Opinião

Salvem-se as colaborações premiadas

A rigor, nosso sistema criminal ainda não deu certeza se quem não é colaborador receberá punição mais grave que aqueles que optaram pela colaboração

A aplicação mais frequente do instituto da colaboração premiada é relativamente recente, mais especificamente, após a edição da Lei 12.850/2013, em que pese alguns autores buscarem uma referência histórica nas Ordenações Filipinas e, modernamente, já haver previsão legal desde a Lei nº 8.072/1990, Lei de Crimes Hediondos.

A utilização do instituto em casos rumorosos, em especial envolvendo crimes de colarinho branco, vem fomentando muitos debates entre operadores do Direito e na sociedade de maneira geral. Nos últimos dias, uma questão tem chamado bastante a atenção: os benefícios das colaborações premiadas estão sendo exagerados?

O primeiro ponto que deve ficar claro é que a colaboração premiada é um instituto processual penal de pactuação de benefício para o investigado ou réu. O princípio base previsto na Constituição da República é de que ninguém está obrigado a produzir provas contra si próprio. Assim, se o investigado ou réu, assistido por seu advogado, aceita produzir provas contra si próprio, que também sejam capazes de identificar outros criminosos, revelar a estrutura hierárquica da organização criminosa, prevenir a prática de outros delitos ou recuperar, ainda que parcialmente, o proveito do crime, ele o fará única e exclusivamente para ter benefício.

As provas produzidas pelo colaborador só deverão ser utilizadas contra ele nas hipóteses em que isto estiver expresso no acordo de colaboração premiada, pois, do contrário, essa utilização será ilícita. O colaborador tem o direito de saber em quais casos aquelas provas serão utilizadas contra ele, pois essa informação é fundamental para que ele defina se irá firmar, ou não, o acordo.

Outro ponto que deve ser ressaltado é que, atualmente, nosso sistema criminal praticamente não pune criminoso de colarinho branco. Se queremos que as punições para os colaboradores sejam mais severas, primeiro temos que ter um sistema criminal mais efetivo. A rigor, nosso sistema criminal ainda não deu certeza se quem não é colaborador receberá punição mais grave que aqueles que optaram pela colaboração.

Há, inclusive, uma onda se formando capaz de fulminar o instituto da colaboração premiada. O início de processos ou procedimentos na seara cível, tributária e administrativa contra colaboradores, muitas vezes com mais vigor do que contra os não colaboradores, por fatos descobertos exclusivamente por conta dos acordos de colaboração, é um desincentivo para futuros acordos. Afinal, qual advogado indicará a um cliente a colaboração premiada se sua experiência anterior for no sentido de que quem não firmou acordo se saiu melhor do que quem os tenha feito?

Muito já se falou sobre a utilização de prisões preventivas para servir de espada na garganta do investigado para forçá-lo a fazer acordos de colaboração. Essas colocações não têm qualquer respaldo na realidade. A verdadeira espada que se coloca na cabeça de um colaborador é a cláusula que consta em todos os acordos de que, se ele voltar a delinquir, perderá todos os benefícios e terá que cumprir a pena privativa de liberdade que, em geral, consta no pacto. A existência dessa cláusula, no atual cenário, é um alento para a sociedade, uma vez que, se bem fiscalizada, poderá ser indutora de boas práticas em alguns mercados, que ultimamente andavam podres.

Por fim, deve-se registar que a grande maioria dos acordos de colaboração noticiados impôs algum tipo de pena corporal e sanções financeiras significativas. É difícil aceitar que seja abrandada a pena de pessoas que reconhecem que praticaram crimes graves, mas deve-se trabalhar com a realidade. E a realidade é que, no Brasil, criminoso de colarinho branco não tem punição quase nenhuma. Espera-se uma mudança do sistema criminal e, se isso ocorrer, certamente os futuros acordos de colaboração premiada serão negociados em outro patamar.

Sérgio Luiz Pinel Dias é procurador da República e integrante da força-tarefa da Lava-Jato no Rio de Janeiro