Brasil Educação

MEC inclui luta por democracia em novos parâmetros para educação infantil

Recém-finalizado, documento traz ensino de valores democráticos entre as prioridades para crianças de até 5 anos

BRASÍLIA - Em meio à atual onda conservadora no país, o Ministério da Educação (MEC) atualizou os Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil e incluiu, entre eles, o respeito a valores democráticos. Na versão anterior desse documento, que data de 2006, não havia sequer menção a democracia ou a valores democráticos.

Os Parâmetros têm o objetivo de estabelecer padrões de referência para a organização e o funcionamento de creches e pré-escolas no país. Antes divididos em dois volumes, eles foram agora reunidos em um só documento. A edição acaba de ser finalizada pelo MEC.

"Valores como a Democracia, a Inclusão e a Diversidade devem ser colocados em primeiro plano na educação de crianças de 0 a 5 anos, pois é nessa etapa da vida que elas constroem suas primeiras referências para esses valores", diz trecho incluído na nova versão.

O documento destaca também a necessidade de projetos pedagógicos que atuem contra preconceitos de gênero, cor e raça, opção religiosa e voltado a pessoas com deficiência. No texto anterior, elaborado em 2006, havia referência à diversidade na família e isso foi mantido na nova redação.

Só 35% das crianças de até 3 anos estão em creches

Há, no material, desde questões relacionadas ao conteúdo dos projetos pedagógicos até requisitos sobre a escolha do terreno onde serão construídas as creches. O novo documento traz critérios gerais para parcerias do setor público com o privado "quando comprovada a impossibilidade de oferta do atendimento de Educação Infantil em sua estrutura própria".

Estabelece, por exemplo, que haja uma regulamentação desse tipo de oferta no Conselho Municipal de Educação e que gestores públicos sejam designados para "monitoramento contínuo" da parceria, com adoção de ações necessárias a melhorias. Hoje, com a pressão por creches, não é incomum que prefeituras "comprem" vagas em estabelecimentos da iniciativa privada. A medida, porém, é polêmica.

Apesar da saída encontrada por alguns prefeitos, o déficit permanece grande. Somente cerca de 35% das crianças de zero a 3 anos têm vagas garantidas. O Plano Nacional de Educação (PNE) determina que o índice de matriculados alcance 50% em 2024. No caso da pré-escola, pouco mais de 90% das crianças entre 4 e 5 anos são atendidas, enquanto a meta era ter universalizado o acesso em 2016.

Ao longo de mais de 60 páginas, o novo marco para a educação infantil indica a formação recomendada dos profissionais, uma vez que a etapa escolar, por lidar com crianças muito pequenas, tende a ser mantida de forma improvisada e precária nas redes pública e privada. Segundo o documento, os gestores da área devem ter no mínimo o diploma de nível superior em pedagogia com perfil adequado para a gestão escolar, sendo admitidas excepcionalmente outras licenciaturas ou pós-graduação em áreas como administração e gestão escolar.

Já para os professores, a recomendação é exigir a habilitação alinhada com as exigências legais nacionais e locais previstas para cada nível do ensino infantil. As redes devem asseguram a esses profissionais plano de carreira igual ou equivalente aos dos outros trabalhadores da educação. Eles também devem ser selecionados por meio de concurso público, assim como os docentes das demais etapas, aponta o documento.

Nessa mesma linha de tentar profissionalizar o ensino infantil, o novo documento indica que a família deve ser conscientizada sobre os horários de entrada e saída das creches e pré-escolas, e até mesmo responsabilizada por descumprimento, se for o caso. É preciso levar em consideração, diz o documento, que as unidades são "espaços de educação formal com rotina pré-definida".

A diretriz destoa da recomendação anterior, que abria brechas ao estabelecer que "os horários de entrada e saída das crianças são flexíveis, a fim de atender às necessidades de organização das famílias".

Ao contrário da recomendação anterior, que especificava o número de alunos para cada professor, os novos parâmetros remetem a pareceres do Conselho Nacional de Educação que tratam das proporções recomendadas. Segundo a nova versão do documento, muitas legislações e normas foram elaboradas desde 2006, data das diretrizes passadas, o que motivou a atualização do marco dos parâmetros da educação infantil.

'Temos que respeitar todo mundo', diz ministro

O ministro da Educação, Rossieli Soares, disse ao GLOBO que a inclusão de valores democráticos e a manutenção do combate a preconceitos, inclusive contra configurações familiares diversas, no texto dos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil, seguem princípios que regem o país.

— Não é ensinar alguém a ser isso ou aquilo, mas a gente tem que respeitar todo mundo independentemente de qualquer situação. E a democracia é um valor fundamental. A gente pode discutir, concordar, discordar, mas no final das contas a democracia é o valor maior da nossa nação. Entender este processo desde cedo é importante e deve ser valorizado — afirmou Soares.

Anteriormente, em nota, o ministro não havia comentado questões específicas do conteúdo dos novos parâmetros e apontou o documento como parte das "políticas estruturantes" de sua gestão para o ensino infantil. "Que estes parâmetros possam construir e fortalecer as práticas em prol do direito da efetivação de uma educação de qualidade para as crianças de 0 a 5 anos", destacou Soares.

Segundo ele, outra medida recente de fortalecimento da educação infantil foi a mudança nos critérios, congelados há quatro anos, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O ministro sustentou que a alteração proporcionará um aumento de 15% para creches e de 5% para escolas da etapa de tempo parcial.

Soares ressaltou ainda que os professores da educação infantil passarão a ser atendidos, pela primeira vez, pelo Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD). A distribuição anual de obras didáticas e literárias passou a ser obrigatória para estudantes do ensino infantil, explicou o ministro da Educação.