Rio

Favelas com UPP são pontos turísticos da vez

Aumento no número de visitantes em algumas comunidades leva moradores a se organizarem para recebê-los
Turistas estrangeiros filmam a paisagem no entorno da Laje do Carlinhos, na entrada da Rua 1, na Rocinha
Foto: Márcia Foletto / O Globo
Turistas estrangeiros filmam a paisagem no entorno da Laje do Carlinhos, na entrada da Rua 1, na Rocinha Foto: Márcia Foletto / O Globo

RIO - Seja pela curiosidade de como vivem seus moradores ou pela vista estonteante de cima dos morros, as favelas se consolidaram como importante destino turístico, principalmente no roteiro dos visitantes estrangeiros. Nos anos 90, inúmeros jipes passaram a circular pela Rocinha lotados de turistas. Nos últimos anos, com a pacificação, os destinos se diversificaram. Comunidades como o Dona Marta, em Botafogo, e Chapéu Mangueira e Babilônia, no Leme, despertam para o potencial de geração de trabalho e renda dessa atividade e oferecem atrativos, que vão desde uma bela paisagem vista de uma laje até a receita para fisgar o turista pelo estômago: feijoada e caipirinha.

— Muita, muita caipirinha — ressalta Vitor Hugo Medina, guia do Chapéu Tour e dono do hostel Favela Inn, opção de hospedagem no Chapéu Mangueira.

Morador da comunidade, Vitor abriu seu albergue em novembro de 2010, após a pacificação da comunidade. Com 18 vagas, costuma ficar lotado na alta temporada, que vai do réveillon até depois do carnaval. A dica para investir no turismo veio de um cliente da sua barraca de praia.

— Um freguês que trabalha numa agência me disse que o turismo de comunidade ia crescer. Isso há uns sete anos. Começamos então a fazer as visitas guiadas. Levamos os turistas a restaurantes e lanchonetes, para todos ganharem um pouco — explica Vítor.

Ele costuma ainda fechar a laje do hostel para grupos, com feijoada e roda de samba. O cardápio é o mesmo na comunidade vizinha, na laje de César Zerbinato, próximo à sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Percebendo o aumento na procura, o morador está fazendo obras em sua casa na Babilônia, para oferecer banheiro com ducha aos visitantes.

O ecoturismo é um dos pontos fortes na comunidade. Com um guia, grupos sobem em meio às casas, até chegar ao topo do morro, todo reflorestado ao longo dos últimos 15 anos. No caminho, os visitantes conhecem casas de pau a pique. O condutor Jair Coelho Agenor explica que essas moradias devem ser demolidas pelo governo, por estarem em área de proteção ambiental:

— A comunidade nasceu de cima para baixo. Por isso, as casas do topo são as mais antigas. Estamos tentando manter pelo menos uma delas, mesmo que vazia, para que os turistas possam conhecer como um dia foi toda a favela.

Lá do alto, a vista alcança a Baía de Guanabara de um lado, com a Ponte Rio-Niterói ao fundo, e a Praia de Copacabana de outro, em meio a folhagens. Na descida, muitos param no premiado Bar do Davi, uma alternativa às lajes. O restaurante serve comida caseira a preços convidativos e sabor que lhe valeu reconhecimento em alguns concursos de gastronomia, como o da revista Rio Show do GLOBO. A pacificação rendeu a David Bispo mais clientes, mas não a formalização:

— Disseram que eu seria o primeiro a ganhar alvará, mas até agora não consegui o documento. Quero trabalhar dentro da lei, até para dar mais conforto aos meus clientes — diz David.

O Dona Marta, em Botafogo, também recepciona bem os turistas. Há guias locais, que levam os grupos até a parte alta do morro pelo plano inclinado e depois descem pelos becos mostrando atrativos, como a Laje de Michael Jackson. Em 1996, o rei do pop gravou ali o clipe da música "They don´t care about us". O local ganhou estátua do cantor e painel de Romero Britto.

É lá também que acontecem as aulas de pipa para os estrangeiros, nas quais crianças ensinam os turistas a construírem o brinquedo e empiná-lo. Há ainda outras atividades criativas, como o jogo de futebol com os moradores da comunidade. Se a ideia é comer feijoada ao som de samba ou pagode, o Lajão Cultural, com telhado retrátil, é uma opção.

— Também organizamos aulas de samba no pé — conta Thiago Firmino, dono do Lajão Cultural e guia na comunidade.

Para quem gosta de aventura, há a trilha para o Mirante Dona Marta e o paintball, a última novidade na favela. As armas de verdade saíram de cena e a guerra virou brincadeira.

Ocupados, mas ainda sem UPP, o Complexo do Alemão e a Rocinha começam a formar seus guias locais. Entre os atrativos turísticos que ainda não foram descobertos na favela de São Conrado, estão duas cachoeiras: uma no Labouriaux e outra na Dioneia. Após dias de chuva, a água se torna mais intensa e os poços atraentes. Nos últimos anos, porém, as quedas d'água deixaram de ser frequentadas até mesmo pelos moradores, porque ficam no meio do mato, local que era usado como esconderijo por traficantes.

Com vista para a Lagoa, as praias do Leblon e de Ipanema e o Cristo Redentor, o Visual, no Labouriaux, é mais um ponto que não pode ficar fora do roteiro turístico. O Bar da Vera garante a cerveja gelada e o petisco para quem admira a bela paisagem. Vista bonita é o que não falta na Rocinha. Que o diga Carlinhos Baiano, que mora na favela há mais de 30 anos e recebe turistas em sua laje por R$ 3. De lá, da esquina da Rua 1 com a Estrada da Gávea, a vista é para a Praia de São Conrado.

Turistas também param na barraca de Raquel Freitas, na Estrada da Gávea, que vende quadros retratando a favela. Custam de R$ 10 a R$ 150. A artista está preocupada com a possibilidade de ter que deixar o local:

— Vieram pessoas da prefeitura dizendo que teríamos que sair. Vendo há 10 anos aqui. Poderiam criar um espaço próprio para que a gente pudesse expor nossos produtos.

Trilha por onde traficantes fugiram vira atração

Na Rocinha, ainda são poucos os guias locais. A maior parte das visitas é feita por empresas de fora da comunidade. No Alemão, os moradores também aproveitam pouco os frutos do turismo, segundo os guias Ricardo Wagner e Marcelo Louven. Eles tentam desenvolver um roteiro que misture as atrações do complexo com as igrejas e quadras de escolas de samba do entorno.

— Após a ocupação, muitos turistas vieram ao Alemão, mas após confrontos a procura diminuiu — diz Ricardo.

Entre as atrações da comunidade, estão a trilha por onde fugiram os traficantes na ocupação da Vila Cruzeiro, a vista do alto da Matinha e a Praça do Conhecimento, obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Nova Brasília, em fase de finalização. O espaço, todo reformado, ganhará um centro comercial com lojas e um prédio com oficinas de audiovisual.

Atualmente, os turistas optam por andar de teleférico para ver a comunidade do alto. O casal de paranaenses Maurizio e Andreza Lima fizeram o passeio na quinta-feira. Não pretendiam circular pela favela, por receio. Mas o vento forte paralisou o teleférico, obrigando-os a saltar.

— Acabamos perdendo o medo e tivemos contato com algumas pessoas do Alemão. Valeu a pena, até pela aventura. Vamos ter muitas histórias para contar — disse Andreza.

Estrangeiros querem ver até a pobreza

A maioria dos turistas que visitam favelas no Rio é estrangeira e nem sabe do processo de pacificação de comunidades. Eles querem ver a pobreza e, muitas vezes, até a violência, que assistiram em filmes como "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite". Essas são algumas das conclusões da pesquisa "Turismo em comunidades pacificadas", da Fundação Getúlio Vargas, encomendada pelo Ministério do Turismo. Os resultados serão lançados até o fim deste mês.

— No exterior, o Brasil é visto como uma mistura de futebol, mulata, carnaval e favela. O pacote que envolve as comunidades sempre girou em torno da pobreza e violência. Mesmo nos morros ocupados, a presença da polícia e da arma é muito evidente. Não é como circular por Copacabana. Existe um reforço até por parte das agências de turismo de que existe algo diferente nessas comunidades, para o bem e para o mal. Estereótipos da favela como berço do samba e do funk, com uma cultura própria em relação à cidade, são reforçados — avalia a antropóloga Bianca Freire-Medeiros, coordenadora da pesquisa e autora do livro "Gringo na Laje: Produção, circulação e consumo da favela turística".

Segundo a pesquisa, que ouviu 400 turistas no Dona Marta e 900 no Aeroporto Internacional do Galeão, a maioria dos visitantes que vai a favelas é da Europa (42,2%). Entre os pontos altos da visita, os destaques ficaram com o conhecimento da arquitetura da favela (citado por 55,9% dos entrevistados), a vista da cidade (41,1%), o conhecimento de projetos sociais (34,9%) e a interação com os moradores (27,5%).