevendo um funcionamento mecanicamente perfeito para a organização da cidade”, explica o professor, de 40 anos.

Projeto de Edgar Rocha Souza e Raul da Silva Vieitas — Foto: Jeferson Tavares/Arquivo Pessoal

No quesito mobilidade, no entanto, o mais curioso era o plano dos irmãos Marcelo e Maurício Roberto – que ficaram em terceiro e quarto colocados. Eles tinham intenção de criar sete unidades urbanas para abrigar 72 mil pessoas e um órgão do governo em cada uma.

“É abolida a ideia de automóvel como forma de circulação cotidiana do cidadão. Fica destinado, apenas, a passeios e à circulação de grandes distâncias. As vias hierarquizadas são destinadas aos transportes de cargas e manutenção, somente.”

Nesse projeto, os trajetos entre as unidades e o parque central são feitos por monotrilho. Já os percursos mais rápidos são feitos a pé ou com esteiras rolantes. “Assim fica garantida a ideia de rua tradicional devolvida ao pedestre, sem esforços para se criar viadutos ou túneis como forma de organização da circulação. Os meios de transporte público são gratuitos, com gastos já inclusos nos impostos. São considerados, portanto, como um serviço público.”

Projeto dos irmãos Roberto — Foto: Jeferson Tavares/Arquivo Pessoal

Com ele, acabou empatada também a concepção de cidade vertical do arquiteto Rino Levi. O objetivo era de colocar a população de Brasília em megaprédios de 300 metros de altura. Na teoria, eles funcionariam como cidades independentes. Na prática, no entanto, se tornariam quase inviáveis por exigir tecnologia de ponta para dar conta dos 100 andares.

“Cada superbloco é composto por oito edifícios, cada um com quatro blocos de 20 andares sobrepostos (80 andares e 16 mil habitantes). Esse superbloco é constituído de vida própria, sendo destacadas as funções locadas nas suas ruas internas: lojas comerciais, jardim da infância, creche, centro de saúde.”

Atualmente, por lei, o prédio mais alto do Plano Piloto é o do Congresso Nacional, com 28 andares.

Conceito de superbloco, por Rino Levi — Foto: Reprodução

Mas enquanto todos os planejamentos apostavam em uma capital urbana, os traços de Milton Ghiraldini pensavam em uma Brasília essencialmente rural. As cooperativas do campo sustentam a base da organização: eles concentram serviços médicos, de educação, lazer, centros religiosos, esportivos e comunitários. Nos espaços, também são previstas áreas para manutenção de equipamentos e também pontos para estocar a colheita.

Projeto de Brasília nos traços de Milton Ghiraldini — Foto: Jeferson Tavares/Arquivo Pessoal

Semelhanças

Apesar das diferenças, os projetos têm, sim, características comuns, afirma o professor Jeferson Tavares. Mesmo sem haver uma determinação para isso, a maior parte das ideias usava estruturas em forma de cruz – que, ao contrário do que muitos pensam, não foi um conceito que nasceu de Lucio Costa.

“Todos eles estavam bebendo da mesma fonte do modernismo. Eles tinham formação nas poucas escolas de arquitetura e urbanismo do país que existiam na época. Então eram orientados pelas mesmas concepções técnicas”, explicou o pesquisador.

“Eles fizeram uma leitura do terreno do Planalto Central e chegaram a essa solução juntos.”

Segundo o professor, o formato em cruz é um dos mais eficientes. “É a forma mais racional para a topografia. É uma estrutura que dá para levar água para todas as casas, partindo do ponto mais alto, e captar o esgoto, em ponto mais baixo.”

Projeto de Jorge Wilheim, que também usa formato em cruz — Foto: Jeferson Tavares/Arquivo Pessoal

O mérito de Lucio Costa, que lhe rendeu o primeiro lugar, foi justamente a habilidade de conjugar de forma prática todos os elementos que tinha em mãos na época. Ele criou o conceito de superquadra incorporando conceitos que já exisitam, como o de cidade parque (com grandes áreas verdes), e ainda trouxe dos Estados Unidos os cruzamentos no formato de “tesourinha”.

“Lucio Costa foi inteligente na forma com que se apropriou dos edifícios modernistas, com pilotis e limites na altura de prédios. Ele também importou o modelo das unidades de vizinhança, que é das residências próximo a uma escola de educação infantil, e que já existia. Ao juntar todos esses elementos para constituir uma superquadra, ele está criando algo novo.”

Para o especialista, no entanto, o estilo de vida do brasiliense seria totalmente diferente se Lucio Costa não tivesse vencido.

“Cada um desses projetos, mesmo tendo sido baseados em estrutura muito parecida, iria resultar em uma cidade muito diferente. São conceitos muito distintos do uso da área verde e na divisão dos espaços da cidade, por exemplo.”

Projeto de Lucio Costa; original tinha asas menos arqueadas e Praça dos Três Poderes mais afastada do Lago Paranoá — Foto: Jeferson Tavares/Arquivo Pessoal

Segundo Tavares, as críticas – inclusive estrangeiras – que Lucio Costa recebeu à época vieram de pessoas que não pararam para conhecer o quão inteligente e pragmático era o projeto do arquiteto.

Por pouco, porém, as propostas de Lucio Costa não foram desclassificadas. O prazo final era às 18h, mas o arquiteto encaminhou os esboços só por volta das 23h. “Durante o estudo, encontrei alguns telegramas de concorrentes que reclamaram desse tempo extra que foi dado a Lucio Costa”, relata o especialista.

A pesquisa

O professor Jeferson Tavares resolveu seguir no tema desde a graduação, na Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos. Na época, a ideia partiu do orientador dele. Ele persistiu no assunto durante o mestrado, chegando a publicar o livro da dissertação em 2014. Apesar do financiamento que recebeu da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), parte das inúmeras viagens que fez tiveram de vir do próprio bolso.

No estudo, buscou não só os sete finalistas do concurso para a Nova Capital, mas também foi atrás dos demais concorrentes. Ao todo, conseguiu recuperar 19 dos 26 projetos que participaram.

“Tive de buscar arquivos, fazer contato por telefone atrás de antigas publicações e revistas. Daí teve também o trabalho de fazer a pessoa aceitar. Tinha autores que estavam muito velhinhos, então os familiares contavam que estavam muito doentes e que não preferiam falar do assunto. Até também pelo aborrecimento de não ter vencido o concurso.”

O ex-presidente Juscelino Kubitschek e Lucio Costa visitando terreno onde seria Brasília — Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

Ele compara o trabalho ao de um investigador. “Alguns só quiseram falar por telefone. Outros, com muito esforço aceitaram mostrar documentos ou fornecer cópias”, relata Tavares. Ao revirar os acervos em Brasília, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, apenas dois ex-participantes se negaram a conversar. Mas o professor preferiu não revelar quem foram eles.

Apesar do tema do estudo, Tavares nunca fez as malas de forma definitiva com destino à capital federal. “Moro em São Paulo. Não tive oportunidade de viver em Brasília, mas se tivesse, iria com maior prazer. Só na pesquisa, viajei sete ou mais vezes.”

Como descoberta inusitada, ele cita uma anedota que envolve a premiação do concurso. Fora o fato de dar vida a Brasília, o vencedor também ganharia 1 milhão de cruzeiros. “Na época da construção, Lucio Costa foi contratado pela Novacap, mesmo continuando no Rio de Janeiro. Ao final, quando ele foi buscar esse prêmio, a data para retirada já tinha expirado: o prazo já tinha vencido. Ou seja, ele só ficou mesmo com a honra de fazer a capital.”

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