Opinião

Livre manifestação dentro do limite

A comunicação de acusações, de seus limites e provas, portanto, é uma obrigação do MP, pois é na qualidade de defensor da sociedade que o procurador ou promotor age

O Ministério Público não foi feito para agradar. Acusar, sua principal função, é por natureza pouco simpática. Afinal, quem gosta de acusadores? Sempre me lembro de Cordeiro Guerra, ministro do STF e promotor de Justiça de origem, que jocosamente dizia que, em filmes, o promotor de Justiça era sempre o personagem antipático, o vilão que buscava a condenação de um inocente com o objetivo de ficar ao final com a mocinha. Brincadeiras à parte, ser membro do Ministério Público não é buscar holofotes para si, não é ser simpático, mas sempre defender no Judiciário, mas também perante toda a população, os direitos da sociedade violados. Acusar, enfim, é defender os direitos das vítimas. Dessa forma, explicar para todos, população e mídia, as acusações realizadas é dever do Ministério Público.

Essa orientação norteou toda nossa atuação durante a Operação Lava-Jato. Demonstrou-se aos brasileiros nestes quase quatro anos ser possível desenvolver com sucesso uma investigação de crimes do colarinho branco no país, mesmo com todas as dificuldades que são opostas por leis arcaicas e por uma visão conservadora que insiste, mesmo que nem sempre conscientemente, em acreditar que a política é assim mesmo, e que a governabilidade do país exige que se use dinheiro público para “comprar” apoio no Congresso.

E um dos pilares desse sucesso é justamente a política de comunicação da Lava-Jato, baseada no princípio de que o sigilo em crimes de corrupção e afins somente se justifica em caso de sua necessidade para as investigações. Parte-se de dois princípios: o primeiro é de que o povo tem o direito de saber o que é feito com o dinheiro público; o segundo, de que agentes públicos ou políticos possuem um direito à privacidade mitigado. Quanto a este último, significa dizer que a função pública exige transparência pessoal em um nível superior às pessoas comuns. Não é por outro motivo que o salário dos servidores públicos está acessível a todos na internet, por exemplo.

A comunicação de acusações, de seus limites e provas, portanto, é uma obrigação do Ministério Público, pois é na qualidade de defensor da sociedade que o procurador ou promotor age. Mas o que dizer das manifestações de membros do Ministério Público sobre assuntos gerais, inclusive políticos, de interesse de todo cidadão? A resposta está implícita na pergunta. Não é a qualidade de procurador da República que restringe seus direitos da cidadania, inclusive e especialmente o de livre manifestação do pensamento. Enfim, membros do Ministério Público não são castrados em sua cidadania.

Existem restrições, obviamente, mas elas estão claras na lei e sempre decorrem das suas importantes funções. Ou seja, o membro do Ministério Público não pode exercer política partidária, bem como deve tratar a todos com respeito e urbanidade. Salvo essas restrições, interpretadas limitadamente, pois devem ser confrontadas com direitos individuais garantidos constitucionalmente, são os promotores e procuradores livres em suas manifestações de pensamento, não se podendo lhes impor qualquer censura prévia ou proibição.

Em resumo, nós do Ministério Público podemos, como qualquer cidadão, manifestar nosso pensamento sobre os grandes temas nacionais e o destino de nosso país. Desde que isso não signifique apontar escolhas de políticos e partidos, nada há que censurar. Dessa forma, apontar, por exemplo, a necessidade de que as escolhas nas próximas eleições sejam dirigidas para aqueles que se comprometam com a solução dos problemas do país, sem indicação de político ou partido, é insindicável direito da cidadania e uma verdade indiscutível.

Carlos Fernando dos Santos Lima é procurador regional da República e integrante da força-tarefa da Lava-Jato