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Marco da cultura pop do século XX, ‘Sgt. Pepper’s’ chega aos 50 anos

Meio século depois, disco mantém reputação intacta e influência imensa
SC - Sargent Pepper's, Beatles Foto: Parte da capa do disco 'Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band', dos Beatles / Reprodução
SC - Sargent Pepper's, Beatles Foto: Parte da capa do disco 'Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band', dos Beatles / Reprodução

RIO — Chuck Berry não curtiu. O negro americano cujo estilo na guitarra ajudou certos rapazes de Liverpool a ganhar a vida — e o planeta — deixou o prédio aos 90 anos, em março. Keith Richards tampouco parece inclinado a acrescentar a suas playlists de streaming — se é que ele tem alguma — a versão remixada de “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” que ficou disponível globalmente na sexta-feira. Em entrevista à revista “Esquire”, em 2015, o guitarrista dos Stones definiu o disco mais famoso dos colegas como “uma mistureba de porcarias”: “Os Beatles se deixaram levar. Normal. Se você faz parte dos Beatles nos anos 1960, você se deixa levar”.

Isto posto, vale acrescentar: se você não faz parte de nenhum fã-clube dos Beatles em 2017, ainda assim corre enorme risco de se deixar levar pela obra apontada por nove entre dez enquetes pop como o melhor álbum de todos os tempos.

Lançado há 50 anos, o disco conceitual é um marco da cultura pop e um monolito sempre aberto a novas interpretações ou simples deleite aural. E agora ganha versão remixada por Giles Martin, filho do produtor e quinto beatle George Martin (1926-2016), junto com Sam Okell, engenheiro dos estúdios de Abbey Road (ouça abaixo).

Sob esse aspecto, o trabalho de Martin e Okell oferece um acerto de contas com a História. Em 1967, a indústria fonográfica passava por uma transição tecnológica: os Beatles gravaram e remixaram o disco pensando na versão em mono, que até então era a forma mais popular entre os ouvintes. A mixagem original em estéreo foi feita em apenas dois dias, sem a presença dos quatro músicos. Agora, segundo Giles Martin, a versão em estéreo obedece aos preceitos, intenções e caprichos de John, Paul, George e Ringo — John Lennon, por exemplo, pedia sutis alterações de velocidade para que sua voz soasse diferente.

Em 1967, outra transição a afetar o mundo da música era mercadológica: naquele ano, na Inglaterra, pela primeira vez os LPs passaram a vender mais do que os singles, e nada mais adequado para marcar isso do que um disco em que todas as faixas foram pensadas em função de uma unidade e para ser escutadas em sequência predeterminada.

Em 2017, os fãs podem fazer “binge-listening” (“audição farra”) com os novos mimos adicionados à reedição comemorativa de 50 anos de “Sgt. Pepper’s”: são 34 takes (ou mixagens ou versões) inéditos.

Para os “materialistas”, há uma edição em vinil duplo 180 gramas com 26 faixas e um CD duplo com 31. Para quem estiver disposto a sacudir as joias, há ainda um box “superdeluxe” (a US$ 150) com quatro CDs e dois Blu-ray/DVDs (incluindo o documentário de 1992, “The making of Sgt. Pepper”), além de um livro de capa dura de 144 páginas, com textos de Paul McCartney e do produtor Joe Boyd, entre outros.

Muito antes do advento de coxinhas e mortadelas, “Sgt Pepper’s” dividiu o mundo — entre caretas e doidões, entre quem tem e quem não tem “experiência”. Entre junho e agosto de 1967, Paul assumiu publicamente que usava LSD, George Harrison foi viver na Califórnia hippie, os quatro beatles partiram em bonde místico para a Índia, e Brian Epstein morreu de overdose.

ECOS ATÉ EM BEYONCÉ

“Sgt. Pepper’s” supostamente também seccionou o rock que veio depois de 1967 — entre fãs da energia bruta, sexual e dionisíaca de suas origens, e apreciadores de uma então nova e ambiciosa escola cerebral de compor, arranjar e gravar o gênero. Justamente o lado que Keith Richards, Chuck Berry e cultores do punk viam como traição de princípios.

No entanto, no hip hop, que tomou o poder na indústria desde o fim dos anos 1990, “Sgt. Pepper’s” ecoa a cada arranjo de cordas enxertado entre raps, a cada colagem feita por DJs, a cada álbum conceitual de Kendrick Lamar. Ou mesmo no “Lemonade”, de Beyoncé, campeão de vendas no planeta em 2016.

No Brasil, o tropicalismo foi atingido em cheio por “Sgt. Pepper’s”. Em 1967, Gilberto Gil apresentou o disco para Arnaldo Baptista, dos Mutantes. “O impacto foi muito além do esperado. O grau de inovação, invenção e ousadia embriagou a todos”, lembrou Gil, em entrevista à revista “Bizz”, em 2007.

No mês que vem, o pesquisador Marcelo Fróes lança pela editora Sonora uma reedição revista e atualizada do livro “Paz, amor e Sgt. Pepper: os bastidores do disco mais importante dos Beatles”, de George Martin e William Pearson. Para Fróes, George Martin foi o arquiteto de “Sgt. Pepper’s” e o engenheiro de som Geoff Emerick, o mestre de obras.

— Os Beatles foram os peões — compara.

Seja como for, 50 anos depois, a reputação da obra segue imensa. A dúvida é: será que o mundo ainda vai amar tanto esse sargento quando ele tiver 64 anos, em 2031?