Rio

Moradores criticam pintura de imóveis feita pela Prefeitura na Rocinha

Crivella chamou imagem das casas da comunidade de ‘feinha’

Pintura da fachada de imóveis na Rocinha que ficam na Autoestrada Lagoa Barra; antes coloridas, prédios começam a ter cores neutras
Foto: Márcia Foletto
Pintura da fachada de imóveis na Rocinha que ficam na Autoestrada Lagoa Barra; antes coloridas, prédios começam a ter cores neutras Foto: Márcia Foletto

RIO - A prefeitura começou a dar uma pincelada de beleza na fachada dos imóveis da Rocinha que ficam em frente à Autoestrada Lagoa-Barra. A iniciativa já havia gerado muitas críticas de moradores, diante dos muitos problemas internos da comunidade que são considerados prioridades pela população.

A pintura de 150 prédios nas cores cinza e bege começou, segundo a Secretaria municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação (SMUIH), no dia 18 de março, e as obras vão durar seis meses. O prefeito Marcelo Crivella havia dito, em entrevista ao Rocinha em Alerta, uma página no Facebook sobre notícias local, que o próposito seria melhorar a imagem da comunidade, que estava “feinha”.

— A ideia é que, quando passem pela Lagoa-Barra (Autoestrada), as pessoas olhem para cá e tenham ideia de uma comunidade arrumada, bonita, de um povo trabalhador. Hoje, ela está muito feinha. Então, nós vamos mudar tudo — disse Crivella a um repórter da comunidade.

Ontem, a tinta ainda estava fresca em várias fachadas, mas uma rápida caminhada pela comunidade foi o suficiente para se ter noção da falta de infraestrutura. Na pracinha da Vila Verde, por exemplo, um valão de esgoto, usado pela população também para depositar lixo, causa enormes transtornos em dias de chuva. Ele transborda, levando todo o sedimento a inundar a própria pracinha e arredores. O valão fica exatamente atrás da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Rocinha, tornando a área insalubre.

Mais adiante, também na Vila Verde, o esgoto misturado com lixo virou uma cachoeira que corre por entre casas e desemboca na Praia de São Conrado in natura . Quando chove, a rua onde fica o Ciep Doutor Bento Rubião alaga por completo.

Edu Carvalho, de 20 anos, estudante de jornalismo que luta por melhorias nas condições de vida na comunidade, é um dos mais críticos à ideia.

— A favela é sempre vista como o lugar onde falta tudo. E você vê o prefeito dizer que a solução é resolver a fachada da favela. Soa a ingenuidade. A população carece de tudo, a começar por saneamento básico, água, luz e sinalização — comentou Edu Carvalho.

O vice-presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Alexandre Pereira, também criticou a iniciativa.

— É palhaçada! O único lugar da Rocinha que não precisa de ajuda do poder público é aquele. É a classe A da comunidade. Já solicitamos inúmeras reuniões e não conseguimos. Na época das eleições eles vêm aqui. Queremos serviços distribuídos de forma igualitária, mas o que o prefeito quer é fazer marketing. E está dando um tiro no pé — acusou Pereira.

Na época da declaração do prefeito, integrantes do faveladarocinha.com, um site de notícias do local, fizeram uma edição crítica sobre a entrevista.

“Senhor prefeito, (..). se acha que as marquises das casas em frente à passarela estão feias, imagine atrás delas? Precisamos de saneamento básico. As pessoas aqui estão expostas ao esgoto. Há falta d'água na Rocinha todo dia (...). Queremos que olhem para a Rocinha como os moradores dela. Não como aqueles que passam pela autoestrada. Chega de maquiagem! Uma mão de tinta não é a solução!”

Em nota, a prefeitura informou que as obras terão um custo de R$ 1,2 milhão e que o trabalho começou pelos prédios que ficam próximos à localidade conhecida como Valão, perto da saída do Túnel Zuzu Angel. Diz ainda que também investiu em intervenções no interior da comunidade. "Na programação de ações da Prefeitura do Rio na Rocinha, destaque para as obras da GEO-RIO com o objetivo de eliminar riscos em encostas situadas nas áreas da Dioneia e do Laboriaux, com instalação de 'cortinas ancoradas' nestes trechos, canaletas de drenagem pluvial e revestimento de aludes com concreto projetado. As obras terminaram em meados de abril com recursos de cerca de R$ 4 milhões", diz um trecho da declaração da Secretaria municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação (SMUIH)

A prefeitura também citou obras a cargo da RioUrbe. "Em outra frente de trabalho na Rocinha, estão obras a cargo da RIOURBE, órgão vinculado a SMUIH para reforma total das escolas municipais André Urani e Francisco de Paulo Brito, e na creche municipal Castelinho e no CIEP Bento Rubião. Os trabalhos foram finalizados no dia 10 de abril. Os investimentos nas recuperações foram de R$ 3 milhões".

Além disso, diz a nota da SMUIH, o órgão "está com programa de recuperação de fachadas de moradias alvejada por tiros dentro da comunidade da Rocinha, que será iniciado em maio". A declaração segue informando que a secretaria está "identificando casas sem janelas, o que propicia a incidência de tuberculose". Segundo o órgão, "mais de 700 famílias foram cadastradas numa ação conjunta da Subsecretaria de Habitação com a secretaria de Saúde. Essas residências começam em maio a receber obras para abertura de janelas e basculantes para circulação de ar". Por fim, a subsecretária de Habitação diz que "também planeja indicar dois terrenos para instalar unidades do Minha Casa Minha Vida para moradores deixarem áreas de risco e ocuparem unidades habitacionais legalizadas e bem estruturadas. Isso ainda é estudado pela subsecretaria de Habitação para implementação definitiva em 2019".