Rio

Após buscas, grupo encontra amigo perdido em Cracolândia

Ex-colegas conseguiram convencer dependente a iniciar tratamento no Rio
Carlos Eduardo Albuquerque Maranhão e antigos colegas do Santo Inácio: descoberto em cracolândia de São Paulo Foto: Reprodução
Carlos Eduardo Albuquerque Maranhão e antigos colegas do Santo Inácio: descoberto em cracolândia de São Paulo Foto: Reprodução

RIO - A história de um ex-aluno do Colégio Santo Inácio, em Botafogo, que mergulhou nas drogas e acabou vagando na região da Cracolândia em São Paulo, ganhou mais um capítulo surpreendente. O enredo, que começou pela internet, teve novos desdobramentos graças às redes sociais. Antigos colegas de Carlos Eduardo Albuquerque Maranhão — também conhecido como Sarda, porque tinha o corpo coberto de pintas, ou Jesus, porque era cabeludo — conseguiram localizá-lo e o convenceram a vir para o Rio, onde ele dará início a um tratamento contra a dependência química. Uma foto do reencontro, feita na capital paulistana e obtida pelo GLOBO, já circula em grupos fechados de troca de mensagens através de aplicativo de celular.

Os contemporâneos de Carlos Eduardo, depois de o reconhecerem num vídeo em que ele fazia críticas à política de repressão ao crack do prefeito João Doria, buscavam por ele de todas as formas, comovidos com o rumo que tomou a vida do rapaz inteligente e contestador, de mente inquieta, que os apresentou ao rock. Para saber como se aproximar de Sarda, os ex-colegas chegaram a consultar um especialista em dependência química para descobrir qual seria a melhor abordagem. Mas nem foi preciso muito esforço. Para surpresa de todos, Sarda aceitou logo ajuda. O tratamento deverá ser feito numa clínica em Araras, na Região Serrana do Rio.

Ontem, na última vez que Carlos Eduardo, hoje com 46 anos, foi visto pela equipe do GLOBO, ele estava bastante alterado. Dizia que estava passando mal, e pedia R$ 10 para comprar heroína na Cracolândia. Ao longo de seu envolvimento com as drogas, que começou aos 16 anos, Sarda, que chegou a cursar alguns períodos de uma faculdade de direito, tentou se tratar algumas vezes, mas sem sucesso.

Filho de uma família que morava na Zona Sul do Rio, Carlos Eduardo expôs o drama de dependentes químicos, com o agravante de que boa parte não dispõe de recursos para internação ou tratamento psiquiátrico. No estado do Rio, os serviços voltados para a dependência química, que historicamente sempre enfrentaram problemas, hoje naufragam com a crise financeira do governo estadual. Unidade de referência, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) reduziu os atendimentos em 80%.

Há cerca de um ano, quando a crise financeira no estado se agravou, o núcleo, aberto de segunda a sexta-feira, passou a receber usuários de drogas somente duas vezes por semana. A redução de horário levou também à diminuição no número de atendimentos: antes, eram realizados cerca de cem por semana. Agora, são apenas vinte. De acordo com a diretora do Nepad, Ivone Ponczek, a falta de recursos básicos não permite um funcionamento adequado:

— No momento, estamos completamente desprovidos. O atendimento deveria ser feito com uma equipe interdisciplinar, com psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta e psiquiatra. Porém, estamos com uma atendimento precário , apenas com psicólogo e estagiários.

Do total de pessoas que recebem cuidados no Nepad, pelo menos 70% têm envolvimento com o crack, droga que, segundo especialistas, é facilmente absorvida pelo organismo e, por isso, provoca efeitos avassaladores. O psiquiatra Jairo Bouer chama atenção para o poder que o crack tem de causar a dependência logo nas primeiras vezes em que é usado.

— O crack é um derivado da cocaína, que já tem um poder de adição muito alto. A pedra, então, tem um poder muito mais elevado. Basta um ou dois usos de crack para a pessoa ficar fissurada.

Ainda que o poder de destruição da droga seja alto, é possível tratar os usuários. Segundo Bouer, as etapa são difíceis: depois da fase de abstinência, o paciente pode ter alucinações e até apresentar comportamento agressivo.

— Num primeiro momento, precisa de uma abordagem clínica, psiquiatra com auxílio de medicamento, suporte de internação nas fases mais agudas. Nesses casos, leva-se em média dois anos para a superação do vício. Em casos mais leves, o uso de medicamentos, com apoio psicológico, é suficiente para controlar os efeitos da abstinência, que é vencida em oito meses de tratamento. Mas, claro, todos tem chance de recaída, por isso, é preciso um cuidado com acompanhamento constante.

A diretora do Nepad concorda que é preciso muito esforço para vencer a dependência:

— É uma droga que tira a pessoa de casa, o usuário abandona a família, se larga. Eles precisam de assistência, intervenções, politicas públicas, atendimento médico e odontológico. O crack é muito lesivo, e o estado não oferece nada disso — lamenta Ivone.