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Morre Eduardo Portella, membro da Academia Brasileira de Letras

Crítico literário e professor, ele foi ministro da Educação Cultura e Desportos no fim da década de 1970
O acadêmico Eduardo Portella Foto: Reprodução ABL
O acadêmico Eduardo Portella Foto: Reprodução ABL

RIO — Morreu na manhã desta terça-feira, aos 84 anos, Eduardo Portella, crítico, professor, escritor, politico brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras. Ele estava internado desde a noite de domingo no Hospital Samaritano, em Botafogo, e morreu em decorrência de uma parada cardíaca. De acordo com a ABL, o velório será realizado nesta terça na sede da instituição, no Centro do Rio, entre 19h e 22h, e nesta quarta-feira pela manhã, entre 7h e 10h30m, quando será realizada uma missa — logo após ocorrerá o enterro no mausoléu da ABL, no Cemitério São João Batista, em Botafogo.

Nascido em Salvador (BA), em 8 de outubro de 1932, Portella fez seus primeiros estudos nas cidades de Feira de Santana e do Recife, em Pernambuco, e obteve a sua primeira gradução em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, em 1955. Décadas mais tarde, tornou-se o sexto ocupante da cadeira nº 27 da ABL, tendo sido eleito em 19 de março de 1981, na sucessão de Otávio de Faria.

Para o presidente da ABL, o acadêmico e professor Domício Proença Filho, a morte de Portella representa a perda de "um excepcional pensador da cultura, um professor e crítico de alta presença e porte", disse.

Secretária-Geral da ABL, a acadêmica e escritora Nélida Piñon definiu Portella como "um grande mestre do pensamento brasileiro", disse. "Soube, com rara perspicácia, interpretar o fenômeno literário. O Brasil perde um grande homem, e a Academia, um de seus pilares".

Também acadêmico e amigo pessoal de Portella, o ex-presidente da ABL Marcos Vilaça qualificou Portella como "um extraordinário dominador de palavras, um crítico literário inigualável", disse.

INÍCIO DA CARREIRA

Ainda no começo da década de 1950, durante os primeiros anos de seus estudos universitários, Portella já dava seus primeiros passos no campo da crítica literária, no "Jornal Universitário", e também no "Diário de Pernambuco", onde se tornou colaborador regular, como crítico literário. Entre 1952 e 1954, concomitantemente ao curso de Direito em Pernambuco, estudou diferentes disciplinas em diversas instituições na Europa: em Madri, estudou Filologia, Filosofia, Romanística, Crítica Literária e Estilística. Em Paris, frequentou o Collège de France e a Sorbonne, e em Roma estudou Literatura Italiana. Simultaneamente aos seus estudos e ao exercício da crítica, Portella publicou em 1953 o seu primeiro livro, "Aspectos de la poesía brasileña contemporânea", editado na Espanha.

Ao retornar ao Brasil, tornou-se professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por onde se tornou doutor em 1970 — posteriormente conquistou todas as titulações possíveis na mesma instituição, até receber, em 2002, o título de Professor Emérito.

Durante todo o exercício de suas funções acadêmicas, Portella ocupou também diferentes cargos públicos, tendo se tornado Ministro de Estado da Educação, Cultura e Desportos, entre 1979 e 1980, durante o governo do presidente João Figueiredo . Durante o mandato, marcou sua passagem com a frase: “Não sou ministro, estou ministro”, enfatizando a transitoriedade do cargo público. Ao deixar o Ministério, por defender a valorização dos professores — pleito da greve dos docentes da UFRJ à época —, recebeu o apoio de importantes intelectuais, como Alceu Amoroso Lima e Tristão de Athayde, que avaliou a sua demissão, pelos militares, com um artigo intitulado "Queda para cima", publicado no "Jornal do Brasil".

O ex-presidente José Sarney afirmou que a ABL perdeu um dos nomes mais representativos das últimas décadas e não poupou elogios às habilidades críticas e intelectuais de Portella, além de destacar aspectos positivos do seu caráter durante a sua atuação enquanto ministro.

— Ele foi um excelente ministro que sempre teve atitudes corajosas em um momento difícil que o Brasil atravessava — disse Sarney. — Sempre me lembro da frase dele “Não sou ministro,  estou ministro”. Vai fazer uma falta imensa à cultura brasileira e com sua morte a Academia e as letras ficaram menores.

O senador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação, disse que Portella foi um homem que honrou o Brasil em todas as posições que ocupou e deu um grande exemplo ao proclamar sua famosa frase, demonstrando que não se deixaria ser controlado.

— Ele mostrou que os valores e princípios de uma pessoa estão acima do cargo que ocupa, e que abriria mão da posição a qualquer momento para manter seus ideais. Lamento muito a perda de um amigo.

No exterior a trabalho, a secretária-executiva do Ministério da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, foi pega de surpresa com a notícia e declarou ter uma grande admiração por Eduardo Portella. Para ela, ele foi um bom ministro, mantendo uma relação muito forte com a educação brasileira ao longo de toda a sua vida.

Atuação internacional

Após deixar o Ministério, Portella também foi secretário de Estado da Cultura do Rio de Janeiro, entre 1987 e 1988, e depois integrou diferentes cargos no exterior: em 1988 foi nomeado Diretor Geral Adjunto da UNESCO, cargo que ocupou até 1993. Depois, entre 1997 e 1999, presidiu a Conferência Geral da UNESCO, e em 2000 e em 2003 foi eleito Presidente do Fond International pour la promotion de la Culture (UNESCO-Paris).

Destas funções se desligou em 2009, para se dedicar à edição de suas obras. Entre elas, se destacam títulos como a série "Dimensões" (em quatro volumes); "O intelectual e o poder"; "Vanguarda e cultura de massa"; "Literatura e realidade nacional"; "Teoria da comunicação literária"; além de "Homem, cidade, natureza" e "Jorge Amado: a sabedoria da fábula" (2011), a sua última publicação.

Entre os principais aspectos da sua produção intelectual e literária se destacam uma concepção sobre a realidade baseada na recusa da tripartição linear do tempo — presente, passado, futuro —, a que se contrapôs e propôs uma compreensão simultânea do tempo. Em seus escritos, Portella definia a literatura e a arte como dimensões constitutivas do ser humano, e considerava a "liberdade como destino do ser".