Cultura

Em ‘Paterson’, Adam Driver vive motorista de ônibus que escreve nas horas vagas

O diretor Jim Jarmusch diz ter buscado a ‘metáfora para uma vida simples’

Em ‘Paterson’, o personagem do ator Adam Driver tem a poesia como hobby
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Divulgação/Mary Cybulsky
Em ‘Paterson’, o personagem do ator Adam Driver tem a poesia como hobby Foto: / Divulgação/Mary Cybulsky

RIO - O cinema de Jim Jarmusch está cheio de referências a poemas e poetas. Em “Daunbailó” (1986), um de seus mais celebrados títulos, por exemplo, os personagens discutem a obra de Robert Frost. “Homem morto” (1995) conta a história de um homem chamado William Blake. Já “Os limites do controle” (2009) começa com citações a versos de Rimbaud. Com “Paterson”, que chega esta quinta aos cinemas brasileiros, o realizador americano escancara sua paixão pela forma mais lírica e filosófica das manifestações literárias — o personagem título é um motorista de ônibus que escreve poesias nas horas vagas.

— Acho que gosto de poetas porque nunca conheci um que escrevesse por dinheiro. Charles Bukowski era funcionário dos correios. Wallace Stevens trabalhava em uma companhia de seguros. William Carlos Williams era pediatra em tempo integral. Então, eles escreviam por prazer, porque amavam a forma — explicou Jarmusch, 64 anos, durante o Festival de Cannes do ano passado, onde “Paterson” fez sua estreia mundial. — Desde a minha adolescência, entendi que os poetas são figuras meio rebeldes, inovadoras e muito sensíveis, e nesse sentido são como estrelas de rock.

O hobby de Paterson, vivido por Adam Driver, o Kylo Ren de “Star wars — O despertar da Força”, não é única ligação do filme com a poesia. A trama é ambientada em Paterson, no estado de Nova Jersey, cidade de passado operário e que serviu de lar para escritores como Allen Ginsberg (1926-1997) e inspirou o poema homônimo monumental de William Carlos Williams (1883-1963), sobre o cotidiano e a gente do lugar. O verdadeiro autor dos versos escritos pelo personagem é Ron Padgett, da escola de Nova York, e um dos preferidos de Jarmusch.

A forma emula o conteúdo: a trama de “Paterson” é contada em estrofes, uma para cada um dos dias de uma semana da vida do protagonista, cujo cotidiano se reduz ao trabalho, às conversas com a namorada (a franco-iraniana Golshifteh Farahani), aos passeios noturnos com o cachorro dela e à parada no bar preferido do bairro onde moram. As situações se repetem ao longo da semana, com pequenas variações de rotina, mas cada um deles acrescenta tipos e incidentes novos, que fornecem mais informações sobre a natureza a e índole dos personagens.

— O filme tem uma espécie de estrutura poética. O método dos sete dias da semana é uma estratégia muito simples de distribuir a ação e o pensamento, como seções que formam um poema — defendeu o diretor, que também assina o roteiro. — Gosto da variação e da repetição em poesia, em música, em filmes, nas artes, em geral. Enfim, adoro coisas repetidas, variações sobre um mesmo tema, seja na música de Bach ou nas obras de Andy Warhol. Em “Paterson”, a minha intenção era construir essa pequena estrutura poética como uma metáfora para uma vida simples e, aparentemente, banal. Cada dia do personagem é uma variação do anterior, ou do dia seguinte.