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Ex-presidente Nicolas Sarkozy é detido para interrogatório na França

Francês é questionado sobre financiamento ilícito líbio em campanha presidencial
Ex-presidente francês Nicolas Sarkozy Foto: FREDERICK FLORIN / AFP
Ex-presidente francês Nicolas Sarkozy Foto: FREDERICK FLORIN / AFP

PARIS — Nas últimas semanas, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy pôde ser visto em entrevistas televisivas sobre futebol, no canal L’Équipe TV, e literatura, no programa “Livres & Vous”, numa conferência em Dubai sobre educação ou como midiático padrinho de uma campanha nacional contra o câncer infantil. Seu mais recente compromisso, no entanto, não estava previsto na agenda. Após cinco anos de investigações, a Polícia Judiciária determinou na terça-feira a detenção provisória do ex-chefe de Estado, suspeito de ter beneficiado de financiamento ilegal na campanha que o elegeu presidente do país no período de 2007 a 2012.

O inquérito apura indícios de que Sarkozy teria recebido pelo menos € 5 milhões, em dinheiro vivo, do ditador líbio Muamar Kadafi. Ao final da detenção provisória de no máximo 48 horas, no Escritório Central de Luta contra a Corrupção e as Infrações Financeiras e Fiscais (OCLCIFF), em Nanterre, nos arredores de Paris, o ex-presidente poderá ser liberado ou transferido para custódia de magistrados, com vistas a um eventual indiciamento.

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Para ex-presidente, complô

A detenção provisória sacudiu o mundo político nacional, principalmente no campo do partido conservador Os Republicanos (LR, sigla em francês), por muito tempo liderado por Sarkozy — num caso que, se confirmado, é apontado como o mais grave escândalo político-financeiro da 5ª República (em vigor desde 1968). Braço direito de Sarkozy, o ex-ministro e hoje deputado europeu Brice Hortefeux, suspeito de envolvimento no caso, foi ouvido pelas autoridades francesas. Já o ex-secretário-geral do Palácio do Eliseu Claude Guéant, acusado de ser um dos receptores do dinheiro ilegal e já indiciado por fraude fiscal e lavagem de dinheiro, garantiu que nunca viu “um centavo do financiamento líbio”.

Sarkozy sempre afirmou sua inocência e, inclusive, denunciou a existência de um complô para prejudicar suas ambições políticas. Poucas horas após sua detenção, o LR emitiu um comunicado seguindo a mesma linha de defesa: “Os filiados e simpatizantes têm, mais uma vez, o sentimento de que todos os eleitos ou antigos eleitos, segundo a família política a que pertencem, não recebem o mesmo tratamento.” Já o presidente do LR, Laurent Wauquiez, acusou, num tuíte, de “humilhante e inútil” a detenção provisória do ex-presidente.

Nicolas Sarkozy cumprimenta ex-líder líbio Muamar Khadafi Foto: ERIC FEFERBERG / AFP
Nicolas Sarkozy cumprimenta ex-líder líbio Muamar Khadafi Foto: ERIC FEFERBERG / AFP

Apesar da derrota para François Hollande na tentativa de reeleição, em 2012, e do fracassado retorno ao perder as primárias presidenciais da centro-direita, em 2016, o ex-presidente ainda mantém uma certa popularidade entre militantes e uma influência junto a quadros do LR, principalmente no campo da direita mais dura. No seio do partido, no entanto, há também quem seja a favor de virar a página do sarkozismo e se distanciar de seus casos na Justiça, para que a direita encontre um novo fôlego no contexto atual de uma oposição enfraquecida face à predominância política do governo Emmanuel Macron e de seu movimento República em Marcha.

Embora tenha se livrado do caso Liliane Bettencourt (a falecida herdeira do grupo L’Oréal), no qual era suspeito de “abuso de fraqueza” para obter dinheiro e vantagens, o ex-presidente está, além do dossiê líbio, sob a ameaça da Justiça em dois outros casos. Sarkozy é acusado de financiamento ilegal de sua campanha presidencial de 2012, num sistema de falsos recibos operado pela empresa Bygmalion para maquiar as reais despesas feitas. O ex-presidente também responde na Justiça por “corrupção ativa” e “tráfico de influência” por ter tentado obter de um alto magistrado informações confidenciais sobre o inquérito do caso Liliane Bettencourt, no qual era investigado. Ele também teria prometido intervir para que, em troca, o juiz em questão conseguisse um posto de prestígio no Principado de Mônaco.

Sarkozy (dir.) e Kadafi se reúnem em Trípoli, em 2007: discurso mudou com Primavera Árabe e intervenção Foto: PATRICK KOVARIK / AFP
Sarkozy (dir.) e Kadafi se reúnem em Trípoli, em 2007: discurso mudou com Primavera Árabe e intervenção Foto: PATRICK KOVARIK / AFP

A suspeita de financiamento ilegal pelo dinheiro de Muamar Kadafi, morto em 2011 durante a revolta na Líbia, foi evocada pela primeira vez pelo site de jornalismo investigativo francês Mediapart em 2012. Segundo um documento revelado pelo site, Sarkozy teria acertado um pacote de € 50 milhões com o amigo e aliado Kadafi, que depois, em dezembro de 2007, provocou polêmica ao instalar uma enorme e luxuosa tenda em plena Paris em sua visita oficial de chefe de Estado. Em 2016, o comerciante de armas franco-libanês Ziad Takieddine afirmou à polícia francesa que entregou três malas de dinheiro a Sarkozy e a Claude Guéant. Edwy Plenel, ex-diretor do jornal “Le Monde” e cofundador do Mediapart, questiona, inclusive, as “verdadeiras intenções” do então presidente Sarkozy como um dos principais instigadores da intervenção militar na Líbia contra Kadafi, em 2011.

Resta saber quais as novas informações obtidas pela Justiça que justificaram a detenção provisória, e qual o destino de Sarkozy nas próximas horas.

Em foto de 2007, Sarkozy discursa em evento do seu partido, o UMP. Desde que deixou o cargo de presidente, coleciona acusações de irregularidades em financiamento de campanhas Foto: DOMINIQUE FAGET / AFP
Em foto de 2007, Sarkozy discursa em evento do seu partido, o UMP. Desde que deixou o cargo de presidente, coleciona acusações de irregularidades em financiamento de campanhas Foto: DOMINIQUE FAGET / AFP