Saúde

'Há muito estigma na depressão’, diz psiquiatra referência mundial no tema

David Vincent Sheehan é criador de uma escala que ‘mede’ os níveis da doença
Achados destacam a importância de tratar a saúde mental em vista da autoidentificação e rotulagem de orientações sexuais minoritárias Foto: Marjan Apostolovic/Shutterstock
Achados destacam a importância de tratar a saúde mental em vista da autoidentificação e rotulagem de orientações sexuais minoritárias Foto: Marjan Apostolovic/Shutterstock

RIO — Hoje, no mundo, 320 milhões de pessoas sofrem de depressão, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Destas, 11 milhões vivem no Brasil, o país mais deprimido da América Latina. Ex-consultor da OMS e da Food and Drug Administration (FDA) — agência reguladora dos Estados Unidos equivalente à Anvisa no Brasil —, o psiquiatra David Vincent Sheehan dedicou toda a sua carreira aos estudos desta doença e às consequências que ela traz.

Sheehan, que participou do Congresso Brasileiro de Psiquiatria este mês, falou ao GLOBO sobre este problema de saúde que já atingiu, atinge ou atingirá de 20% a 25% da população brasileira, de acordo com estimativas.

Uma pessoa pode ficar deprimida de formas diversas?

Sim, existem tipos diferentes de depressão, entre leve, moderada e severa. Mas o fato é que as pessoas podem ficar com o humor deprimido ao longo do dia e isso não configurar, necessariamente, depressão. Para se caracterizar como doença, os principais sintomas são tristeza, ansiedade, perda do prazer de realizar atividades e pensamentos depressivos como culpa, baixa autoestima e desesperança. Mas há também quase sempre a existência de problemas de concentração e raciocínio que impactam no organismo: insônia, problemas de apetite — a pessoa come demais ou muito pouco —, desânimo, cansaço, fraqueza, problemas hormonais, habilidade reduzida para se concentrar, falhas de memória e agitação ou apatia psicomotora. E esses sintomas aparecem quase todos os dias.

Como funciona a escala que o senhor criou para medir os níveis de depressão?

Antes de tudo, eu preciso destacar que, para diagnosticar se a pessoa tem depressão, é fundamental avaliar toda a sua história por meio de uma entrevista estruturada e profunda. A escala que eu criei, batizada de escala Sheehan, entra depois disso. Ela avalia o quão severa é a doença. De acordo com o nível de severidade, é possível direcionar o tratamento e os cuidados que o paciente deve receber: a frequência com que deve visitar o médico, se é necessário internação, entre outros.

O psiquiatra David Vincent Sheehandedicou a vida a estudos sobre depressão e falou ao GLOBO em entrevista exclusiva Foto: Ana Branco / Agência O Globo
O psiquiatra David Vincent Sheehandedicou a vida a estudos sobre depressão e falou ao GLOBO em entrevista exclusiva Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Usando essa escala, é possível saber a probabilidade de uma pessoa cometer suicídio?

Não. A escala Sheehan avalia somente a severidade da doença. Posso dizer que não é possível avaliar a probabilidade de uma pessoa cometer ou não suicídio. Geralmente, esta é uma ação imprevisível. Sabemos que alguns tipos de depressão mais severa podem levar ao suicídio se não tratados corretamente, mas não é possível prever.

E qual a melhor maneira de intervir quando se percebe que existe risco de suicídio?

É essencial adotar o tratamento adequado para casos de depressão grave. É sabido hoje que o tratamento correto da depressão severa é capaz de “desligar” o mecanismo no cérebro que aumenta o risco de suicídio.

Recentemente, surgiram no Brasil casos de tentativas de suicídio entre adolescentes possivelmente ligadas ao que ficou conhecido como “jogo da baleia azul". Como o senhor analisa o envolvimento de jovens com esse “jogo"?

Este tema é sério. É importante falar sobre depressão e suicídio da forma correta, esclarecendo a população para que todos possam ter acesso ao tratamento adequado. As famílias precisam estar atentas aos principais sintomas e procurar profissionais para ajudar. Falar de forma errada sobre o assunto só agrava mais o problema.

Quais são os métodos mais eficazes de tratamento?

Os casos de depressão leve podem ser tratados com psicoterapia e exercícios aeróbicos, cinco vezes por semana. Mas os de depressão moderada a grave precisam envolver antidepressivos. Um dos remédios atualmente indicados é a desvenlafaxina. Hoje, no Brasil, já existe disponível o primeiro similar dessa molécula, com um custo 30% mais acessível. Este medicamento tem menor interação com outros remédios, não afeta a libido, não gera disfunção sexual ou ganho de peso. Estas características são fundamentais porque, geralmente, o paciente com depressão toma outros remédios e é importante que o antidepressivo não interfira. E muitas pessoas deixam de se tratar por causa do ganho de peso e da queda na libido. A desvenlafaxina não impacta nisso.

Por que o número de pessoas com depressão tem crescido?

O sistema de diagnóstico melhorou muito. E alguns fatores como a vida moderna e o alto nível de estresse podem contribuir para o aumento da depressão. Acredito que seja por isso que, entre 1999 e 2013, os casos de depressão e ansiedade aumentaram 50% no planeta.

Segundo a OMS, o Brasil é o país com mais depressão da América Latina e o quinto no mundo. Por que somos um povo deprimido?

Sabemos que crise econômica e política e falta de segurança podem ser o gatilho para disparar um episódio de depressão em quem é predisposto. Pode estar aí a resposta.

E até 2020, essa doença deve ser a principal causa de afastamento do trabalho no mundo, certo?

Sim. Já hoje, em média, o paciente fica totalmente incapacitado de trabalhar ou conduzir suas atividades normais durante 35 dias por ano. A depressão traz vários custos: perdas financeiras, aumento de gastos com saúde, desgaste na vida doméstica. Aliás, o sofrimento familiar é simplesmente não mensurável.

O senhor já teve depressão?

Nunca. Não tenho predisposição e não fui submetido a situações que pudessem levar a um quadro depressivo. Mas tenho parentes e amigos que têm depressão. Hoje em dia todo mundo conhece alguém que tem ou já teve. E vejo que há muito preconceito e estigma em relação ao tema.