RIO e SÃO PAULO — A economia brasileira se recupera a passos lentos e com fragilidades. Pelo segundo ano consecutivo pós-recessão, o Produto Interno Bruto (PIB) teve alta de apenas 1,1% em 2018, informou o IBGE ontem. Numa lista de 42 países, o desempenho deixa o Brasil na 40ª posição. As previsões para este ano apontam para alta de 2,2%, desde que a reforma da Previdência seja aprovada, fator considerado imprescindível para retirar o país da estagnação. Sem as mudanças nas aposentadorias, analistas veem risco de o crescimento minguar. Qualquer solavanco, tanto no cenário externo como doméstico, pode fazer o PIB recuar.
A economia brasileira está produzindo hoje o mesmo que em 2012. Segundo Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, o PIB ainda está 5,1% abaixo do seu pico, atingido no primeiro trimestre de 2014. Quando se considera o PIB per capita, que é o PIB dividido pela população e serve como indicador de bem-estar, o Brasil ainda está 9% abaixo do patamar do primeiro trimestre de 2014, de acordo com as contas do economista-chefe para América Latinado Goldman Sachs, Alberto Ramos.
— Há dois grandes riscos para a economia em 2019. O maior deles é a reforma da Previdência ser desidratada no Congresso. Se não for aprovada de forma a fazer ao menos 70% da economia prevista, vai azedar o mercado. A outra é um aumento da volatilidade externa, afastando investimentos estrangeiros do Brasil — diz Silvia Matos, economista do Ibre/FGV, que prevê alta de 2,1% do PIB este ano.
Expectativas frustradas
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, se a reforma não passar, o país voltaria à recessão no já no segundo semestre deste ano. Segundo Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria Integrada, há 30% de chances de o texto não passar no Congresso.
Em 2018, indústria e investimentos voltaram a crescer. E os dois componentes de maior peso no PIB, os serviços e o consumo das famílias, aceleraram sua recuperação. O primeiro teve alta de 1,3%, frente ao 0,5% de 2017, e o segundo, de 1,9%, em relação ao 1,4% do ano anterior. São esses mesmos setores que devem continuar ajudando a economia a crescer este ano.
O cenário no início de 2018 era diferente. Havia a expectativa de crescimento de 2,7%. Mas a greve dos caminhoneiros, o cenário eleitoral mais turbulento do que o esperado e um cenário externo adverso para mercados emergentes, como o Brasil, minaram uma expansão maior da economia.
Na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), em 2018 houve uma acomodação da economia em nível baixo: 1,1% na primeira metade do ano e 1,2% na segundo semestre.
O esforço para crescer na casa de 2% em 2019 não será pequeno. Em 2018, a economia brasileira teve expansão média de 0,3% por trimestre. Este ano, precisa dobrar a performance para alcançar os 2,1% projetados pela Silvia, da FGV.
Flavio Serrano, economista sênior do banco Haitong, avalia que o baixo crescimento deve conter a expansão no primeiro semestre:
— O efeito de carregamento (o quanto o crescimento do ano anterior influencia o do ano corrente)para 2019 vai ser só de 0,4%. Para crescer perto de 2%, que não é um resultado espetacular, vamos ter que ralar muito.
O resultado de 2018 repetiu o desempenho de 2017, porém, para que haja uma expansão maior neste ano, ponderam os analistas, é importante que a tramitação da reforma da Previdência seja ágil e que a aprovação aconteça ainda este ano.
— O avanço da reforma da Previdência é um componente importante para que a economia cresça em 2019 — ponderou Artur Passos, economista do Itaú Unibanco. — A reforma é importante de forma generalizada, para todos os componentes do PIB. Por exemplo, com o governo diminuindo o déficit, abre-se mais espaço para que investimentos sejam feitos. A aprovação da reforma deve garantir um crescimento mais sustentado para o país.
Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC, diz que as amarras que impedem que o PIB cresça mais fortemente estão ligadas às incertezas por parte dos investidores:
— Não é possível que a recuperação da economia esteja lenta somente por causa da questão fiscal. Boa parte dessas amarras têm a ver com um cenário generalizado de incertezas.
O economista diz que a indústria vai sofrer com a redução da extração de minério da Vale, depois da tragédia de Brumadinho:
— Certamente, terá reflexo na indústria do primeiro trimestre deste ano. Em relação ao resultado anual, talvez o reflexo negativo não seja tão significativo.
Demanda interna avançou
O crescimento veio pelo demanda interna. Não fosse o setor externo, que voltou a contribuir negativamente para o PIB, o Brasil poderia ter crescido 1,6% em 2018, segundo Rebeca, do IBGE. As exportações cresceram 4,1%, prejudicadas pela recessão Argentina, principal compradora de automóveis do Brasil, e pela safra menor de grãos. Em 2017, as vendas externas tinham crescido 5,2%.
O crescimento brasileiro ficou na lanterna entre 42 países. Só foi maior que a expansão do Japão (0,8%) e o da Itália (0,7%), de acordo com o levantamento feito pela agência de classificação de risco Austin Rating.
O economista-chefe da agência, Alex Agostini, observa que o Brasil ficou atrás até mesmo de países que tiveram crises econômicas recentes, como Portugal, que cresceu 2,1% no ano passado, e Espanha, que teve expansão de 2,5% do PIB em 2018.
— Precisamos investir muito mais para reduzir o contingente de 12 milhões de desempregados. Há um problema sério de confiança na economia que leva a esse investimento baixo — diz Agostini.
De fato, o consumo das famílias ganhou fôlego em 2018, com uma alta de 1,9%. O desempenho ainda é insuficiente diante das perdas acumuladas na recessão, mas representou avanço em relação ao resultado de 2017, quando havia avançado 1,4%. Segundo o IBGE, as bases desta expansão foram o crescimento da massa salarial, ainda que puxada pela geração de vagas informais, e a expansão de 6,7% das operações de crédito para pessoas físicas, além de inflação e juros baixos. Economistas avaliam que o crescimento do consumo das famílias não é muito robusto, mas tem chance de expansão mais significativa este ano.
— O consumo das famílias está muito atrelado a dois indicadores: mercado de trabalho e crédito. Em relação ao primeiro, o reingresso dos trabalhadores no mercado tem sido pela porta da informalidade, demonstrando certa fragilidade. E o segundo, embora a Selic esteja baixa, a taxa de juros real ainda estava muito alta no ano passado — diz Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados.
De fato, a informalidade tem sido a maneira que muitos brasileiros têm encontrado para manter o padrão de vida e conservar alguns hábitos de consumo, mesmo que em escala menor.
Consumo reprimido
A autônoma Sonia Amodei, de 58 anos, vende doces na porta de uma escola na região central do Rio. Ela conta que sua situação financeira ainda não voltou aos níveis anteriores à crise econômica. Entretanto, pontua que o pior já passou:
— A gente vai apertando o orçamento, né? — diz. — Com um bom controle financeiro, não tem como a situação ficar na pior. Se eu ganho R$ 100, me organizo para gastar R$ 50, por exemplo.
Um outro ponto que explica a melhora no consumo das famílias em 2018 é o consumo reprimido, conforme classifica Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil.
— Esta melhora está ancorada em um consumo que estava reprimido; no mercado de trabalho, mesmo que com foco na informalidade; e na confiança do consumidor.
Este ano, o Ibre/FGV projeta que o consumo das famílias avance 2,5%.
Alessandra Ribeiro, economista da consultoria Tendências, ressalta que os motores da alta neste ano devem ser os mesmos que impulsionaram o consumo em 2018: retomada mais consistente do mercado de trabalho, associada com a melhora da renda dos trabalhadores e do crédito para pessoa física.
Com a colaboração de Johanns Eller
Indústria volta a crescer
O PIB da indústria, mesmo depois de quatro anos seguidos de queda, só avançou 0,6% em 2018, expansão insuficiente para recuperar as perdas desse setor que já respondeu por quase 29% da economia em 2006 e agora retrocedeu para 21,6%. O avanço, modesto, foi puxado pela indústria de transformação, que teve sua segunda expansão consecutiva, de 1,3%, impulsionada pela fabricação de veículos, papel e celulose, remédios, produtos metalúrgicos e máquinas e equipamentos.
Analistas esperam um desempenho melhor este ano, perto de 2%. Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria Integrada, diz que a expansão poderia chegar a 3%, não fosse a quase paralisação da Vale em Minas Gerais, depois da tragédia em Brumadinho.
A indústria ainda pode amargar a decisão da Ford de fechar uma fábrica no ABC e a crise na Argentina, que tem afetado diretamente as exportações do setor automobilístico.
Outro grupo a segurar o crescimento da indústria é a construção civil, que está recuando há cinco anos seguidos. No ano passado, regrediu 2,5%, taxa inferior aos 7,5% de 2017, mas ainda em queda. Rebeca Palis, coordenadora das Contas Nacionais do IBGE, destacou o impacto negativo da crise fiscal das três esferas administrativas no resultado da construção:
— A construção cai há cinco anos seguidos. Um dos motivos é a paralisação dos investimentos em infraestrutura, principalmente por parte do governo, em suas três esferas. Os três níveis de governo estão tendo de cortar gastos, e o pedaço que mais sofre durante períodos de crise fiscal é o investimento em infraestrutura.
O desempenho ruim da construção também afetou o investimento. Apesar de ter voltado a crescer em 2018, 4,1%, depois de quatro anos seguidos de queda, a alta poderia ter sido maior sem a crise da construção — que responde por 47% do investimento.
Plataformas ajudaram
A alta de 4,1% no ano foi puxada pela expansão da produção interna e importação de máquinas e equipamentos. Quase metade dessa expansão, no entanto, não é real, explica Silvia Matos, economista do Ibre/FGV. Foi gerada por uma mudança no regime tributário das petroleiras, que permitiu que plataformas antigas passassem a contar, de uma vez só, como investimentos, em vez de exportação.
— Temos um ciclo de quatro anos de queda. Isso é um reflexo de uma série de fatores, desde a crise na infraestrutura, a Lava-Jato e a crise fiscal. Há também todo o cenário de conjuntura política que contribuiu para o adiamento dos investimentos — explica Ana Castelo, coordenadora de projetos da Construção do Ibre/FGV.
A alta de 4,1% ainda está longe de recuperar as perdas dos quatro anos anteriores, que ultrapassam os 30%. Para ilustrar o tamanho da perda, a taxa de investimento, que representa o quanto do PIB é destinado a aumentar a capacidade produtiva do país, foi de 15,8% em 2018, permanecendo em um de seus níveis históricos mais baixos, muito aquém do seu pico, registrado entre 2010 e 2013, de 20,7% em média. Para 2019, as previsões são de expansão próxima à de 2018, entre 4% e 5%, com a construção saindo do campo negativo.
— Há uma sinalização do governo quanto a criar uma agenda de infraestrutura e, com isso, atrair o investidor privado, mas precisamos que essa agenda efetivamente exista e passe a transformar o ambiente de negócios para que esses investimentos venham. E se isso acontecer, pensando no ciclo da construção, não vai ser em 2019 que esses investimentos virão a se concretizar — afirma Ana.
Nova fábrica
Há empresários que não estão esperando a reforma da Previdência para tocar seus investimentos. A MWM, subsidiária do grupo americano Navistar, que fabrica motores a diesel, inaugurou esta semana uma nova unidade para produzir geradores de energia. A aposta é que, com a economia melhorando, a demanda por energia também vai crescer.
O investimento para a produção dos geradores é de R$ 20 milhões e estão sendo criados mil empregos em toda a cadeia de produção, incluindo fornecedores e equipe de vendas. A nova fábrica, na Zona Sul de São Paulo, já começou a operar com várias encomendas e tem capacidade para produzir até 4 mil geradores/ano.
A expectativa é que sejam fabricadas 600 unidades. Para 2020, a MWM planeja dobrar a produção para 1.200, além de 200 unidades que serão exportadas para mercados em que a empresa já atua, como Colômbia, Chile, Equador e Paraguai, na América Latina, além de outros 45 países.
—Inauguramos a fábrica com encomendas porque existe carência de geradores no mercado — diz Thomas Puschel, diretor da unidade de Negócios e Marketing.
Com a colaboração de Bárbara Nóbrega