Rio

Desocupação de terras do Horto ganha novo ‘round’

Vereador reedita projeto para tentar manter casas em área do Jardim Botânico

Casas na região do Horto, no Jardim Botânico
Foto: Márcio Alves / Agência O Globo
Casas na região do Horto, no Jardim Botânico Foto: Márcio Alves / Agência O Globo

RIO - Com centenas de ações judiciais de reintegração de posse em andamento — algumas delas tramitando há décadas —, a retirada dos imóveis de 620 famílias da comunidade do Horto, construídos dentro dos 130 hectares do Jardim Botânico do Rio, ganhou um novo capítulo. Pouco mais de dois anos depois de o Ministério do Meio Ambiente concluir o registro das terras do parque em cartório e confirmar que daria continuidade ao plano de remoção, mais um movimento surge na tentativa de garantir a permanência dos invasores. Há duas semanas, o vereador Reimont (PT) desarquivou um projeto que havia apresentado em 2009, propondo que o local seja declarado Área de Especial Interesse para fim de Urbanização. Caso a Câmara Municipal aprove a proposta, a comunidade poderá reivindicar um plano de urbanização para o lugar. O texto também exige um processo de regularização fundiária para os moradores ganharem títulos de propriedade.

DISCUSSÃO FOI INTERROMPIDA

O projeto chegou a entrar em pauta para votação em primeira discussão, e dependia do apoio de 26 dos 51 vereadores (maioria simples). O clima era pela aprovação do texto, mas sua análise foi interrompida por iniciativa de Carlo Caiado (DEM), que pediu a suspensão dos debates por dez sessões para que os parlamentares possam conhecer melhor a proposta. Agora, Caiado e Alexandre Arraes (PSDB) tentam convencer os colegas a derrubá-la.

Reimont diz que, em conversas com técnicos da prefeitura, encontrou um clima favorável para a proposta. O secretário municipal de Infraestrutura, Urbanismo e Habitação, Indio da Costa, negou que haja apoio institucional ao projeto. Ele lembrou que o Tribunal de Contas da União (TCU) já se posicionou pela retirada dos moradores:

— Nenhuma lei municipal poderia garantir a permanência dessas pessoas, que ocupam área ambiental. Mas qualquer solução para o caso depende do desfecho das ações judiciais. Existe a possibilidade de assentamento de parte dessas famílias em terrenos da União, fora dos limites do parque.

O tema deve voltar à pauta da Câmara nos próximos dias.

— Não compreendo porque essa proposta ressurgiu. Creio que seja algo inconstitucional, não tem como legalizar a comunidade do Horto. Não é possível usucapião em terras públicas, e o TCU já decidiu que a área deve ser preservada. O projeto também é anterior ao Plano Diretor da Cidade (2011), que proíbe construções em locais que devem ser protegidos — disse Alexandre Arraes.

Carlo Caiado engrossou a crítica:

— Aprovar essa lei seria de uma imensa irresponsabilidade. Pedi o adiamento para conversar com os colegas. Muitos vereadores novos não acompanharam o debate sobre o uso da área.

A proposta tem a simpatia de integrantes da bancada de esquerda, como vereadores do PSOL. No entanto, não há uma unanimidade. Fernando William (PDT) observa que a comunidade é um assentamento consolidado há décadas:

— O que o poder público tem que buscar nesse momento é uma solução negociada, que atenda aos interesses do estado e dos moradores.

Apesar das restrições legais apontadas pelos colegas, Reimont acredita que a lei poderia abrir caminho para uma renegociação da permanência dos moradores. Ele alega que a comunidade poderia ser contemplada por dispositivos da Medida Provisória 759/2016, que trata de programas de regularização fundiária em áreas urbanas e na Amazônia. No entanto, segundo a MP, o processo não pode ser levado adiante em caso de conflitos jurídicos que envolvam a União, até que os processos tenham transitado em julgado.

Reimont, porém, tem outra avaliação:

— Pelo menos 500 famílias poderiam ser reassentadas no próprio terreno do parque, respeitando os ecolimites e os projetos futuros do Jardim Botânico.

Presidente da Fundação Jardim Botânico, Sérgio Besserman estranhou não ter sido consultado sobre a proposta do Legislativo para manter a comunidade do Horto. Segundo ele, além de estar em desacordo com as determinações do TCU, o projeto não leva em conta os planos da instituição. O Jardim Botânico espera há anos usar a área para expandir seu arboreto, principalmente com o plantio de espécies ameaçadas de extinção. Apenas uma pequena parte desse projeto foi levado à frente, com a instalação de estufas no terreno do antigo Clube Caxinguelê, alvo de uma reintegração de posse concluída em 2014.

— O objetivo nem é oferecer mais esse espaço ao público, mas, sim, levar à frente um projeto estratégico de preservação de espécies ameaçadas pelo aquecimento global. O destino da área já foi definido pelo TCU, não é possível legalizar ocupações de terras federais — destacou Besserman.

OPINIÕES DIFERENTES NO BAIRRO

O presidente da fundação acrescentou que não há prazo para a conclusão das reintegrações porque os processos estão em vários estágios na Justiça. A última foi no fim do ano passado.

Vice-presidente da Associação de Moradores do Jardim Botânico, Rodrigo Carneiro diz que a remoção das famílias como está prevista é a melhor solução para a área:

—— A prefeitura não teria legitimidade para sancionar uma lei com esse teor.

Os moradores do Horto querem permanecer no local. Roberto Luiz de Oliveira frisou que vive há 32 anos numa casa na Rua Pacheco Leão:

— Minha mulher herdou a casa dos pais. Não acho justo retirarem os moradores só por causa de especulação mobiliária. Já tentaram nos oferecer um terreno na Baixada. Como vamos morar tão longe? Nossos filhos estudam aqui perto.

Nos muros das casas e nos acessos às vilas, há faixas de protesto contra a retirada dos moradores. Numa delas está escrito: “Desculpem o transtorno, mas querem nos remover.”

*Colaborou Simone Cândida