• Texto Sebastião Nascimento I Fotos Rogério Albuquerque
Atualizado em
cavalo_doma_monta (Foto: Rogério Albuquerque)

Brutalidade é uma palavra terminantemente proibida na Fazenda Lajeado, em Botucatu (SP), onde a doma de cavalos xucros envolve ternura e parceria com o homem. É quase uma experiência zen ao pé de colinas altas e íngremes e mata virgem habitada por veados-campeiros, antas, quatis e onças. Acaso John Wayne, lendário ator americano do filme Os caubóis passasse pela propriedade paulista ficaria surpreso ao constatar que o método de intimidação e subjugação do cavalo, comum no Velho Oeste, ali é condenado.


Na Lajeado, a prática da chamada doma racional consiste em estudar profundamente o comportamento do animal e prepará-lo “para a vida” sem deixar um único vestígio de trauma físico ou psicológico. “O cavalo segue o ser humano por confiança, amizade e respeito, nunca por medo. Quando a violência é empregada, o potrinho se submete ao homem não por vontade própria, e sim por desejar que a agressão covarde termine rapidamente.” Quem explica não é um experiente horseman das pradarias americanas, e sim Marina Pagliari, de 21 anos, aluna de zootecnia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp-Botucatu, que se capacita para ser domadora profissional.

Detalhe: na Lajeado, o método “gentil” de domar tem semelhança com outro filme dos EUA, o Encantador de cavalos, estrelado por Robert Redford e que muito sucesso fez. Comandada pelo veterinário e professor de equideocultura, José Nicolau Puoli Filho, de 54 anos, a doma racional, que foi criada por treinadores americanos, é disciplina curricular na Unesp desde 2007. Sua linha de pesquisa procura diminuir “a profundidade do abismo que existe em relação ao conhecimento do comportamento de cavalos, mulas e burros”, explica Nicolau.

O método da doma da Unesp foi aperfeiçoada pelo professor, que lhe acrescentou um diferencial relevante: o trabalho não se limita a deixar pronto o cavalo indócil. Paralelamente, as ações buscam integrar o animal ao business, seja para lidar com a boiada ou então para a disputa nas bem remuneradas corridas nos jóqueis e provas de trabalho (laço, apartação, vaquejada), que fervilham pelo Brasil. Nicolau diz que 90% dos cavalos domados no país são usados na pecuária de corte, que se sofistica a cada dia. “Nosso metodo faz da doma um elemento agregador. A aptidão acrescenta valor ao cavalo”, afirma.

Desde o início do processo de doma, é fácil perceber a conexão psicológica entre ser humano e bicho. Para o recém-nascido, é aplicada a técnica conhecida por “imprint training”, em que se procura mostrar de forma positiva o mundo dos homens para os potrinhos que brotam do ventre. “De forma suave, sempre”, frisa Marina. O método da doma é arquitetado passo a passo. Uma das fases decisivas da  formação do potro é a da dessensibilização. Nicolau relata: o cavalo imagina uma área ao seu redor de cerca de 1 metro de largura, chamada de zona de fuga ou de conforto. Tudo que adentrar lhe faz pressão. A  dessensibilização consiste em apresentar ao animal, dentro do espaço, objetos que farão parte da sua vida, como o cabresto, o freio, a ferradura. O domador toca afetuosamente parte do corpo do cavalo –  a face, por exemplo – antes de lhe exibir o cabresto. “São feitos ruídos também, como aplausos, frequentes em competições”, diz o professor, observando que a mãe do potro é mantida por perto a fim de tranquilizá-lo.

A mãe, por sinal, é a referência numa sociedade hierarquizada, caso da dos equinos, na qual o comando está a cargo de fêmeas dominantes, informa Nicolau. 

“Quem não seguir as formas de convivência é expulso do plantel pelas éguas”, ele diz, acrescentando que, como indivíduo historicamente predado e perseguido pelo homem, o cavalo tem o comportamento focado na fuga. Segundo o professor, como predado, o equino desenvolveu uma capacidade fantástica de interpretar gestos, atitudes e até a postura daqueles que os manejam – os seres humanos predadores. Tem razão, portanto, a estudante Marina quando ressalta que a paciência com o animal é fundamental para o êxito no processo de doma. “Quem não tem paciência coloca tudo a perder”, resume.

Humanização sempre

- Órgãos como a Embrapa informam que, nos últimos anos, a doma racional de cavalos tem crescido no Brasil, humanizando o trato, mas a violência ainda persiste nas fazendas

- A “doma gentil” foi criada nos EUA e ensina que, dominando o movimento do cavalo, o domador dominará a sua mente. Como se consegue isso? Interpretando o comportamento do animal e usando a linguagem que ele entende, que é a corporal. Assim, a força torna-se desnecessária