Política República grampeada

Delator diz que pagou propina a Cid Gomes para liberar créditos fiscais no Ceará

'Você paga os 20 milhões e o estado lhe paga os 110 milhões que você tem de crédito', teriam dito emissários do ex-governador

BRASÍLIA - Wesley Batista, dono do grupo J&F e do frigorífico JBS, disse em delação premiada que o ex-governador do Ceará Cid Gomes recebeu propina para, em troca, ajudar a empresa. Foram R$ 4,5 milhões em 2010 e R$ 20 milhões em 2014. O dinheiro teria sido repassado por dois meios: doações oficiais declaradas à Justiça Eleitoral, e notas frias. A JBS tinha interesse em receber créditos fiscais atrasados que o governo do Ceará não vinha pagando. Cid nega as acusações.

Wesley relatou que, em 2010, o então secretário da Casa Civil do Ceará, Arialdo Pinho, entrou em contato com seu irmão, Joesley Batista, que também está colaborando com a Justiça. A empresa possuía uma fábrica no estado para processar couro e que, em razão de incentivos fiscais, tinha crédito para receber. Na ocasião, Wesley não participou da negociação porque morava nos Estados Unidos. A JBS fez uma doação para a campanha de reeleição de Cid Gomes e o dinheiro foi liberado.

— R$ 4,5 milhões, sendo R$ 3,5 milhões por meio de notas frias, que tá anexada a relação das notas, e R$ 1 milhão por meio de doação oficial para eles liberarem o crédito — contou Wesley em depoimento prestado em 4 de maio de 2017.

— Em que pese ter sido pago via doação oficial, era um propina? — indagou um investigador.

— Era um propina, era uma propina — respondeu Wesley.

Entre 2011 e 2014, os créditos voltaram a acumular porque o governo estadual deixou novamente de pagá-los. Assim, em 2014, segundo Wesley, a empresa tinha R$ 110 milhões para receber. Nesse ano, o candidato a governador apoiado por Cid era Camilo Santana, que acabou sendo reeleito. Dessa vez, segundo Wesley, foi o próprio Cid quem fez o pedido. Ele teria solicitado R$ 20 milhões.

— Nós perguntamos quanto ele esperava de doação e ele disse que esperava de nós R$ 20 milhões. Eu falei: governador, impossível eu contribuir com R$ 20 milhões enquanto o estado me deve R$ 110 milhões e não me paga. Como é que eu posso desembolsar R$ 20 milhões se o estado que você governa não me paga? Difícil trabalhar no estado. Ele não falou nada. Saiu e falou: tá bom, deixa eu ver o que posso fazer sobre esse assunto. E ali encerrou a discussão — contou Wesley.

O empresário disse que, duas semanas depois, foi procurado por Arialdo e pelo então deputado federal Antônio Balhmann. Foi acertado o pagamento, sendo que R$ 10,2 milhões por via oficial para vários candidatos do Ceará, e R$ 9,8 milhões por meio meio de notas fiscais frias.

— Vieram com uma proposta direta. Falou: olha, nós precisamos daquela contribuição de 20 milhões e aqui o negócio é assim, você paga os 20 milhões e nós lhe pagamos, o estado lhe paga os 110 milhões que você tem de crédito. Se você não paga, o estado não libera. Se você paga os 20 milhões para a campanha, o estado libera. Simples como isso. Eu me vi na situação de que 110 milhões, preferia receber os 110 milhões, concordei em pagar a propina de 20 milhões para a campanha do governador de Camilo, em que pese nunca tive com o Camilo nessa oportunidade — disse Wesley.

Cid Gomes e Camilo Santana negaram as acusações. O GLOBO não conseguiu entrar em contato com Arialdo Pinho, que atualmente é secretário de Turismo do Ceará, nem com Antônio Balhmann.


O ex-governador do Ceará, Cid Gomes
Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo 01/04/2017
O ex-governador do Ceará, Cid Gomes Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo 01/04/2017

"Repudio referências em delação que atribuem a mim o recebimento de dinheiro. Nunca recebi um centavo da JBS. Todo o meu patrimônio, depois de 34 anos trabalhando é de 782 mil reais (IRPF2016), tendo sido duas vezes deputado, duas vezes prefeito e duas vezes governador", afirmou o ex-governador em nota.

"As informações que tenho sobre esse assunto, são as veiculadas pela imprensa. O que posso afirmar de forma categórica é que o ex-governador Cid trata-se de um homem sério, honrado e que não compactua com coisas erradas. Sobre as doações realizadas na campanha eleitoral, as informações que tenho são de que foram feitas de forma absolutamente correta e dentro da lei. Tanto que todas as contas foram devidamente aprovadas pelo TRE", disse Santana.