18/12/2015 18h04 - Atualizado em 08/01/2016 17h12

Levy deixa Fazenda após 11 meses no cargo e sucessivas derrotas

No período, país entrou em recessão e Brasil perdeu grau de investimento.
Nelson Barbosa irá substituir Levy no comando do Ministério da Fazenda.

Alexandre Martello e Darlan AlvarengaDo G1, em São Paulo e Brasília

Joaquim Levy em conversa com jornalistas nesta sexta-feira (18) (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)Joaquim Levy em conversa com jornalistas nesta sexta-feira (18) (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

Durou menos de 1 ano a passagem de Joaquim Levy pelo comando do Ministério da Fazenda. Principal nome da equipe do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, alçado ao posto para o desafio de arrumar as contas públicas, o economista apelidado de “mãos de tesoura” deixa o governo após uma sequência de derrotas em sua batalha para promover o chamado ajuste fiscal – plano de austeridade para reequilibrar as contas públicas.

 

O “homem do ajuste” deixa o governo sem ter conseguido estancar a trajetória de crescimento do déficit orçamentário em 2015 ou a garantia de um orçamento com superávit primário (economia para pagar os juros da dívida) em 2016. E ainda terá que carregar na sua biografia o fato de ter sido sob o seu comando que o Brasil entrou em recessão e perdeu o grau de investimento – selo de país bom pagador da sua da sua dívida.

A saída acontece após Dilma decidir reduzir a meta de superávit primário (economia para pagar os juros da dívida) de 2016 para 0,5% do PIB, contrariando diretamente Levy, que vinha insistindo na necessidade de manter a meta de 0,7% do PIB como uma espécie de último estandarte para garantir a retomada da confiança no Brasil e a estabilidade necessária para uma retomada do crescimento econômico.

"Estou ligeiramente ofuscado", desabafou Joaquim Levy na quarta-feira (16), um dia após o governo ter decidido pela redução da meta fiscal de 2016.

Nesta sexta-feira (18), o ministro do Planejamento, Nelson Barbosal, foi anunciado como o substituto de Levy no comando da Fazenda. Pela manhã, durante encontro com jornalistas Levy admitiu que estava conversado com Dilma sobre a sua possível saída do governo e disse que não queria “criar nenhum constrangimento”.

No comunicado oficial do anúncio da troca, Dilma agradece "a dedicação do ministro Joaquim Levy, que teve papel fundamental no enfrentamento da crise econômica, e deseja muito sucesso nos seus desafios futuros".

Nos últimos meses, com a intensificação das interferências, ataques, descrenças e perda de apoio político dentro do governo e no Congresso, passou a ser comum Levy ser questionado a cada nova entrevista sobre a sua permanência no cargo.

O desgaste de Levy no cargo e a perda de prestígio aumentaram após ele passar a receber críticas públicas vindas de integrantes do governo e de parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT). Desde outubro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vinha afirmando que governo Dilma precisava abandonar de forma imediata o ajuste fiscal que está sendo implementado pela equipe econômica. 

Além das críticas de dentro do governo, Levy passou a ser também alvo de empresários insatisfeitos com as medidas de elevação da carga tributária, com a proposta de recriação da CPMF e com o agravamento do quadro recessivo.

Revisões da meta fiscal
Quando o nome de Levy foi anunciado para o comando da Fazenda, ainda em 2014, juntamente com Nelson Barbosa no Planejamento e a permanência de Alexandre Tombini no Banco Central, o governo se comprometeu com uma meta de superávit primário de 1,2% do PIB para 2015 (R$ 66,3 bilhões para todo o setor público) e de, ao menos, 2% do PIB em 2016 e 2017.

Diante da queda da forte queda da arrecadação, em um cenário de recessão na economia brasileira, de resistência do governo em implementar cortes de gastos mais profundos e das dificuldades no Congresso Nacional, os objetivos foram sistematicamente revisados para baixo. Agora, a previsão é de um rombo de até R$ 119,9 bilhões e ainda não há a garantia de um superávit em 2016

A primeira grande derrota ocorreu ainda em julho, quando o governo decidiu revisar a meta de superávit primário de 2015 para o equivalente a 0,15% do PIB, admitindo inclusive a possibilidade de terminar o ano com um déficit de até R$ 26,4 bilhões. Já a meta para 2016 recuou para 0,7% do PIB. Um mês depois, a equipe econômica revisou novamente o número para um déficit de R$ 0,34% do PIB, o que levou a agência Standard & Poors (S&P) retirar o grau de investimento do país.

Levy também teve desentendimentos com Nelson Barbosa, ministro do Planejamento. Após o envio de um orçamento deficitário, defendido pelo ministro do Planejamento no fim de agosto, Levy declarou que seria “absolutamente fundamental” tentar atingir o objetivo anunciado anteriormente – de 0,7% do PIB – e acabou conseguindo o compromisso de Dilma com um superávit em 2016.

Para perseguir a meta, o governo anunciou um pacote de cortes e de aumento de receitas, incluindo, inclusive, a recriação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).

Ao chegar no Congresso, entretanto, o projeto de ajuste fiscal em 2016 voltou a enfrentar resistência. E, diante das ameaças de cortes em programas sociais como o Bolsa Família, o governo Dilma acabou decidindo pela revisão para baixo da meta fiscal, contrariando Levy e resultando na perda do selo de bom pagador do Brasil por mais uma agência, a Fitch.

Aumento de impostos e recessão
Durante seu período na Fazenda, Levy promoveu uma série de medidas que, apesar de ter culminado no aumento de vários tributos e na limitação de benefícios sociais, não conseguiram garantir o reequilíbrio das contas do governo.

Embora não tenham sido anunciados pacotes econômicos, foram lançadas dezenas de medidas de aumento de tributos, corte de desonerações e redução de subsídios para empresas.

Em sua gestão, foram aumentados tributos sobre empréstimos, carros, cosméticos, cerveja, vinhos, destilados, computadores, smartphones, bancos, receitas financeiras das empresas, taxas de fiscalização de serviços públicos, gasolina e exportações de manufaturados, direitos de imagem, entre outros.

A última bandeira que estava sendo defendida pelo ministro era a da recriação da CPMF. "É ruim, dói, mas vai dar certo”, disse.

Também foram promovidas limitações de benefícios sociais, como seguro-desemprego, auxílio-doença, abono salarial e pensão por morte, além de aumento da tributação sobre a folha de pagamentos.

Apesar das várias medidas anunciadas, a deterioração das contas públicas não cessou. Para piorar o quadro, o Brasil entrou em recessão, registrado nos 3 primeiros trimestre de 2015 quedas de 0,8%, 2,1% e de 1,7%. A previsão do mercado é de uma queda de 3,62% no acumulado no ano, o que significará o pior resultado em 25 anos, ou seja, desde 1990 – quando houve retração de 4,35%.

Histórico de Joaquim Levy
Economista de bem avaliado pelo mercado financeiro e considerado ortodoxo, com uma atuação mais tradicional na economia, Levy, hoje com 54 anos, trabalhava na diretoria da administradora de investimentos Bradesco Asset Management quando foi convidado para comandar a Fazenda.

A nomeação representava uma virada radical na condução da política econômica a economia  e foi elogiada até por Aécio Neves, que concorreu com Dilma Rousseff nas eleições de 2014. Na ocasião, o senador citou uma frase de Armínio Fraga, que seria ministro da Fazenda caso ele ganhasse as eleições, sobre Levy: "É como se um quadro da CIA fosse indicado para comandar a KGB".

Esta foi a segunda passagem de Levy na administração federal. Doutor em Economia pela Universidade de Chicago, identificada com o neoliberalismo, Levy chefiou o Tesouro Nacional entre o início de 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder, e março de 2006. Foi ele quem executou o ajuste fiscal do primeiro mandato de Lula, que levou o superávit primário a um patamar médio de 3,5% do PIB (série histórica revisada do BC, sem as estatais) - patamar considerado elevado. Foi nesse período que Levy ficou conhecido como "mãos de tesoura".

Após deixar o governo federal, em 2006, Levy foi vice-presidente de Finanças e Administração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cargo que ocupou por oito meses. Depois, assumiu a secretaria de Fazenda do estado do Rio de Janeiro no governo Sérgio Cabral, onde permaneceu por mais de três anos, indo em seguida para o Bradesco.

Nascido no Rio de Janeiro e formado em Engenharia Naval, Levy obteve o doutorado em Economia pela Universidade de Chicago em 1992 e o mestrado em economia pela FGV em 1987. Iniciou sua carreira em 1984, no Departamento de Engenharia e na Diretoria de Operações da Flumar S/A Navegação.  O economista é casado com uma advogada e é pai de duas filhas.

Gentil no trato, erudito nas palavras e extremamente irônico, o ministro costumava conduzir longas jornadas de trabalho noite adentro e impressionava também pela paciência e sangue frio.

Nas últimas semanas, diante da iminência do selo de bom pagador do Brasil por uma segunda agência, Levy passou a minimizar as consequências da perda do grau de investimento, comparando o rebaixamento da nota ao rebaixamento no futebol. Mas chamou de “inconveniente” e “um equívoco” reduzir a meta de compromisso de “caixa” para voltar a pagar os juros da dívida pública com corte de gastos e não com mais endividamento.

Levy insistia na tese que somente um orçamento “robusto” e “crível” é que poderia resgatar a confiança e garantir um horizonte mais promissor para a economia.

"A perspectiva para 2016 é que vamos ter que fazer escolhas", alertou em novembro, durante encontro com empresários, em São Paulo. A escolha de Levy foi anunciada nesta sexta-feira.

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