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No STF, Celso de Mello vota para que homofobia e transfobia sejam equiparadas a crime de racismo

Ministro também declarou omissão do Congresso Nacional para legislar sobre o tema
Ministro Celso de Mello é relator dos processos que pedem a criminalização da homofobia e a transfobia Foto: Jorge William / Agência O Globo
Ministro Celso de Mello é relator dos processos que pedem a criminalização da homofobia e a transfobia Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA – O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira para que as práticas de homofobia e da transfobia sejam equiparadas ao crime de racismo. Se a posição do decano da Corte sair vencedora, quem ofender, agredir ou discriminar gays ou transgêneros estará sujeito a punição de um a três anos de prisão. Assim como no caso de racismo, o crime seria inafiançável e imprescritível.

No voto, o ministro também declarou a omissão do Congresso Nacional para legislar sobre o assunto. A equiparação ao crime de racismo teria validade até os parlamentares aprovarem norma específica sobre homofobia e transfobia. Não há prazo específico para o Congresso tomar uma providência. A sessão de quinta-feira começará com o voto do outro relator do caso, ministro Edson Fachin. Na sequência, os outros nove ministros do tribunal vão se manifestar.

Celso de Mello lembrou de um julgamento ocorrido no STF em 2003, quando o plenário manteve condenação ao editor Siegfried Ellwanger por crime de racismo, por publicar livros com conteúdo antissemita. Embora alguns ministros tenham defendido, na época, que judeus não são uma raça, o entendimento vencedor foi o de que a discriminação a um grupo específico de pessoas é equiparável ao racismo social, que pressupõe a intolerância a minorias.

— A homofobia representa uma forma contemporânea de racismo — disse o decano. — A aversão a integrantes do grupo LGBT, um grupo vulnerável, constitui a manifestação cruel, ofensiva e intolerante do racismo, por representarem sua outra face, o racismo social.

O ministro também defendeu o direito de homossexuais e transexuais à “proteção das leis e do sistema jurídico instituído pela Constituição da República, sendo arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que, por ação ou omissão, exclua, descrimine, fomente a intolerância, desiguale as pessoas e estimule desrespeito em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”.

Celso de Mello defendeu o papel do STF na defesa de minorias:

— O direito das minorias deve compor a agenda desta Corte Suprema, incumbida de zelar pela supremacia da Constituição e pelos direitos de grupos minoritários — declarou, concluindo: _ Esta Corte Suprema não se curva a pressões advindas de grupos majoritários destinadas a grupos vulneráveis.

Ainda no voto, o ministro disse que, nos últimos 30 anos, o STF tomou decisões no sentido de suprir a “inconstitucionalidade omissão legislativa” em vários casos. Ele citou como exemplo o julgamento que deu prazo de um ano para o Congresso legislar sobre o direito de greve pelo servidor público.

As ações, que são de autoria do PPS e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), pedem que a homofobia e a transfobia sejam equiparados ao crime de racismo, por se enquadrar no conceito de discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais, protegidos pela Constituição Federal. As entidades alegam que, como o Congresso Nacional não legislou sobre o assunto, caberia ao STF disciplinar sobre o tema.

A maioria dos ministros tende a considerar as práticas criminosas. No entanto, há a possibilidade de algum ministro pedir vista. Seria uma forma de não desestabilizar a relação entre Judiciário, Executivo e Legislativo logo no início do mandato de Jair Bolsonaro.

Homofobia é um tema polêmico na relação entre os Poderes. O Congresso resiste a legislar sobre o tema há anos. A nova legislatura, inaugurada no dia 1º, ainda não teve oportunidade de tratar do assunto. É também um assunto delicado na relação com o presidente da República. Em discurso, ele já disse que preferiria ver um filho morto do que assumindo eventual homossexualidade.

No STF, a tradição recente é a defesa dos direitos das minorias. Foi com essa visão que, em maio de 2011, a corte reconheceu as uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Com isso, relações homossexuais ganharam os mesmos direitos da união estável heterossexual, prevista no Código Civil. Por analogia, os gays podem pleitear pensão em caso de morte ou separação do companheiro, partilha de bens e herança. Não por acaso, há duas semanas foi instalado no corredor do STF que dá acesso ao plenário uma exposição contando a história desse julgamento.

Essa é a terceira sessão de julgamento do assunto. O primeiro dia foi na última quarta-feira, quando se manifestaram o advogado-geral da União, André Mendonça, e o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia. Os dois estavam em campos opostos. O assunto espinhoso para o governo foi palco para a estreia de Mendonça na tribuna do STF. Ele argumentou que, embora a discriminação seja condenável, a atribuição de legislar sobre o assunto é do Congresso Nacional.

Mendonça lembrou que já existem crimes para punir práticas contra homossexuais e transgêneros – como homicídio, lesão corporal e crimes contra a honra. Ainda segundo o advogado, o crime cometido porque a vítima é gay ou transgênero pode servir de agravante para o juiz aumentar a pena ao agressor. Mendonça também rebateu o argumento de que o Congresso Nacional foi omisso em relação à causa.

Luciano Mariz Maia, por sua vez, fez um duro discurso pela punição da homofobia e da transfobia. Ele falou da cultura de violência contra negros, pobres, homossexuais e transgêneros no Brasil e da jurisprudência do STF a favor de minorias. Entre os advogados da causa que fizeram sustentação oral no plenário, estavam presentes representantes de religiosos e de grupos de defesa de gays e transgêneros.