Política

Odebrecht detalha propina para alto comando do poder no Peru

Ex-presidente Toledo negociou pagamento em reunião no Rio de Janeiro, dizem delatores
O ex-presidente peruano Ollanta Humala Foto: GUADALUPE PARDO / REUTERS
O ex-presidente peruano Ollanta Humala Foto: GUADALUPE PARDO / REUTERS

Se a política peruana fosse um jogo de boliche, a delação de executivos da Odebrecht poderia, sem exageros, ser comparada a um strike . A imagem resume bem o efeito do que ocorreu no país vizinho desde dezembro de 2016, quando a gigantesca colaboração foi assinada. Foram, em maior ou menor grau, envolvidos na Lava-Jato o atual presidente, Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, sua vice, Mercedes Arioza, os ex-presidentes Ollanta Humala e Alejandro Toledo, e a candidata a presidente derrotada Keiko Fujimori.

O GLOBO teve acesso a trechos inéditos e até hoje sigilosos da delação de Marcelo Odebrecht e também a anexos sobre o Peru dos executivos Luiz Mameri, Jorge Barata, Luis Alberto Weyll, Rircardo Boleiro e Rogério de Araújo, todos direta ou indiretamente ligados à operação ilegal da empresa no país vizinho.

Humala, atualmente no presídio Barbadillo, em Lima, pode não ser o único a ser preso. Os delatores entregam detalhes de um enredo de pagamentos de caixa dois feitos pelo Setor de Operações Estruturadas semelhante ao de seus adversários políticos, hoje também sob investigação. O caso com mais detalhes, entretanto, envolve bem mais do que caixa dois.

O ex-presidente Alejandro Toledo, hoje foragido nos Estados Unidos, já tem uma ordem de prisão expedida em decorrência da Lava-Jato, sob a acusação de ter negociado propina numa reunião no Rio de Janeiro. Os delatores afirmam que, em contrapartida por criar condições que permitissem a empresa ganhar a licitação da rodovia Interoceânica, que ligaria o Brasil ao Oceano Pacífico, Toledo recebeu de suborno US$ 20 milhões entre 2006 e 2008.

A propina teria sido depositada em contas de empresas do grupo empresarial Josef Maiman, um dos principais financiadores da campanha de Toledo.

Na delação, há ainda relatos de pagamentos de propina para que a Odebrecht conquistasse, além de dois trechos da Interoceânica, a linha um do metrô de Lima, o trecho no estado Callao da estrada Vía Costa Verde, uma estrada em Cusco, na região dos Andes, e outra no estrado Carhuaz.

DEPOIMENTO DE MARCELO ODEBRECHT

Contra Keiko Fujimori, a primogênita do ex-presidente e ditador Alberto Fujimori, o mais robusto dentre os documentos a que o GLOBO teve acesso é o depoimento de Marcelo Odebrecht de maio passado. Ele fala explicitamente que doou em caixa dois para Keiko, que encarna o discurso de defesa da ética na política. Pelo Twitter, ela negou a acusação: “Eu não conheço o senhor Marcelo Odebrecht".

Em depoimento, Odebrecht ainda revelou que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, preso pela Lava-Jato e negociando um acordo de delação, teria tido papel decisivo em pagamentos ilícitos ao ex-presidente Ollanta Humala.

“Todos grandes candidatos esperavam de certa maneira que nós doássemos. A atuação do Antonio Palocci foi decisiva para doarmos para o Ollanta Humala, mas todos esperavam”, afirmou Marcelo Odebrecht em seu depoimento de maio.

Se a versão peruana da Lava-Jato avançar, o atual presidente, PPK, e sua vice, Mercedes Arraoz, também podem ter problemas. Contra ela, paira a acusação de ter recebido caixa dois na campanha presidencial de 2011 — o que ela nega.

Já PPK vive em meio ao fantasma da Interoceânica, a mesma que pode levar Toledo à cadeia. O atual presidente era ministro da Economia no governo Toledo, que tinha na rodovia uma de suas maiores peças de propaganda. Embora a quebra do sigilo bancário de PPK não tenha apontado nenhum recurso vindo das construtoras brasileiras, uma investigação da Justiça peruana ainda apura se PPK beneficiou a Odebrecht. O presidente nega as acusações.