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Dólar tem a maior alta desde 1999, e Bolsa maior queda desde 2008

Crise política faz Bolsa cair 8,75% e dólar subir a R$ 3,384
Painel da B3, em São Paulo, com queda expressiva por causa da crise política Foto: NELSON ALMEIDA / AFP
Painel da B3, em São Paulo, com queda expressiva por causa da crise política Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

SÃO PAULO e RIO - A reação dos mercados à delação da JBS que envolve diretamente o presidente Michel Temer foi proporcional à seriedade da situação. O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, desabou 8,79%, aos 61.597 pontos, maior recuo desde outubro de 2008, auge da crise financeira internacional. Na abertura dos negócios, o Ibovespa chegou a cair mais de 10% e o circuit breaker foi acionado, paralisando os negócios por meia hora. Esse mecanismo não era usado há quase nove anos. Já o dólar registrou a maior alta desde 1999, quando houve a maxidesvalorização do real: a moeda saltou 8,16%, a R$ 3,39. As operações de câmbio também foram paralisadas por uma hora, logo na abertura. O risco-país, medido pelos credit default swaps (CDS, espécie de seguro contra calote), disparou 59 pontos e fechou a 266 pontos.

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Esses movimentos refletiram a frustração dos investidores, que já davam como certa a aprovação das reformas, projetando a taxa básica de juros (Selic) em torno de 8% até dezembro, com o dólar perto de R$ 3 e a Bolsa atingindo patamares recordes. Ontem, tais projeções se evaporaram.

— A reação do mercado fala por si própria. Todos os agentes do mercado estão tomando a acusação praticamente pelo valor de face, mesmo antes de ouvir a gravação. Isso porque o que aconteceu aumentou a incerteza com relação às reformas econômicas. Como a aprovação dessas reformas estava sendo levada em consideração pelo Banco Central com relação à trajetória dos juros, essas denúncias aumentam a incerteza com relação às taxas de juros — afirmou o diretor de estratégia para emergentes do banco UBS, Alejo Czerwonko.

SOLUÇÃO TEM DE SER RÁPIDA

A avaliação de analistas é que o governo Temer perdeu a capacidade de governar e que dificilmente conseguirá ter apoio no Congresso para tocar as reformas econômicas esperadas, como a previdenciária e trabalhista — alguns aliados já anunciaram que vão entregar os cargos. A melhor solução, segundo agentes de mercado, seria a saída do presidente. Tanto que o rumor da renúncia, no meio da tarde, segurou a queda do Ibovespa, de mais de 9% para pouco menos de 7%. Contudo, depois de Temer anunciar que não renunciaria, os negócios voltaram a piorar.

— O rumor de renúncia reduziu um pouco a queda. A avaliação é que o Temer está sem credibilidade. Quanto mais rápido sair, melhor, já que um processo de impeachment é muito demorado — afirmou Ari Santos, gerente de renda variável da corretora H.Commcor.

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Para Czerwonko, essa nova turbulência pode afetar o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB), ainda que ele tenha ressaltado não ter informações suficientes para prever a extensão desse impacto.

— Acredito que o fator definidor será quão rapidamente a situação política será resolvida. Se a crise se prolongar muito tempo, vai comprometer a confiança e, consequentemente, a atividade econômica. Se a solução vier rapidamente, creio que o impacto sobre o PIB em recuperação ficará limitado — afirmou o diretor do UBS, ressaltando que pode ser “qualquer solução”, desde que seja rápida. — Mas é claro que haver uma pessoa market friendly no poder seria essencial para a continuidade da retomada, aos olhos dos agentes do mercado.

A necessidade de resolver a crise de forma rápida também foi apontada por Ian McCall, gerente de portfólio da Quesnell Capital em Genebra.

— Para que haja impacto significativo sobre a economia, será preciso haver três, quatro meses de incertezas. Os mercados financeiros são sempre muito ágeis em suas reações, mas, se a situação for resolvida em tempo hábil, acredito que o impacto sobre a retomada do PIB não será tão extenso — afirmou McCall.

Com relação à trajetória da Selic, ele acredita ainda haver espaço para reduzir os juros, porque o principal fator tem sido o recuo da inflação, e, segundo McCall, a tendência é que o indicador continue em queda.

PETROBRAS CHEGOU A CAIR 20%

Já Eamon Aghdasi, estrategista para mercados emergentes da State Street Global Markets, tem uma ponta de otimismo:

— Enquanto Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn continuarem na Fazenda e no Banco Central, haverá ainda confiança na situação do Brasil.

A queda da Bolsa foi generalizada. Os papéis preferenciais (PN, sem direito a voto) da Petrobras caíram 15,75%, e os ordinários (ON, com voto) perderam 11,36%. Na abertura, o papel PN desabou 20,2%. A Eletrobras teve queda de 16,96% (PN) e 20,96% (ON), as maiores do Ibovespa. Já a Cemig, que nos primeiros minutos do pregão despencou 41%, encerrou com perda de 20,43%. Apenas cinco empresas fecharam em alta, todas exportadoras, favorecidas pela disparada do dólar. A Fibria, de celulose, foi a que mais ganhou: 11,48%.

No mercado de câmbio, o Banco Central atuou fazendo dois leilões de swap , para garantir a liquidez. Foram duas operações, de 40 mil contratos cada, somando US$ 2 bilhões.

JUROS DISPARAM

Como, até ontem, a expectativa era de aprovação das reformas, o dólar vinha em tendência de queda e já se esperava um recuo mais forte dos juros por parte do Comitê de Política Monetária (Copom). Agora, esse cenário se modificou completamente, o que acentua a volatilidade.

Os contratos de juros negociados na B3 com vencimento em janeiro de 2018 fecharam a 10,075%, ante 9% no fechamento de ontem. Os de janeiro de 2019 subiram de 8,85% para 10,41% e os de janeiro de 2021, para 11,39%, ante 9,60%.

— O cenário é bastante complicado não só pelo pregão de hoje, que todos sabiam que seria um banho de sangue. O maior problema é a indefinição sobre o que vai acontecer no futuro. Vai haver renúncia, impeachment, novas eleições, Lula de volta? Não sabemos. Por isso que o BC tem que agir logo, porque senão o mercado entrará em uma espiral — disse Paulo Petrassi, da Leme Investimentos.

A denúncia ocorreu em momento especialmente ruim para o mercado, segundo Petrassi, dada a proximidade da reunião do Copom, no fim do mês.

— Estava todo mundo apostando em um corte de 1,25 ponto percentual. Agora, teremos 1 ponto percentual e olhe lá. O BC tem que dar saída para investidores que estavam posicionados daquela forma — acrescentou

No exterior, os ativos relacionados ao Brasil também operam com forte volatilidade. O risco-país medido pelo CDS (Credit Default Swap, espécie de seguro contra calote) disparou 60 pontos na abertura, para 267 pontos.