Quem acompanha os humores dos dois lados do Canal da Mancha deve ter notado uma curiosa troca de papéis. Os franceses, famosos pelo pessimismo cínico, trocaram o pensamento apocalíptico de escritores como Michel Houellebecq por um bom humor esperançoso digno da personagem Amélie Poulain. O pessimismo parece ter atravessado o Canal da Mancha e se instalado na Inglaterra. Conhecidos por seu estoico otimismo, os ingleses vêm enfrentando tantas más notícias que tem sido difícil obedecer a seu histórico lema da Segunda Guerra Mundial: “Keep calm and carry on” (“Mantenha a calma e siga adiante”). O fenômeno é recente. Até o ano passado, o pessimismo francês seguia inabalável: uma pesquisa do instituto Ipsos em 25 países mostrava que 88% dos franceses acreditavam que seu país estava indo na direção errada – a maior percentagem registrada. Entre os ingleses o índice era de 55% – baixo para os padrões europeus.
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A situação econômica e os indicadores sociais dos dois países não mudaram significativamente nos últimos meses. O que mudou foram as expectativas depositadas nos líderes políticos dos dois países. Os ingleses ainda não sabem como o país sairá da União Europeia. Em vez de respostas, a primeira-ministra, Theresa May, oferece hesitação. Do outro lado do canal, os franceses se renderam ao discurso otimista do jovem presidente Emmanuel Macron, que derrotou a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen.
Com uma plataforma liberal que promete reunir “o melhor da esquerda, o melhor da direita e o melhor do centro”, Macron chegou à Presidência posicionando-se como uma alternativa aos partidos tradicionais. Apesar de ter sido ministro da Economia no governo de François Hollande, Macron nunca havia se candidatado a um cargo público antes de vencer a eleição presidencial. O mesmo vale para a maioria dos candidatos de seu movimento, A República em Marcha. Seguindo uma tendência mundial de apoiar candidatos surgidos fora da política tradicional (Donald Trump talvez seja o melhor e o pior exemplo disso), os franceses abraçaram o movimento. Macron tornou-se presidente com mais de 66% dos votos no segundo turno, e os candidatos do En Marche! conquistaram 308 dos 577 assentos do Parlamento. “A França precisava dessa mudança. Os políticos de carreira não estavam levando a lugar nenhum”, diz a aposentada Renata Poutot, eleitora de Macron. “Nosso presidente foi eleito há apenas sete semanas e já mudou a imagem do país.” “Estou muito otimista”, diz o empresário Antoine Dufour. “Macron pensa na economia com realismo, nos livrou do risco do populismo e ajuda a projetar a França para o mundo.”
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Embora ainda haja dúvidas à esquerda e à direita sobre a capacidade de Macron executar todas as mudanças propostas por seu programa de governo, é inegável que havia muito tempo um presidente francês não recebia um apoio tão entusiasmado. “Ele está rodeado por pessoas competentes”, diz Renata. “Eu tenho 65 anos e vivo com e 850 por mês. Sei que alguns aspectos de seu programa não me beneficiarão, mas acredito que o presidente vai agir pelo bem de todos.”
É evidente o contraste entre Macron e a primeira-ministra britânica, Theresa May, cuja liderança confusa é ao menos parcialmente responsável pelo clima pesado na ilha. Encarregada de negociar as condições da saída do Reino Unido da União Europeia, May evita revelar sua visão para o futuro do país. “Brexit significa Brexit”, dizia ela, enigmática, após o referendo. A postura não mudou muito desde então. Questionada se o país romperia totalmente os acordos comerciais com a União Europeia ou manteria muitas das regulações atuais, May tornou-se motivo de piadas na internet. “Quero um Brexit vermelho, branco e azul”, disse ela no fim do ano passado, listando as cores da bandeira em vez de oferecer uma resposta.
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Com uma maioria apertada no Parlamento, May convocou eleições-relâmpago, na expectativa de ganhar mais apoio nas negociações para o Brexit. Em vez disso, May viu sua maioria diminuir ainda mais. Para manter-se no poder, recorreu a uma impopular aliança com o ultraconservador Partido Unionista Democrático, da Irlanda do Norte. Os britânicos continuam sem conhecer os planos de May para o Brexit. A primeira-ministra chegará desmoralizada à mesa de negociações. A indecisão de May na política externa é acompanhada de críticas à política interna. Após os atentados em Manchester e em Londres, foi revelado que ao menos dois dos terroristas já eram conhecidos da polícia. May também foi criticada por sua reação fria e tardia ao incêndio que matou mais de 80 pessoas no Condomínio Grenfell Tower, em Londres. Ela foi vaiada ao visitar o local da tragédia. Suas respostas robóticas sobre a investigação do incêndio lhe renderam o apelido Maybot. Com tantas más notícias na Inglaterra, fica difícil não se render ao pessimismo. “O sistema político ficou fraturado pelo referendo e as eleições trouxeram mais incerteza”, diz Tim Oliver, pesquisador da London School of Economics. “Os partidos falham em oferecer uma visão alinhada ao sentimento do público.”
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O enfraquecimento da Inglaterra pós-Brexit pode fortalecer exatamente a França. Não foi por acaso que Macron celebrou sua vitória nas eleições com a “Ode à alegria”, de Beethoven, hino da União Europeia. “A França pode se beneficiar de seu relacionamento com a Alemanha e de uma possível mudança de foco na União Europeia, que dará mais ênfase aos países da Zona do Euro em detrimento do Leste Europeu”, afirma Oliver. Embora o cenário político da Europa pós-Brexit ainda seja incerto, o otimismo dos franceses também se estende à política externa. Até mesmo franceses que haviam se mudado para o Reino Unido, em busca de melhores oportunidades, já notam mudanças. “Saí da França há cinco anos porque não havia oportunidades, mas hoje a tendência é que o futuro seja melhor na França”, diz a francesa Amy Lippmann, gerente de um McDonalds em Brighton, na Inglaterra. “Macron é uma grande esperança para os jovens franceses. Ele mostra que há possibilidades de mudança.”