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Economia

'Estrangeiro está muito cético com o Brasil', afirma sócia da Tendências

Frustração com crescimento econômico e instabilidade política na América Latina afastam investidor, diz Alessandra Ribeiro
A cidade de Jundiaí, em São Paulo, é um dos municípios brasileiros que atraiu investimento estrangeiro. Tendência, agora, é de cautela Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
A cidade de Jundiaí, em São Paulo, é um dos municípios brasileiros que atraiu investimento estrangeiro. Tendência, agora, é de cautela Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

RIO - Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Consultoria Tendências, afirma que o dólar é bom termômetro para sinalizar as dificuldades externas e domésticas para o crescimento da economia. Para ela, o dólar, que voltou a bater recorde no fechamento de quarta-feira , não para de subir numa conjunção de fatores que vão desde a frustração com a expectativa de crescimento do país - no início do ano se esperava expansão acima de 2% e devemos fechar 2019 repetindo o 1% dos anos anteriores - à instabilidade política aqui e na América Latina .

Ela vê upgrade na classificação de risco do Brasil no ano que vem, mas a expansão econômica deve ficar limitada a 1,8% em 2020.

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O que está provocando essa subida tão forte do dólar nos últimos dias?

O dólar é bom termômetro, que mostra reflexo de elementos externos e domésticos. Começando pelo cenário externo, o dólar está bastante apreciado lá fora em relação às principais moedas, por causa do diferencial de juros entre os Estados Unidos e o resto da Europa (onde alguns países estão com juros inferiores à inflação). E o Fed (Banco Central americano) já sinalizou que vai ser muito cauteloso no processo de novas reduções de juros. Além disso, há um movimento mais relacionado à incerteza, uma aversão a risco, com a guerra comercial entre China e Estados Unidos.

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E os fatores domésticos?

O próprio diferencial de juros, que reduziram muito no Brasil (em 2016, os títulos públicos estavam rendendo 14,25% ao ano, caindo para 5% atualmente) e devem cair para 4,5%. O segundo efeito está relacionado ao déficit em transações correntes (contas do Brasil com o resto do mundo). Por mais que se soubesse que iria piorar um pouco, a mudança na metodologia e a revisão dos dados mostraram uma piora relevante. A dinâmica da balança comercial está bastante enfraquecida. A desaceleração mundial e a situação na América Latina estão batendo forte nas exportações. A reação da demanda também está aumentando um pouco as importações.

Aumentou a remessa de lucros para o exterior?

No lado financeiro, aumentaram a remessa de lucros e pagamento de juros e dívida, o que deve ser pontual, um movimento que deve enfraquecer com a quitação das dívidas.  Estamos revisando nossa projeção do déficit em transações correntes de US$ 45 bilhões para US$ 50 bilhões, o que equivale a 2,6% do PIB (Produto Interno Bruto). Para o ano que vem, o déficit sobe para 2,9%.

É alto...

Houve uma mudança de dinâmica bem importante e isso tem assustado um pouco o mercado, com um déficit bem maior do que se imaginava. Olhando o balanço de pagamentos, o fluxo de dólares não só está sofrendo com a queda das exportações, como também os exportadores não estão trazendo dólar para o Brasil. A diferença de juros em relação ao exterior caiu e é melhor deixar o dinheiro lá fora para pagar dívida e fornecedor. Com juros altos, traziam-se recursos para se apropriar do diferencial de juros.

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Questões políticas internas influenciaram nessa alta do dólar?

Aos fundamentos econômicos, junta-se a parte política. A declaração sobre o dólar (o ministro da Economia, Paulo Guedes, em Washington na terça-feira, declarou que não estava preocupado com alta do dólar) colocou mais lenha na fogueira. O novo patamar da moeda, que pode ficar entre R$ 4,30, R$ 4,40, está inflado. Saindo a fase um do acordo comercial entre EUA e China, deve acomodar um pouco. Ao longo de 2020, a economia deve se recuperar um pouco, a agenda de reformas andar um pouco e, no começo do segundo trimestre, deve haver um upgrade na nota de classificação de risco do país, trazendo um pouco de estrangeiros para cá. Os estrangeiros estão muito céticos com o Brasil.

Por quê?

Há uma frustração com o crescimento, uma incerteza em relação ao governo Bolsonaro, o núcleo familiar e o Executivo de modo geral. A imagem lá fora não está boa. Há temor de que as turbulências na América Latina, de alguma maneira, nos contamine. Com a liberdade de Lula, há receio de polarização, de que ele consiga mobilizar a bancada no Congresso e se comece a tentar outras agendas. Com isso, não se vê o estrangeiro entrando. Ele pode voltar, se houver um sinal mais consistente de crescimento. Projetamos 1,8%, mas têm bancos com 2,5%, 2,6%. Estamos mais cautelosos por causa da situação externa e do ambiente político doméstico. A relação do Executivo com Rodrigo Maia (presidente da Câmara, DEM-RJ) não tem o mesmo alinhamento da reforma da Previdência. Imaginava-se que a governabilidade parlamentar perderia força, mas que isso acontecesse somente no ano que vem. A declaração sobre o AI-5 não ajudou, com uma reação forte de Rodrigo Maia.

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O estrangeiro está saindo de qual investimento?

Está havendo uma saída importante no investimento financeiro.  Em Bolsa, renda fixa, só tem saída. Os bons números estão no investimento direto em compra de participação, fusões. Com muita liquidez no mundo (dinheiro para investir) e passando a reforma da Previdência, achava-se que os recursos estrangeiros viriam, mas não vieram. O estrangeiro está bem cético com a região.

E os efeitos na inflação?

Mesmo com o câmbio a R$ 4,30, não vejo risco para a meta de 4% do ano que vem. Os juros devem cair para 4,5% (estão em 5% ao ano) e permanecer nesse patamar. No ano que vem, a inflação deve ficar em 3,6%.

A decisão de adiar as reformas pesou na subida do dólar?

Acredito que contribuiu. Tem muitas PECs (propostas de emenda à Constituição) em andamento, a dos fundos setoriais, do pacto federativo... Disseram que a administrativa não vem agora e que vem suave. Não se sabe o que vai sair desse pacote fiscal que foi anunciado. Ainda tem reforma tributária, PEC paralela, a da segunda instância. Com um presidente sem partido, aumenta o custo da negociação. Há risco de parte relevante das reformas nesse processo se perder. Falta um pouco de prioridade. A ansiedade é grande, tem muita coisa para fazer, mas seria melhor um encaminhamento mais ordenado.