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Esportes Copa 2018

Análise: Repertório, notícia tão boa para o Brasil quanto a vaga

Willian e Coutinho não se limitaram ao jogo pelos lados na vitória sobre o México

Brasileiros comemoram gol da seleção contra o México. Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Brasileiros comemoram gol da seleção contra o México. Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

MOSCOU - É possível definir em uma palavra a vitória do Brasil sobre o México: repertório. Mais do que a vaga nas quartas de final, a grande notícia do dia foi ver a seleção apresentar novas armas nesta Copa. Algumas delas, um resgate dos melhores momentos do time de Tite nas eliminatórias; outras, movimentos novos neste ciclo recente com o treinador. Ao migrar do  4-1-4-1 para o 4-4-2, a seleção desatou um jogo que começou perigoso.

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Mas fez mais: o novo sistema viu Neymar à vontade, como um elemento livre no ataque, o que é uma mensagem ameaçadora para os futuros  rivais. E se é fato que houve passagens do jogo com o México que merecem alguma preocupação, o que se viu passados os primeiros 25 minutos foi uma ótima atuação. Digna de um dos favoritos ao título. E já não restam tantos.

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É verdade que, se o início do jogo assustou, do outro lado havia um México a todo risco: tamanha intensidade  era insustentável por muito tempo no calor de Samara. O México pressionou a saída de bola brasileira, e ganhava o meio-campo com Guardado e o excelente Hector Herrera. Casemiro à frente da zaga, ótimo nas coberturas, fazia o possível, mas sobravam rivais entre o meio-campo e a defesa do Brasil. Outra vez, um time muito físico e intenso ao pressionar criou problemas. E Tite pode ter apresentado uma alternativa.

Antes mesmo que a tempestade passasse, surgiu uma nova seleção. Especialmente ao defender, Paulinho passou a ficar mais próximo de Casemiro, com Willian na direita e Coutinho à esquerda, a segunda linha de quatro homens do 4-4-2. E o principal efeito: Neymar se liberou para circular mais no ataque, junto com Jesus. Foi ainda mais influente nos metros finais de campo, onde ele é decisivo e o Brasil, fortíssimo. E marcá-lo passou a ser ainda mais complicado. O jogo mudou sem que um só nome fosse modificado.

Começaram a aparecer virtudes desta seleção. Primeiro, ficou mais segura no jogo e recuperou bolas com mais facilidade. Mas a principal qualidade foi a imprevisibilidade. E não apenas por causa de Neymar. Os dois "pontas", Willian e Coutinho, não se limitaram ao jogo pelos lados. Com liberdade de movimentos, criaram opções de passe perto da área do México, e o Brasil foi menos engessado ao atacar.

O primeiro gol é um exemplo primoroso. Neymar se movimenta na entrada da área mexicana trazendo a bola da esquerda para o centro. É perseguido pelo lateral Alvarez e atrai a atenção de toda a defesa. Willian deixa o setor direito e passa por trás de  Neymar, em sentido contrário, chegando ao lado esquerdo. Ao receber, vê que Neymar já infiltrou na área, e o chute cruzado encontra a finalização do atacante. A jogada mudou três vezes de direção, difícil conter.

O Brasil que começou a Copa com seus pontas mais fixos, em especial Willian, venceu os mexicanos através da mobilidade. Um traço de repertório, mais adaptado ao jogo de aproximações e toques curtos que caracteriza esta seleção. E que fez o meia do Chelsea ter, de longe, sua melhor atuação no Mundial. Um despertar.

Numa Copa que apresenta armadilha aos "times grandes", há um aspecto nada desprezível. A seleção brasileira parece, hoje, um time mais adaptado ao contexto do Mundial. É verdade que andou tendo dificuldades contra defesas fechadas, como a da Costa Rica. Sofreu, como tantas outras favoritas, mas teve recursos para vencer jogos deste tipo. Ocorre que o Brasil mostra não ser dependente de mergulhar campo rival adentro e jogar com posses longas. Sabe cruzar o campo em velocidade quando o adversário ousa se adiantar. Tem o que se chama modernamente de transições, porque seus atacantes são técnicos e rápidos. E a Copa das defesas fechadas pede times assim. Um certo hibridismo, uma polivalência.

Os números mostram: o Brasil teve só 46% de posse de bola contra 54% do México e trocou 40 passes a menos do que o oponente. Mas finalizou 21 vezes e concedeu apenas 13 chutes. A seleção criou muito, embora o talento de seu ataque permita definir jogos em poucos arremates.

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Mas nem tudo é perfeição. Não é possível desprezar a bola por longos tempos. E houve instantes em que, mesmo com a vantagem, a seleção permitiu que o jogo ocorresse por muito tempo perto de sua área. Há jogadores com capacidade de lidar com tal pressão. O que fizeram Casemiro, Miranda e, principalmente, Thiago Silva foi notável. É a tal força nas áreas que carateriza o Brasil. Mas não há jogo totalmente controlado com as ações se desenrolando perto de seu gol. E vale citar que, após se ver em desvantagem, o México fez alterações, mudou o marcador de Neymar e chegou a ter a bola: mas jamais encontrou sentido de marcação novamente. E ao dar espaços, deu aos atacantes brasileiros o que os alimenta: o primeiro desarme de Fernandinho após entrar resultou no passe para Neymar contra um México todo avançado. Gol de Firmino.

Há outras vulnerabilidades na seleção, claro. Além da dificuldade de sair da pressão inicial, a marcação pelos lados, em especial o esquerdo, ainda merece atenção. No 4-4-2, Casemiro ficou mais próximo para cobrir.

Mas é natural que Coutinho, o homem mais aberto à esquerda, nem sempre consiga acompanhar o lateral adversário. Questão de característica. O que torna ainda mais elogiável o trabalho dos defensores e de Casemiro, pela capacidade de contornar alguns desacertos. Mas, não por acaso, Tite chegou a colocar Gabriel Jesus para marcar pelo lado e fez Coutinho formar dupla ofensiva com Neymar, liberando os dois de esforços defensivos.

E por falar em Jesus, sua forma técnica não parece a melhor. Mas é compreensível a relutância de Tite em tirá-lo: da pressão na  saída de bola rival ao desprendimento de retornar às origens e fechar o lado esquerdo, sua disposição para o trabalho tem enorme valor. É a tal versatilidade, o tal repertório, marca da vitória de uma seleção que vai encorpando enquanto a Copa avança. É uma das favoritas, e já não restam tantas.