Por BBC


A rainha africana que liderou resistência aos portugueses em Angola — Foto: BBC

Para uns, ela foi uma guerreira valente e inteligente. Já para outros, foi uma mulher cruel capaz de acabar com a vida de seu irmão para tomar o poder.

Qualquer que seja a opinião, o consenso é de que a rainha Njinga de Angola permanece até hoje como símbolo do anticolonialismo e da resistência aos portugueses em Angola.

Seu nome batiza de ruas a escolas pelo país. Já seu rosto estampa a moeda de 20 kwanzas. Também inspirou filmes, livros e fez parte de uma série de publicações de ilustrações da Unesco sobre mulheres africanas históricas.

Njinga Mbandi era líder do povo mbundu e rainha de Ndongo e Matamba, no sudoeste da África.

Seu verdadeiro título em kimbundu, a língua local, era 'Ngola'. E esse termo era precisamente o que os portugueses utilizavam para designar a região tal como a conhecemos hoje: Angola.

Quando foi negociar paz com autoridade portuguesa, Njinga sentou-se sobre as costas de sua criada para falar com ele em pé de igualdade — Foto: BBC

Essa nova denominação passou a ser usada a partir de 1575, quando os soldados de Portugal invadiram o Ndongo em busca de ouro e prata.

Quando não encontraram as minas que procuravam, decidiram mudar sua estratégia e começaram a capturar escravos para garantir mão de obra no Brasil, sua então nova colônia.

Nascida oito anos após a invasão, Njinga integrou a resistência contra os portugueses junto com seu pai, o rei Ngola Mbandi Kiluanji, desde que era muito jovem.

Quando Ngola morreu, em 1617, um de seus outros filhos, Ngola Mbandi, assumiu o poder. No entanto, ele não tinha o carisma de seu pai ou a inteligência de sua irmã Njinga.

Temendo um levante popular em favor de Njinga, Ngola Mbandi ordenou a execução do filho único de sua irmã.

Mas quando ele se viu incapaz de lidar com os europeus, que estavam ganhando terreno e causando mais baixas entre a população local, Mbandi acabou aceitando a sugestão de seus conselheiros mais próximos.

O rei cedeu e delegou o poder à irmã, grande estrategista e capaz de falar português graças à educação recebida pelos missionários, para negociar com Portugal e assinar um acordo de paz.

Quando Njinga chegou a Luanda para iniciar as conversações, encontrou uma cidade povoada por pessoas negras, brancas e mestiças que nunca tinha visto antes. Mas essa não foi a imagem que mais a surpreendeu.

Escravos enfileirados eram vendidos e enfiados em grandes navios. Em apenas alguns anos, Luanda tornou-se um dos maiores pontos de venda e distribuição de escravos em toda a África.

Quando foi ao palácio do governador português João Correia de Sousa para iniciar as tratativas de paz, Njinga estrelou uma cena carregada de simbolismo que mais tarde foi amplamente destacada pelos registros históricos.

Ela notou que, enquanto os portugueses estavam sentados em poltronas confortáveis, não havia para ela nada mais do que um tapete no chão.

Sem falar uma palavra sequer e com apenas um olhar, uma de suas criadas se ajoelhou e reclinou-se à frente do governador. Njinga sentou-se em suas costas, ficando na mesma altura do que a autoridade portuguesa.

Era sua maneira clara e direta de expressar que ela não se considerava inferior.

História de Njinga serve para "contradizer discurso de submissão da mulher africana", segundo diretor da Biblioteca Nacional de Angola, João Pedro Lourenço — Foto: Unesco

Depois de árduas negociações, os dois lados concordaram com a retirada das tropas portuguesas do Ndongo e com o reconhecimento de sua soberania. Em troca, o território seria aberto aos portugueses para criar rotas comerciais.

Numa tentativa de melhorar as relações com Portugal, Njinga até aceitou a conversão ao cristianismo e foi batizada Ana De Souza. Ela tinha então 40 anos de idade.

Mas as relações cordiais não duraram muito e os confrontos recomeçaram.

Em 1624, seu irmão se recolheu a uma pequena ilha onde morreu em circunstâncias estranhas. Não se sabe se ele cometeu suicídio ou se foi envenanado por Njinga como vingança pelo assassinato de seu filho.

A única certeza é que, apesar da oposição de Portugal e de parte de seu próprio povo, Njinga fez algo impensável na época: tornou-se a nova rainha do Ndongo.

"Njinga Mbande serve como exemplo para contrariar o discurso de submissão das mulheres africanas ao longo do tempo", disse João Pedro Lourença, diretor da Biblioteca Nacional de Angola, à BBC.

Considerada uma personalidade única na história da África, Njinga é uma figura eminente e reconhecida na Angola até hoje — Foto: Marcos González Dias

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