Política Brasília

MPF denuncia Miller e Joesley Batista por irregularidades em delação

Ex-procurador teria 'servido a dois senhores' ao auxiliar executivos em acordo
Marcello Miller (dir.) é acusado de advogar para Joesley Batista (esq.) antes de deixar oficialmente o Ministério Público Foto: Arquivo O GLOBO
Marcello Miller (dir.) é acusado de advogar para Joesley Batista (esq.) antes de deixar oficialmente o Ministério Público Foto: Arquivo O GLOBO

BRASÍLIA — A Procuradoria da República no Distrito Federal denunciou nesta segunda-feira o ex-procurador Marcelo Miller, o empresário Joesley Batista, o ex-diretor jurídico da J&F Francisco Assis e a advogada Esther Flesch por corrupção no episódio envolvendo a atuação de Miller nas tratativas dos acordos de colaboração premiada e leniência do Grupo J&F, controladora da JBS com a Procuradoria-Geral da República (PGR), durante a gestão de Rodrigo Janot.

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A denúncia afirma que Miller "serviu a dois senhores" ao atuar em favor dos executivos enquanto ainda ocupava o cargo de procurador.

“Marcelo Miller, em unidade de desígnios e mediante repartição de tarefas com Esther Flesch, no período compreendido entre fevereiro e 05/04/2017, serviu a dois senhores: mantendo-se no cargo de Procurador da República e valendo-se da confiança do Procurador-Geral da República e membro auxiliar do Grupo de Trabalho Lava Jato, orientou a confecção de acordo de colaboração entre o MPF e seus ‘clientes’, em razão de promessa de pagamento ofertada pelos denunciados Joesley e Francisco”, assinalam os procuradores Frederico Paiva e Francisco Bastos.

A acusação não levou em conta o relatório final do inquérito conduzido pela Polícia Federal, concluído na semana passada, que indiciou Miller e Joesley pelos mesmo crimes. Um dia após ser indiciado pela PF, inclusive, Miller prestou depoimento à Procuradoria da República sobre o caso.

Para o MPF, a fatura de R$ 700 mil referente ao contrato de trabalho firmado entre o escritório Trench Rossi e Watanabe e Miller são a prova da corrupção praticada pelo ex-procurador, uma vez que a J&F teria contratado o referido escritório como intermediário do repasse ilícito, pois tinha interesse nos serviços do ex-procurador, que foi braço direito do então PGR Rodrigo Janot.

O valor de R$ 700 mil foi acertado entre o escritório e o ex-procurador em um acordo de rescisão, sendo que a J&F nunca fez nenhum pagamento ao Trench Rossi e Watanabe.

“Dada a pressa de Joesley e Wesley Batista fecharem o acordo de colaboração, a compra da orientação de alguém com acesso aos integrantes do Grupo de Trabalho significava, portanto, o diferencial necessário para um excelente acordo – produto esse que nenhuma grande banca de advogados poderia agregar”, segue a acusação apontando ainda as delações premiadas do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, firmadas também com a participação de Miller e que contaram com o uso de gravações.

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“Em ambas as colaborações citadas, o cerne do acordo de colaboração foi a entrega de gravações feitas sem o conhecimento de agentes políticos. No caso de Sérgio Machado, foram gravados Romero Jucá, José Sarney e Renan Calheiros. No caso de Nestor Cerveró, foi gravado Delcídio Amaral, o primeiro senador a ser preso no exercício do seu mandato. No caso de Joesley, foram gravados o presidente da República Michel Temer, Aécio Neves e Rodrigo Loures”, assinala a acusação.

Apesar de fazer referências a outros acordos, o MPF não faz acusações a outros membros da equipe da PGR durante a gestão Janot, apesar de deixar claro na denúncia que Miller tinha “livre acesso” ao Grupo de Trabalho da Lava Jato na gestão Janot.

Diferente da PF, a Procuradoria da República optou por não fazer acusações contra a advogada Fernanda Lara Tórtima, apontada pela PF como a responsável por fazer a articulação entre Miller e os executivos da J&F. Também não foram denunciados Wesley Batista e Ricardo Saud. Apesar disso, em cota apresentada junto à denúncia, o MPF aponta que as condutas das pessoas não denunciadas “serão objeto de nova análise, para possível oferecimento de nova denúncia em face das pessoas mencionadas”.

ACUSADOS REBATEM DENÚNCIA

Por meio de nota, o advogado André Luis Callegari, que defende Joesley, afirmou que o empresário jamais contratou, pagou, ofereceu ou autorizou que fosse oferecida qualquer vantagem indevida ao senhor Marcello Miller, outrora sócio do escritório TRW”

“A denúncia ignora o fato de que o colaborador ou a empresa jamais solicitaram a emissão de uma fatura do TRW, tampouco tinham qualquer ingerência sobre os procedimentos internos do escritório de advocacia. Também não menciona que a J&F sequer pagou os valores ao escritório TRW, que está sendo processado pela má-prática profissional nesse episódio. Além disso, a denúncia despreza todos os depoimentos e documentos aportados ao inquérito pela própria defesa, utilizando-se de majoritariamente de um procedimento administrativo conduzido de forma açodada pela PGR em setembro do ano passado”, segue a defesa.

A defesa de Miller afirmou que a denúncia "não consegue descrever um único ato de solicitação, aceitação ou recebimento de vantagem indevida por Miller", porque "isso simplesmente não aconteceu".

"A denúncia tenta qualificar como relativos à função pública atos que qualquer advogado com alguma experiência poderia praticar. E desconsidera a prova dos autos, que aponta em uma única direção: Miller não utilizou a função pública, da qual já estava em notório desligamento, para nenhuma finalidade privada", diz a nota.

A defesa de Francisco Assis informou que ele não tinha motivos "para suspeitar de qualquer irregularidade na atuação de Marcelo Miller" e disse que ele "colaborou efetivamente com a investigação, deixando claro que jamais discutiu honorários ou pagamentos com ou para Marcelo Miller".