Política

Raquel Dodge será a pessoa certa?

Raquel Dodge será a pessoa certa?

Escolhida por Michel Temer para o lugar de Rodrigo Janot, a nova procuradora-geral da República é conhecida pelo excesso de rigor – e provoca dúvidas entre os procuradores da Lava Jato

MATEUS COUTINHO
30/06/2017 - 21h50 - Atualizado 30/06/2017 22h05
Raquel Dodge,indica futura procuradora-geral da República.Seu perfil pode atrapalhar novas delações (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

Na noite de quarta-feira, dia 28, um grupo de procuradores da linha de frente da Operação Lava Jato aquartelados na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, iniciou uma frenética troca de mensagens tão logo o presidente Michel Temer anunciou a escolha de Raquel Dodge para o comando do Ministério Público Federal. “Nem para nomear o Alexandre de Moraes [para o STF], que era ministro da Justiça dele, ele foi tão rápido”, escreveu um dos participantes. O comentário não era desprovido de censura. A escolha de Moraes para a vaga do falecido Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal, um reforço político, demorou 18 dias. Raquel foi escolhida menos de 24 horas após ficar em segundo lugar na lista tríplice obtida por votação de seus pares. Na mesma noite, a apreensão tomou conta do Grupo de Trabalho, como são chamados os procuradores que, sob o comando de Rodrigo Janot, conduzem o mais contundente ataque contra os poderosos de Brasília – Temer incluso.

A decisão a jato é um inequívoco ataque de Temer à procuradoria, mais especificamente ao atual procurador-­geral, Rodrigo Janot. Ele é desafeto de Raquel Dodge. Temer é o primeiro presidente investigado por crime comum no exercício do cargo. Está ameaçado de deixar o poder por descobertas da Lava Jato, derivadas da delação premiada do empresário Joesley Batista, da JBS. Na semana passada, depois de ser denunciado ao Supremo Tribunal Federal, Temer fez um agressivo pronunciamento contra Janot. Parte importante de sua estratégia é desarmar a investigação na procuradoria, montada por Janot com colegas de várias regiões. Sob sua coordenação, o grupo é encarregado das investigações que afetam diretamente os cabeças do esquema de corrupção que domina Brasília, encastelados principalmente no PT, PMDB e PSDB.

ÉPOCA publicou, na coluna EXPRESSO, que alguns procuradores da Lava Jato ameaçaram inclusive abandonar a força-tarefa, por não gostar do estilo da nova procuradora-geral. Em resposta à notícia, os procuradores redigiram uma nota em que se comprometem a continuar na operação. Diz a nota: “Os procuradores lembram que exercem sua função com profissionalismo e imparcialidade e que vão seguir em sua missão constitucional com serenidade e firmeza, como se espera de todos os representantes do Ministério Público. Os integrantes do grupo declaram ainda respeito à indicação de Raquel Dodge para o cargo de procuradora-­geral da República, escolhida a partir de lista tríplice promovida pela Associação Nacional dos Procuradores da República [ANPR]”. 

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O ministro do Supremo Tribunal Gilmar Mendes (Foto:  ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO)

O governo atua em várias frentes, que incluem trocar o comando da Polícia Federal e minar a operação no Supremo Tribunal Federal. No sábado, dia 24, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, teve de desmentir novamente que vai tirar do cargo de diretor-geral o delegado Leandro Daiello. Jardim havia dito isso a sindicalistas e, diante da péssima repercussão, teve de se explicar. Não foi seu primeiro passo em falso nessa missão, talvez por isso Jardim tenha apenas feito uma declaração e se recusado a responder a perguntas. Noutro flanco, o governo contava com o julgamento no Supremo Tribunal Federal para abrir brechas destinadas a, no futuro, anular a delação da JBS e outras. Não deu certo. O ministro Gilmar Mendes defendeu com veemência a prerrogativa de o plenário do Supremo alterar acordos de delação, firmados pelo Ministério Público, caso considerasse que os termos não estavam corretos. Mas terminou vencido. Por oito votos a dois foi vitoriosa a formulação feita pelo ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin, e pelo ministro Alexandre de Moraes, segundo a qual os benefícios podem ser revistos ao fim do processo apenas se os delatores não cumprirem seus deveres ou tiverem mentido. “O recado é: o MP, quando faz um acordo, desde que o colaborador cumpra as suas obrigações no contrato que vai ser aferido, e que não haja nenhuma ilegalidade, o MP vai entregar aquilo a que se comprometeu. Dá segurança jurídica e confiança no Estado”, disse Janot.

A precária situação política levou Temer a assumir um desgaste na sucessão de Janot na procuradoria. Ele quebrou um costume desde 2003, pelo qual o presidente da República escolhe o mais votado dos três procuradores escolhidos por seus pares. Os 1.108 procuradores escolheram, pela ordem, Nicolao Dino, Raquel Dodge e Mario Bonsaglia. Aliados já haviam avisado que Temer jamais escolheria Dino, um aliado de Janot que defendeu a cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral. Bonsaglia também era visto como aliado de Janot. Temer fez um movimento político: escolheu Raquel, que não se dá bem com muitos procuradores da equipe de Janot. Segundo alguns deles,  haveria prejuízos em áreas sensíveis, como a cooperação internacional, que permitiu à Lava Jato encontrar dinheiro da corrupção em paraísos fiscais e na Suíça e desarticular vários eixos da organização criminosa.

O senador Aécio Neves  (Foto:   Pedro Ladeira/Folhapress)

Temer escolheu Raquel devido a seu perfil. Rigorosa e centralizadora, Raquel não é o tipo de procuradora que vai engavetar investigações descaradamente, como no passado. Contudo, por seu excesso de rigor, pode travar novos acordos de delação premiada. Raquel disse em debates que a imunidade dada aos delatores tem de ser proporcional ao alcance do que eles podem entregar. Nos bastidores, colegas afirmam que ela fez críticas à delação feita pela JBS – justamente a que mais incomoda Temer e cujo acordo o governo afirma que foi leniente demais com o empresário Joesley Batista. Na área criminal, o caso mais conhecido de Raquel foi a Operação Caixa de Pandora, em 2009, que levou à prisão o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (ex-DEM, atualmente sem partido). A Caixa de Pandora ficou famosa pela realização de diversas ações controladas, que registraram em vídeo episódios de corrupção explícita, como aquele em que Arruda recebe um maço de dinheiro de propina. No entanto, a investigação perdeu ritmo quando chegou à mesa de Raquel e não resultou nas condenações esperadas.

A desconfiança da turma da Lava Jato aumentou porque a escolha de Raquel Dodge passou pelo gabinete do ministro Gilmar Mendes e chegou até caciques do PMDB no Senado, responsável por referendar ou não o nome do indicado pelo presidente para chefiar a procuradoria. O nome foi oficializado em um compromisso que não foi registrado na agenda oficial, quando o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria Geral) – ambos do PMDB, ambos investigados pela Lava Jato – foram a um jantar na casa do ministro Gilmar Mendes na terça-feira, dia 27. O caminho vinha sendo pavimentado havia meses. Em duas ocasiões, em fevereiro e abril deste ano, Raquel visitou o 9º andar do edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral, onde fica o gabinete de Gilmar. Na pauta, contudo, não havia nenhum processo ou mesmo demanda que pudesse envolver a Justiça Eleitoral, mas sim uma amiga que acompanhava Raquel: a procuradora de Justiça do Paraná Maria Tereza Uille. Na ocasião, Maria Tereza buscava o beneplácito do ministro para auxiliar no referendo pelo Senado a sua indicação para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aprovada no ano anterior pela Câmara. Em 25 de abril, o Senado aprovou o nome de Maria Tereza. Raquel acionou duas interlocutoras para buscar apoio na cúpula do PMDB.

Para se preservar, Raquel evitou fazer contatos diretos com políticos, mas deixou a cargo de duas procuradoras a tarefa de buscar os caciques do PMDB, entre eles os senadores Romero Jucá, Renan Calheiros e o ex-presidente José Sarney. Uma das interlocutoras foi Maria Tereza. Raquel nega ter buscado qualquer contato com políticos do partido. Maria Tereza desconversou. Sarney divulgou uma nota em seu site afirmando que não conversou com ninguém a respeito da indicação para a PGR e que não tem proximidade com Raquel. Renan negou ter sido procurado e Jucá negou qualquer articulação.

Com pouco menos de três meses de trabalho à frente, o procurador-geral Rodrigo Janot trabalha para concluir ao menos mais uma das três denúncias que deve fazer contra Temer, derivadas da delação da JBS, antes do fim de seu mandato. Quer garantir que Raquel Dodge assuma com as investigações contra o presidente engatilhadas. Ao mesmo tempo que está em um momento de largo poder, com a denúncia do presidente da República e o emparedamento de vários poderosos, a Lava Jato enfrenta um momento turbulento.

Na sexta-feira, dia 30, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, liberou o senador tucano Aécio Neves para voltar a exercer suas funções políticas. Marco Aurélio poderia ter levado o caso à Primeira Turma do tribunal, mas preferiu decidir monocraticamente. Aécio estava afastado desde o dia 18 de maio por determinação do relator da Lava Jato no Supremo, o ministro Edson Fachin. “Não cabe ao STF, por seu plenário e, muito menos, por ordem monocrática, afastar um parlamentar do exercício do mandato. Trata-se de perigosíssima criação jurisprudencial, que afeta de forma significativa o equilíbrio e a independência dos Três Poderes”, disse na decisão. Marco Aurélio revogou todas as medidas cautelares determinadas por Fachin. Gravado em conversas com o sócio do J&F Joesley Batista pedindo R$ 2 milhões e negociando cargos com o empresário, o tucano já foi denunciado por corrupção passiva e obstrução da Justiça.

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Depois da decisão de Marco Aurélio, no final da tarde de sexta-feira o ministro Edson Fachin mandou para casa o suplente de deputado Rodrigo Rocha Loures, aquele assessor de Temer que deu uma corridinha com uma mala recheada de R$ 500 mil de propina da JBS. Ele estava preso na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, há quase um mês. Denunciado junto com Temer no caso de corrupção passiva, Rocha Loures é a maior ameaça ao presidente. Foi para casa com tornozeleira eletrônica e está proibido de ter contato com outros investigados. Rocha Loures negociava um acordo de delação premiada.

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