• Daniela Frabasile
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Empresa;Publicidade;entrevista;Ezra Geld (Foto: Arthur Nobre)

Espelho
Se a publicidade é o reflexo da sociedade, então as marcas precisarão ser mais contundentes (Foto: Arthur Nobre)

Ezra Geld, presidente da agência de publicidade J. Walter Thompson Brasil, é um otimista (bem... um publicitário sempre é ou precisa ser, faz parte do trabalho). Na crise institucional, política e econômica que o Brasil atravessa, Geld consegue enxergar sinais positivos. Por exemplo: a repolitização da sociedade, que avivou a adormecida vontade de debater. As pessoas querem dar opiniões, argumentar, discutir. Às vezes com certo exagero, é verdade, mas o simples fato de colocarem à mesa (ou nas redes sociais) causas e coisas já representa, para Geld, um avanço. E o que a publicidade tem a ver com isso? Tudo. “Ela é o reflexo da sociedade”, diz o executivo. Em uma sociedade sedenta por opiniões, uma marca precisa estar pronta para se posicionar e dialogar. Não haverá, segundo ele, espaço para a neutralidade. 

No último ano, nós vimos muitas campanhas abraçando a ideia da diversidade. O público vê isso como positivo?
Eu acho que a tendência hoje é abraçar causas e isso é pautado por uma série de coisas. A geração 100% digitalizada, os millennials, já vem com a expectativa de que respeitemos as diferenças, olhemos a diversidade. Essa tendência ganhou volume em 2016, até pelo cenário social polarizado. Acredito que as marcas que vêm adotando essa filosofia de abraçar a diversidade são vistas, sim, como marcas de opinião. E a sociedade está sedenta por opiniões. Portanto, eu acho que o público vê a publicidade opinativa como algo positivo, embora seja difícil mensurar com exatidão o resultado dessas campanhas.

Mas não soa contraditório dizer que em um cenário social polarizado existe a expectativa de respeitar as diferenças? De onde vêm essas expectativas?
A diversidade talvez seja um ponto em comum, o assunto que as pessoas conseguem discutir de forma razoável. Eu consigo ter um debate sobre igualdade de gênero, igualdade racial, porque isso me fere menos do que falar sobre política e partidos. A diversidade se tornou um terreno fértil de discussão. Se existe a sede por polarização em um assunto, existe também a sede de encontrar um ponto em comum em outros.

De que forma a polarização afeta a publicidade?
A gente sempre tem a tendência de ficar olhando o lado negativo da situação. Mas, na realidade, eu vi muitos pontos positivos nesse momento que o país atravessa. Eu acho que o Brasil se repolitizou de uma forma surpreendente. Óbvio que isso causa polêmica e certo desconforto, mas também enseja debates e discussões construtivas, quando sérias. Isso afeta a propaganda e a comunicação de uma forma não linear, e tem influência nas mais variadas esferas da nossa atividade. Nós somos um reflexo de como a sociedade está se vendo. E este reflexo dá margem à reflexão. A partir do momento em que a sociedade está se vendo mais politizada, se identificando com determinadas bandeiras, a comunicação para essa sociedade tem de se ajustar, seja no tom, seja na forma. Se a comunicação reflete o momento, então ela precisa ser mais contundente.

Negócios Por que você acha que os millennials querem abraçar a diversidade?
Geld
Quando eu estava na escola, as divisões entre os grupos eram mais claras. Era tudo preto e branco. Ou você era cool ou não era. Ou era roqueiro, ou não. A minha interpretação dessa turma dos millennials é que eles adoram a pluralidade. Gostam dessa história de abraçar múltiplas bandeiras, diferentes tribos. Eles celebram a individualidade não por rejeitar coisas, mas por abraçar um combinado de coisas. Nesse aspecto, acho que é uma geração muito mais aberta, plural. Acho que a disponibilidade da tecnologia contribui para tal comportamento.

Qual o impacto das redes sociais na comunicação das empresas?
Elas criam um ambiente para trocas muito saudáveis, entre pessoas e empresas. E a gente ainda está aprendendo a lidar com tudo isso. É algo novo. Uma sociedade com opiniões mais fortes vai exigir das marcas uma postura mais forte. Já não haverá espaço para a neutralidade. As empresas precisam estar prontas para dialogar.

Mas nem todas estão prontas. Como as empresas podem se adaptar a esse novo comportamento?
É um superdesafio para as empresas e, sobretudo, para a publicidade, porque a essência da nossa atividade mudou. Antigamente, a marca emitia uma opinião e não tinha a resposta imediata do consumidor. Dali a seis meses iria descobrir, por pesquisas ou por algum resultado de vendas, se as pessoas concordaram ou não com a tal opinião. Hoje, o consumidor responde em tempo real e eu, como marca, tenho de tomar a rápida decisão de ajustar ou manter o discurso. É um diálogo sobre o qual eu não tenho controle. As agências e as marcas têm de se acostumar a isso.

As empresas entendem que precisam mudar, ser mais contundentes em suas opiniões?
Acho que as empresas não têm medo de emitir opinião, elas têm medo de abraçar causas mais polêmicas. Eu concordo com essa postura mais ponderada em alguns casos. Mas também acho que existem algumas causas tão óbvias, tão fáceis de engajamento, que simplesmente não dá para entender a neutralidade das empresas em relação a elas. Igualdade de gênero é uma; igualdade racial é outra. Ah, mas haverá quem discorde... Paciência. É impossível ter opinião sem sofrer reação negativa. Talvez você aborreça algum indivíduo, mas vai fazer milhares o abraçarem com mais amor ainda. E o trabalho do publicitário é fazer você se apaixonar pelas marcas.