Política

Em Manaus, imigrantes venezuelanos sofrem com fome e doenças

Já são mais de 500 refugiados do país vizinho na capital do Amazonas
Imigrantes venezuelanos, a maioria da etnia indígena Warao, estão em situação crítica em Manaus, após deixar seu país Foto: BRUNO KELLY / REUTERS
Imigrantes venezuelanos, a maioria da etnia indígena Warao, estão em situação crítica em Manaus, após deixar seu país Foto: BRUNO KELLY / REUTERS

MANAUS - Moradias improvisadas com lonas nas calçadas, caixas de papelão como vasos sanitários e a luta diária por algum alimento e água potável retratam o cotidiano da maioria dos 530 imigrantes venezuelanos, muitos deles de uma etnia indígena, que estão em Manaus desde dezembro do ano passado, fugindo dos problemas políticos e econômicos no país vizinho.

A maior parte do grupo, 355 pessoas, vive próxima a um viaduto ao lado da Rodoviária Interestadual da capital amazonense, na zona centro-sul da cidade. Quem visita o local se depara com as cenas da miséria que afeta, principalmente, as crianças de oito meses a 12 anos, que representam pelo menos 40% do grupo. O restante dos imigrantes venezuelanos vive em abrigos ou perambula pelas principais ruas de Manaus pedindo dinheiro nos sinais ou em busca de alimento.

Na rodoviária, estão pelo menos 50 famílias, com média de sete integrantes cada, dos quais pelo menos três são crianças.

— Na hora de dormir, duas famílias se juntam em barracas de seis metros quadrados ou até em barracas de camping para fugir do frio da madrugada — conta o líder do grupo, o professor Aníbal Perez, 29 anos.

Perez chegou a Manaus há 30 dias, depois de passar mais de um ano sem conseguir emprego na Venezuela.

— A gente vem para o Brasil, achando que vai conseguir trabalho rápido. Eu consegui alguns trabalhos avulsos, mas não está sendo suficiente — diz.

O professor afirma que o momento de usar o banheiro é o mais complexo do dia, já que nem sempre é possível entrar na rodoviária:

— A maioria acaba fazendo suas necessidades fisiológicas em caixas de papelão, que são deixadas nas entradas das barracas, ou mesmo perto de grelhas ou utensílios de cozinha. Infelizmente, não há alternativa.

DESESPERO POR COMIDA

Apesar das dificuldades na hora de dormir e de procurar um banheiro, nada se compara aos horários das refeições, quando, na maioria dos casos, os adultos não têm o que preparar para si e para as crianças.

— Já vi criança chorar de muita fome, alguns pais desesperados vão para as ruas pedir dinheiro — lamenta Perez, que veio com a mulher e um filho para Manaus, mas deixou outros cinco filhos na Venezuela.

Os venezuelanos estão em situação crítica em Manaus Foto: BRUNO KELLY / REUTERS
Os venezuelanos estão em situação crítica em Manaus Foto: BRUNO KELLY / REUTERS

O professor relata que dificilmente o grupo que está na rodoviária recebe doações de comida do Poder Público e que, na maioria dos casos, são grupos religiosos ou famílias que deixam alimentos, principalmente para as crianças.

— O desespero por comida é tão grande que qualquer carro que pare aqui próximo, os grupos correm para perto para saber se é alguma doação que está chegando — descreve.

A condição degradante de moradia e a falta de alimento estão gerando o aumento de doenças entre os imigrantes venezuelanos. Na última terça-feira, uma criança de nove anos desmaiou em uma das principais ruas do Centro da capital, com suspeita de tuberculose e desnutrição. A criança pesava 20 quilos.

O menino foi levado às pressas para um hospital e permanecia internado até sexta-feira. A cultura da etnia Warao, que resiste ao tratamento médico, também compromete o atendimento aos imigrantes. A maioria também se recusa a ir para abrigos e prefere viver perto de logradouros públicos por acreditar que terão acesso mais rápido aos alimentos.

Famílias acampadas perto do viaduto Ayrton Senna, na capital do Amazonas Foto: RAPHAEL ALVES / AFP
Famílias acampadas perto do viaduto Ayrton Senna, na capital do Amazonas Foto: RAPHAEL ALVES / AFP

A Arquidiocese de Manaus, uma das instituições que vêm dando abrigo aos imigrantes venezuelanos, reclamou da falta de apoio do Poder Público. Segundo a coordenadora da Pastoral da Criança, Valdiza Carvalho, além de pagar o aluguel de uma das residências no Centro de Manaus para servir de moradia aos imigrantes, a igreja tem doado, com a ajuda da população, fogões, botijões de gás, roupas e comida e auxiliado na promoção das ações de saúde.

— Uma parte dos venezuelanos está no Centro, desde que um prédio onde eles estavam pegou fogo, deixando mais de 40 famílias desabrigadas. Só nessa área, 86 pessoas estão residindo atualmente sem apoio do Poder Público — afirma Carvalho.

A Prefeitura de Manaus publicou, no dia 8 de maio, um Decreto de Situação de Emergência Social por conta da situação dos imigrantes venezuelanos. O secretário municipal de Direitos Humanos, Elias Emanuel, afirmou que foi uma orientação do governo federal.

Elias admite que a prefeitura sozinha não tem condições de viabilizar ajuda aos imigrantes, porque o município “não dispõe de orçamento para esse tipo de situação atípica”.

— O governo federal precisa ser responsável e protagonista nessa situação — defende.

Após o Ministério Público Federal cobrar providências dos gestores públicos, representantes da prefeitura de Manaus foram a Brasília na última quinta-feira em busca de recursos. Já o governo do estado informou que vai liberar R$ 300 mil, que serão usados, principalmente, para a compra de alimentos e água potável.

(*Do Amazonas1)

Índios Venezuelanos acampados debaixo do viaduto de Flores Foto: Arthur Castro / Agência O Globo
Índios Venezuelanos acampados debaixo do viaduto de Flores Foto: Arthur Castro / Agência O Globo