Rio

Mãe abandona carro na Linha Amarela e foge de tiroteio com filho de 3 anos

Letícia Gama, professora de balé e ex-dançarina do Domingão do Faustão, diz que vai embora para os Estados Unidos com a família
Letícia Gama: 'Está impraticável viver no Rio de Janeiro' Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Letícia Gama: 'Está impraticável viver no Rio de Janeiro' Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO - Era uma manhã tensa no Rio de Janeiro, mas, como sempre, ela cumpria seu papel de mãe levando o filho de 3 anos para a escola, da Barra da Tijuca até Jacarepaguá. Enquanto ouvia pelo rádio notícias sobre a morte de um policial militar durante um assalto e a interdição de uma importante via, a Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá, por conta de uma operação policial no Lins, a professora de balé clássico e fisioterapeuta Letícia Gama, de 33 anos, ex-dançarina do programa Domingão do Faustão, sofreu as consequências da violência. Um tiroteio na Cidade de Deus entre PMs e bandidos fez com que ela e muitos outros motoristas saíssem dos seus carros e buscassem refúgio atrás de muretas da Linha Amarela, que foi interditada. Mas Letícia fez mais. Em pânico pela presença do filho, pediu ajuda ao marido por telefone e abandonou o veículo na pista. Depois, levou o menino para a casa da avó e desabafou: "Vamos embora desse país".

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Letícia foi uma dos três motoristas que deixaram para trás seus carros na Linha Amarela com medo dos intensos tiroteios que aconteceram na manhã desta quinta-feira. As pistas chegaram a ser reabertas com o fim dos confrontos, mas foram fechadas novamente, reabertas e fechadas outra vez já que a PM decidiu aguardar o reboque dos veículos. Havia receio de que um acidente pudesse causar vítimas e interromper o tráfego por mais tempo do que o que levaria o reboque dos carros.

— A gente já estava com um projeto de ir embora do país desde o ano passado. Nunca tinha ocorrido nada parecido com isso. Hoje foi um ultimato. A gente vai embora com certeza porque a gente quer viver em paz com nosso filho. Podendo ir e vir, levá-lo para a escola. A cidade está muito violenta. A gente vai para os Estados Unidos até o fim do ano ou o início do ano que vem. Agora, mais certeza do que nunca. Antes era um projeto, mas depois de hoje. Está impraticável viver no Rio de Janeiro — desabafou Letícia.

Letícia Gama, professora de balé e ex-dançarina do Domingão do Faustão, diz que vai embora para os Estados Unidos com a família
Letícia Gama, professora de balé e ex-dançarina do Domingão do Faustão, diz que vai embora para os Estados Unidos com a família

Antes de tocar o projeto em frente, no entanto, ela já sabe o que vai fazer: tirar a filho da escola em Jacarepaguá para não precisar passar novamente pela Linha Amarela.

— Estava ouvindo na hora (em que a Linha Amarela foi interditada) o fechamento da Grajaú-Jacarepaguá. Eu acho isso um absurdo. Eu vou ter que tirar o meu filho do colégio. Não quero mais levá-lo lá nesse trajeto. Moramos na Barra. Ou eu vou por esta via (Estrada do Gabinal), que também estava interditada, ou por aqui pela Linha Amarela. Ou seja, nesse colégio meu filho não fica mais.

Ela contou ter sentido alívio pelo fato de o filho não ter percebido o que realmente estava acontecendo. Segundo ela, o garoto achou que eram fogos de artifício.

— Eu estava levando meu filho para a escola de manhã e começou o tiroteio e todo mundo saiu do carro. Entrei em pânico, agarrei ele, a gente se jogou no chão e aí imediatamente liguei para o meu marido. Ele veio de moto e pegou a gente e abandonei o carro lá. Ouvi muitos tiros. Pela inocência do meu filho, de 3 anos, ele até falou: "ah, mamãe, está tendo fogos"! Isso até me acalmou um pouco porque eu não estava querendo que ele visse a situação em que a gente estava. Eu estava chorando, estava todo mundo muito em pânico. Todo mundo se jogando no chão. Foi até uma coisa positiva ele não ter percebido o que realmente estava acontecendo.

Letícia contou que ela e o garoto devem ter ficado juntos com dezenas de outras pessoas deitadas ou sentadas no asfalto da Linha Amarela por cerca de 20 minutos até seu marido aparecer de motocicleta e resgatá-los.

— Não fiquei no carro em momento algum. A partir do momento em que vi todo mundo saindo (de seus carros), arranquei ele (o filho) do veículo e a gente se jogou no chão. Nessas horas, a gente não pensa em bem material nenhum. Larguei e fui levá-lo à casa da minha mãe. Vim buscar agora.