Rio

Centenas de famílias são removidas de antigo prédio do IBGE na Mangueira

Edifício será demolido no próximo dia 13, para dar lugar a condomínio Minha Casa, Minha Vida
Prefeitura retira invasores do antigo prédio do IBGE, na Mangueira Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Prefeitura retira invasores do antigo prédio do IBGE, na Mangueira Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO - Centenas de famílias que ocupam há cerca de duas décadas o antigo edifício do IBGE na Mangueira, na Zona Norte da cidade, estão sendo removidas do prédio nesta sexta-feira. Guardas municipais e policiais militares chegaram ao local por volta das 6h30m para garantir a segurança dos agentes da prefeitura durante a remoção. O Batalhão de Choque e o Batalhão de Ação com Cães apoiaram a ação. Na noite anterior, os moradores foram avisados sobre a desocupação. Embora tenha se formado um clima de tensão diante da chegada dos policiais, não houve nenhum confronto.

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O edifício será demiolido no próximo dia 13 para dar lugar a um condomínio do programa Minha Casa, Minha Vida serão. Os apartamentos serão destinados a famílias com renda de até R$ 1.800. Caberá à prefeitura selecionar as famílias que serão beneficiadas pelo programa habitacional. O tempo de construção é de aproximadamente um ano e meio. Os custos e a escolha das empresas que farão a obra são de responsabilidade da Caixa Econômica Federal.

A remoção começou a ser negociada há dois meses. De acordo com moradores, cerca de 600 famílias habitam o local. Já a prefeitura fala em menos de 300. Desse total, 210 pessoas foram cadastradas para receber o Aluguel Social. Na semana passada, as famílias cadastradas receberam o adiantamento do primeiro aluguel social, no valor de R$ 400. Nesta manhã, cerca de 30 pessoas ainda aguardavam pendências burocráticas para receber o benefício.

Nascida e criada na Mangueira, Cristiane Silva, de 36, morou durante toda a infância e juventude em um apartamento alugado no alto do morro. Ela se mudou para a ocupação há sete anos, quando perdeu o emprego de vendedora de chip de celular. Hoje, Cristiane faz bicos para sustentar os dois filhos Thaissa, de 9, e Caio, de 16.

— Os vizinhos viraram minha família, vivemos muitas coisas juntos. A gente acaba se acostumando. É triste ter que sair assim, mas espero que eles cumpram a promessa — diz Cristiane, que foi cadastrada no Aluguel Social mas ainda está com o benefício pendente por problemas de documentação.

Já Pamela Cristina Vieira, de 17 anos, não conseguiu se cadastrar. Ela chegou ao local há 12 anos, trazida pela avó, mas hoje mora sozinha com um bebê. No caso dela, o impedimento foi a idade. Para receber o benefício, ela precisaria fazer a emancipação. A jovem, no entanto, teve dificuldade de entender o motivo de não receber o benefício.

— Foi tudo muito rápido. Vieram aqui um dia e no dia seguinte já fizeram o cadastro. Muita gente ficou de fora — reclama ela.

Segundo agentes da prefeitura, uma equipe se dedicou durante duas semanas a identificar e cadastrar os moradores, mas muitas pessoas que não habitavam o local apareceram nos últimos dias para tentar receber o Aluguel Social. Além dos habitantes fixos, o local era usado, segundo relatos, para o consumo de drogas.

— O cadastro das famílias foi feito in loco. Não foi uma única visita. Há dois meses, nossas equipes estão vindo ao local, fotografando as famílias e anotando seus dados. Pelo que soube, hoje, algumas pessoas estão dizendo que também eram moradores. Isso é natural. Em qualquer remoção o número tende a crescer. Esses casos vão ser estudados — diz Nilton Cadeira, subsecretário de Habitação.

Presidente da associação de moradores da Mangueira, Washington Fortunato, de 58 anos, acompanhou a negociação da remoção. De acordo com ele, o acordo foi fruto de um trabalho feito em conjunto com os presidentes das associações de outras comunidades que também passarão por processe semelhantes: Jacarezinho, Faz Quem Quer, Irajá, Tuiti, Borel e Arará.

— Havia uma antiga promessa do PAC 2 de construir essa habitação aqui. Conseguimos nos mobilizar e, agora, finalmente a comunidade terá o que merece. Não podemos ser abandonados pel poder público — diz.

Segundo Fortunato, outros três espaços situados ao longo da Avenida Visconde de Niteroi vão receber unidades do Minha Casa, Minha Vida. Ao todo, serão construídos mil apartamentos do programa habitacional na Mangueira.

CONDIÇÕES PRECÁRIAS

A energia elétrica vem através de um fio conectado direto no poste da rua. A água é trazida em baldes das casas vizinhas do morro, que contam com água encanada. O poço do elevador virou um esgoto a céu aberto, onde são descartadas as fezes, urinas e restos de comida. Esse era o ambiente em que habitavam centenas de família no antigo prédio do IBGE.

No quarto andar, um lençol branco faz as vezes de porta para o apartamento de Rayane Gomes, de 19 anos. Ela chegou ao local há dez anos e viveu ali mais da metade da vida. Antes, já havia morado em uma ocupação na Lapa. Depois, chegou a morar com os pais em um apartamento alugado, em Japeri. Mas a condição financeira voltou a apertar e então, a família foi para o prédio na Mangueira. Hoje, Rayane mora lá sozinha, com a filha de 3 anos.

— É como uma grande família. Tem umas brigas, de vez em quando, mas todos se ajudam — diz a cuidadora de idosos, que está faltando o trabalho desde terça-feira para juntar a documentação que lhe dará direito a receber o aluguel social.

Desocupado pelo IBGE desde 2002, o prédio foi repassado pela União ao município do Rio em dezembro de 2011. No contrato de cessão de uso da propriedade, a prefeitura deveria administrá-lo, responsabilizando-se pela conservação do imóvel. Urbanistas e arquitetos chegaram a formular pelo menos dois projetos para a utilização do edifício. Um dos projetos sugeria transformar o local em um centro para atividades culturais de ensino em parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A outra ideia era usar o terreno para construir uma grande esplanada, abrindo o visual da Mangueira e fazendo uma passarela para o outro lado da avenida.

O economista e ambientalista Sérgio Besserman Vianna foi presidente do IBGE de 1999 a 2003, quando foi feita a transferência  para a União.

— Além da transferência final para a União, conseguimos, junto ao Ministério da Cultura, viabilizar a cessão de uma ala lateral para a construção do Centro Cultural Cartola (também conhecido como Museu do Samba, que funciona até hoje no local) — conta Besserman, que avalia a decisão de construir um condomínio popular no terreno: — O melhor uso para aquela área é o uso que a comunidade, de uma forma efetivamente democrática e representativa, achar adequado.