• Malu Echeverria e Renata Menezes
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Eduardo, 35, cuidou da esposa Ana Carina, 33, quando todos só tinham olhos para o bebê. (Foto: -)

Eduardo, 35, cuidou da esposa Ana Carina, 33, quando todos só tinham olhos para o bebê.

“Nasce um bebê no Xingu. Todas as mulheres da oca se mobilizam. A mãe está cercada de cuidados e apoio. Nasce um bebê no sertão das Minas Gerais. A avó, a bisavó, as tias, a prima cercam a mãe de cuidados. Nasce um bebê numa aldeia africana. Numa tribo em Maui. Numa cidadezinha no interior da Tailândia ou da Polônia ou da Inglaterra – a cena se repete. Na favela da Zona Norte, as vizinhas e a tia que mora na laje de cima se encarregam de ajudar. E nas mansões dos Jardins? Não são mais a avó e as vizinhas, mas as duas babás, a enfermeira, a faxineira, o motorista e o segurança.

ASSISTA AO VÍDEO-MANIFESTO DA CAMPANHA:

Nasce um bebê em Copacabana, no apartamento 1104. A avó está trabalhando em tempo integral. O pai só tem cinco dias de licença. A vizinha do 1103 não só não ajuda como sequer conhece a família e ainda reclama do choro noturno. E a empregada diz que só ganha para cuidar da casa. Ajudar à noite, nem pensar. E aí temos esse fascinante fenômeno social: a única mulher do planeta que é deixada para cuidar de um bebê sem nenhuma ajuda é a da classe média, urbana, ocidental. Pior: ela achava que ia conseguir…”

O pediatra Daniel Becker, do site Pediatria Integral, já ouviu essa queixa várias vezes em seu consultório, o que gerou esse famoso texto, que chamou de A armadilha da Mulher Maravilha, compartilhado centenas de vezes em sites e blogs de mães desde sua publicação, em 2014. “Toda vez que toco nesse assunto no consultório, a mãe começa a chorar. É um período de muita sensibilidade na vida da mulher. E muitas vezes, além de estar sozinha, ela é cobrada para ter a casa arrumada, o bebê saudável, estar magra, voltar logo ao trabalho e ainda recebe inúmeros palpites”, diz.

Se você não faz parte desse grupo, agradeça àquelas (ou àquela) pessoas que a acolheram – não apenas no pós-parto como também nos anos seguintes, uma vez que o sentimento pode ir além do puerpério. Talvez você nem tenha se dado conta disso, já que o assunto é pouco falado. As mães, afinal, sempre dão conta de tudo, não é verdade? “Todo mundo acha que o universo infantil é uma questão doméstica, isto é, da família. Você escolheu ter filho, então, o problema é seu. Mas os cuidados com as crianças devem ser compartilhados por todos nós, os que têm e os que não têm filhos, já que o bem-estar delas é o bem-estar de toda a sociedade”, afirma a antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.

No entanto, como diz aquele famoso ditado africano, “é preciso uma aldeia para criar um filho”. Pensando nisso, CRESCER lança neste mês de maio a campanha #acolhaumamãe. A ideia, além de chamar a atenção para o problema, é trocar experiências com pais e mães em busca de soluções. No site e nas redes sociais, vamos mostrar o quanto toda ajuda é bem-vinda. E que ela nem sempre precisa ser elaborada – pode vir na forma de uma conversa, um bolo ou um “vale-night” para quem nem sequer tem tempo de tomar um banho (que dirá sair de casa sem os filhos à noite). 

Se você tem alguma história sobre alguém cuja presença foi fundamental no seu pós-parto e/ou nos primeiros anos de seu filho, faça um depoimento em vídeo ou texto com a hashtag #acolhaumamãe.

Vida moderna

Antes, porém, vamos entender o que está por trás disso. Para a antropóloga Debora, trata-se de um fenômeno cultural. “Na gestação, a mulher é o centro das atenções. Após o parto, no entanto, ela se transforma em uma cuidadora invisível, porque além de ser a única a ser responsabilizada pelo desenvolvimento da criança, recebe pouco suporte do estado para cuidar dessa nova vida – não só pela ausência de creches mas também de políticas públicas nesse sentido. Ainda hoje, por exemplo, a licença-paternidade é de apenas cinco dias e mal se discute a possibilidade de o benefício ser concedido igualmente a pais e mães [como acontece em alguns países da Europa]. Somado a isso, as avós, atualmente, continuam no mercado de trabalho e já não podem mais se dedicar com exclusividade aos netos como antigamente. Da gravidez para o puerpério, então, o horizonte muda. E o resultado é uma experiência solitária”, resume Debora.

Tal cenário não se restringe a grandes centros do Brasil. Na Inglaterra, recentemente, uma empresária criou um aplicativo cujo objetivo é unir novas mães. No Peanut, assim como em apps de namoro, elas podem arrastar a tela para dar “oi” àquelas com as quais têm mais afinidade – não por aparência, claro, mas por vivências em comum. Assim, quem tem dificuldades para amamentar, por exemplo, com a ajuda do algoritmo pode conhecer outras mães que enfrentam o mesmo problema.

A produtora Deborah Di Cianni, 33 anos, mãe de Pedro, de 1 ano e meio, encontrou ajuda “à moda antiga”, sem auxílio da tecnologia, em um grupo de mães que conheceu no consultório do pediatra. “Cerca de dez dias antes de meu filho nascer, houve um rompimento entre meu marido e minha família. Ou seja, eu não podia contar com ninguém depois do parto”, lembra. Logo no primeiro encontro com o grupo, ela percebeu que havia outras mulheres no mesmo barco, com anseios e dúvidas parecidas. “Elas entendiam aquela confusão de sentimentos que eu estava vivendo, ora feliz, ora triste”, diz. Deborah foi a última a se juntar ao grupo e ficou amiga da maioria das 15 participantes, especialmente da enfermeira Thais Rojas, 30. “Como tive dificuldades para amamentar, ela me ajudou muito – não só com isso, mas com coisas simples também. Uma vez me disse ‘vá dar uma volta no parque, eu fico com seu filho’. Ela me deu o colo de que eu precisava”, recorda.

A amizade de Débora, 33, (à dir.) e de Thais, 30, começou em um grupo para pais e mães de bebês (Foto: -)

A amizade de Deborah, 33, (à dir.) e de Thais, 30, começou em um grupo para pais e mães de bebês.

Onde encontrar ajuda

Juntar-se a comunidades de mães, tanto online quanto presenciais, como essa de que Deborah participa, é uma das alternativas para quem se sente só nessa fase. Quem tem pouco tempo ou sai pouco de casa, como as mães de recém-nascidos, pode buscar os grupos virtuais nas redes sociais, por exemplo. Eles estão cada vez mais setorizados, dividindo-se por interesses ou até mesmo cidades e bairros. “Num cenário em que as pessoas vivem isoladas em seus apartamentos, como nas grandes cidades, esses espaços coletivos geram identidade. Ali, as famílias criam vínculos e fortalecem umas às outras”, acredita a parteira Silvia Briani, que faz parte da equipe de dois grupos presenciais na capital paulista, o Mamatoto (para casais grávidos) e o Pediatria Coletiva (para pais de crianças de até 1 ano). Neles, depois de consultas individuais, pais e mães têm oportunidade de conversar sobre assuntos relacionados ao universo da maternagem, todos os meses. “Nessa hora, uma mãe pode expor dúvidas sobre alguma dificuldade que outra já teve e resolveu, e vice-versa, é uma ajuda mútua”, destaca. E a convivência vai além das consultas: as famílias que se conheceram por lá já criaram até bloco de Carnaval. Para Silvia, enquanto se prepara para receber o bebê, aprontando o enxoval, a futura mãe deveria pensar também em saídas para os desafios que virão – entre eles, onde encontrar ajuda e companhia.

O pediatra Daniel Becker concorda. “Para criar um filho é preciso uma aldeia, sim, mas não necessariamente 200 pessoas. Uma já ajuda muito, se for a pessoa certa”, brinca. A da professora de Educação Física Ana Carina Blasques, 33, que é mãe de Matheus, 3 anos, e Isabela, 4 meses, foi o marido, Eduardo, 35. “Passei por um susto grande no dia que voltei para casa com meu filho. Ele engasgou com o leite e até ficou desfalecido, mas chegamos ao hospital a tempo. Depois disso, entretanto, fui invadida por um medo absurdo. Vigiava o bebê dia e noite com medo de ele engasgar. Eu não conseguia comer, dormir, tomar banho... Meu marido tirou férias para dar todo o apoio emocional de que precisei”, lembra Ana Carina. Eduardo revezava com a esposa nas “vigílias” para garantir que sempre houvesse alguém a observar o bebê, tudo para aliviar a angústia da mãe de primeira viagem. A mãe de Ana Carina também se juntou à família para dar uma força nos afazeres domésticos.

Ainda que o pós-parto seja um momento íntimo, privacidade e isolamento são coisas diferentes, vale ressaltar. “Se você quer acolher uma mãe, a pergunta certa é: ‘Do que você está precisando agora?’”, ensina Becker. Claro que ela vai precisar de uma rede de apoio para cuidar da casa e do bebê, mas ter um tempinho para si também é essencial. No começo, para tomar um banho mais demorado ou espiar as redes sociais. Mais adiante, para retomar seus outros papéis aos poucos, como o de esposa, amiga, profissional…

Depois de um grande susto com o bebê, Eduardo deu todo apoio emocional à Ana Carina. (Foto: -)

Depois de um grande susto com o bebê, Eduardo deu todo apoio emocional à Ana Carina.

Por que deixar a capa cair

Tudo isso só vai acontecer se a mãe estiver disposta a pedir e a receber ajuda. Isso mesmo. “Existe uma idealização do que é ser mãe. A mulher acha que para ser considerada boa na função tem de dar conta de tudo por si só. E acaba, assim, se colocando em um lugar solitário”, explica a psicóloga Maiana Rappaport, da Casa Moara (SP). Ela acredita que, como a sociedade valoriza a autonomia, pedir ajuda é visto, por nós mesmas, como fraqueza. Está na hora de deixar a capa de super-heroína de lado, não?

Um pouco desse comportamento vem mesmo da falta de referência, segundo a psicóloga, já que muitas das mães de hoje não mais se espelham nas próprias mães. No entanto, ela ressalta que o que permeia esse sentimento de abandono e isolamento é o machismo nosso de cada dia. “A mulher fica sobrecarregada porque acha que é mesmo função dela criar o filho e que homem é ‘tudo igual’, o que acontece em diferentes classes sociais”, diz Maiana. Por isso, mesmo com o companheiro ou familiares ao lado, muitas continuam se sentindo sozinhas, como lembra a designer e ilustradora Thaiz Leão, do blog Mãe Solo e colunista da CRESCER. “O que define essa solidão não é nosso estado civil, não é nossa quantidade de amigos, e sim as expectativas que estão sobre nossos ombros”, acredita.

Mas não precisa ser assim. Nós podemos – e devemos – criar uma corrente do bem para ajudarmos umas às outras e, principalmente, mostrar a todos que a criação dos filhos não é, por natureza, obrigação só das mães. “Como muitas vezes é difícil observar por si só a necessidade de mudar de atitude, a troca com outras mulheres é um bom começo”, diz Debora, da UnB.

O pediatra Daniel Becker conclui a reflexão do texto do início desta reportagem com uma metáfora inusitada. Para ele, a família é comparada a um átomo. Ao centro, existe um núcleo formado pelo próton e pelo nêutron, que representam a mãe e o bebê. Ao redor, circulam os elétrons – que podem ser o pai, a avó, a vizinha. São eles que aliviam a tensão e equilibram a energia. #acolhaumamãe

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Acompanhada, mas sozinha

Thaiz Leão, designer e ilustradora, do blog Mãe Solo

“Ouço muitas reclamações sobre a solidão de ser mãe, mesmo entre as mães casadas. Isso acontece porque o que define essa solidão não é o nosso estado civil, não é a nossa quantidade de amigos, e sim as expectativas que estão sobre nossos ombros.

Em casos estatisticamente muito raros, há um laboratório social da reinvenção dos papéis parentais, de fato. Fora desses ambientes, porém, a idealização sobre as mães ainda justifica a alienação da mulher pela pouca ou nenhuma divisão de tarefas.

Espera-se que toda mãe desempenhe um papel, para mim, desproporcional à sua capacidade humana. O de ser uma supermãe todo santo dia: a que controla tudo, sabe tudo, se responsabiliza por tudo e, claro, que recebe a conta da culpa por tudo. Com nada mais do que um tapinha no ombro e um ‘é assim mesmo’ para consolar.

Essa responsabilização cria barreiras reais na vida das mães, porque desempenhar a função de heroína é um trabalho de 24 horas por dia, sete dias por semana. Pela minha experiência, posso dizer que a solidão é democrática, ou seja, independe da classe social. O que muda é a construção social que a mulher tem à sua volta para sobreviver a ela.

Por isso, acredito que o real desafio da maternidade hoje não é apenas superar a solidão, é lutar contra a negligência que está por trás de nosso exílio.”

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Ajuda que vem de fora

Juliana Malacarne

Resumir o que significa ser mãe em 2018 não é uma tarefa fácil, mas o filme Tully (Diamond Films), que chega aos cinemas neste mês, aceitou o desafio. O longa segue a trajetória da sobrecarregada Marlo, vivida por Charlize Theron, em sua busca pela realização pessoal enquanto cuida dos três filhos, uma menina, um garoto com necessidades especiais e um bebê recém-nascido. A protagonista, que tem um marido pouco colaborativo, vive à beira de um ataque de nervos. Mas sua vida muda quando aceita contratar uma babá para ajudá-la durante a noite, a jovem e prestativa Tully. Escrito por Diablo Cody, ganhadora do Oscar por Juno, o roteiro promete fazer um retrato realista da maternidade sem perder o bom humor. Mas os detalhes da relação entre Tully e Marlo, só assistindo para saber (veja o trailer abaixo).

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