Rio

Projeto que autoriza guardas municipais a usarem armas de fogo será debatido na Câmara

Atualmente, Lei Orgânica do Município proíbe que agentes usem qualquer tipo de armamento
Hoje, guardas municipais do Rio são proibidos de usar qualque tipo de armamento Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Hoje, guardas municipais do Rio são proibidos de usar qualque tipo de armamento Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO - A prefeitura e a Câmara dos Vereadores vão realizar audiências públicas nas próximas semanas para debater um projeto que tem como objetivo permitir o uso de armas de fogo por guardas municipais. A ideia é que os agentes ganhem permissão para portar pistolas Glock, as mesmas empregadas pela Guarda Civil Metropolitana de São Paulo. O sinal verde para a proposta está na dependência de os vereadores aprovarem mudanças em um artigo da Lei Orgânica do Município que proíbe a utilização de qualquer tipo armamento, mesmo não letal.

VOTE: Você concorda com o uso de armas de fogo por guardas municipais?

A ideia tem o apoio do secretário de Ordem Pública (Seop), coronel Paulo Cesar Amendola, que estima ser possível treinar, com instrutores da Polícia Militar, até 2.500 guardas municipais - um terço do efetivo atual. O projeto divide vereadores e especialistas em segurança pública. O prefeito Marcelo Crivella defende que a Guarda Municipal seja autorizada a usar equipamentos não letais, como teasers (pistolas elétricas) durante o serviço. Em relação ao emprego de armas de fogo, ele prefere esperar as audiências públicas para ver como a população recebe a ideia.

Amendola explicou que, caso as alterações na Lei Orgânica sejam aprovadas, os agentes só seriam autorizados a usar armas de fogo após um treinamento intensivo com duração de 80 horas. Para portar as pistolas, os guardas também passariam por avaliações psicológicas. Além de mudanças na lei, a Guarda Municipal precisaria do aval da Polícia Federal, a quem cabe conceder as autorizações mediante convênios com instituições do poder público.

Amendola disse que vai solicitar a participação de representantes da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo nos debates para agilizar a avaliação do projeto. A implantação do efetivo armado seria feita de forma gradual. Ainda não foi definida uma área para um eventual projeto piloto.

- Hoje, trabalhar armado é uma necessidade do guarda municipal. Em ações de policiamento ostensivo, o agente precisa estar preparado para atuar de forma plena na defesa dos cidadãos. É claro que não confiaríamos armas de forma indiscriminada. A proposta é que o efeitvo atue de forma preventiva. Se a situação exigir confrontos armados, a intervenção caberá à Polícia Militar - disse o secretário de Ordem Pública.

Desde 1992, quando entrou em vigor, a Lei Orgânica proíbe o uso de qualquer tipo de equipamento de tiro pela Guarda Municipal. No entanto, armas não letais chegaram a ser empregadas pela corporação entre 2009 e 2013. Elas deixaram de ser utilizadas porque o Ministério Público estadual entrou na Justiça e obteve uma liminar sob o argumento de que a legislação da cidade não autoriza a iniciativa. Na quarta-feira, no entanto, vereadores aprovaram em primeira discussão uma mudança no texto, que libera equipamentos não letais. O tema voltará à pauta da Câmara no próximo mês, quando o vereador e guarda municipal Jones Moura (PSD) reapresentará o projeto. A mudança nas regras precisará do apoio de dois terços dos parlamentares (34 votos).

Entenda a polêmica sobre o uso de armas letais pela Guarda Municipal
Vereadores realizam audiências públicas para debater uma possível mudança da lei orgânica do Rio
O que os vereadores discutem
Mudar a Lei Orgânica para retirar a probição expressa sobre o uso de armas. Em uma primeira votação, os vereadores já liberaram o emprego de armamento não letal. Mas a decisão tem que ser confirmada em segunda votação
A Constituição
1988
A Constituição Federal de 1988 prevê que as prefeituras dos Municípios poderão constituir guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações
A Lei Orgânica
1990
A Lei Orgânica do Município do Rio, de 1990, determina expressamente a criação de guardas municipais “que não façam uso de armas”
Choque de ordem
2009
Nas operações do Choque de Ordem, implantado em 2009 pela prefeitura, agentes da Guarda Municipal passaram a usar sprays e tasers
Liminar na Justiça
2013
O Ministério Público obteve uma liminar na Justiça para proibir o uso de armas não letais pelo órgão, por ferir o que
determina a Lei Orgânica
Regra Federais
2014
Em agosto de 2014, foi sancionada a lei federal 13.022, que autoriza aos agentes o porte de arma de fogo. Mas a lei não determina que a guarda seja armada
Entenda a polêmica sobre o uso de armas letais pela Guarda Municipal
Vereadores realizam audiências públicas para debater uma possível mudança da lei orgânica do Rio
O que os vereadores discutem
Mudar a Lei Orgânica para retirar a probição expressa sobre o uso de armas. Em uma primeira votação, os vereadores já liberaram o emprego de armamento não letal. Mas a decisão tem que ser confirmada em segunda votação
A Constituição
1988
A Constituição Federal de 1988 prevê que as prefeituras dos Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações
A Lei Orgânica
1990
A Lei Orgânica do Município do Rio, de 1990, determina expressamente a criação de guardas municipais “que não façam uso de armas”
A Lei Orgânica
2009
A Lei Orgânica do Município do Rio, de 1990, determina expressamente a criação de guardas municipais “que não façam uso de armas”
Liminar na Justiça
2013
O Ministério Público obteve uma liminar na Justiça para proibir o uso de armas não letais pelo órgão, por ferir o que determina a Lei Orgânica
Regras Federais
2014
Em agosto de 2014, foi sancionada a lei federal 13.022, que autoriza aos agentes o porte de arma de fogo. Mas a lei não determina que a guarda seja armada


- O que queremos é adequar a Lei Orgânica do Rio à legislação federal atual, que prevê que as guardas municipais devem ser armadas. O novo texto, em vez de prever qualquer proibição, estabelece que o assunto precisa ser tratado da forma que a legislação federal determinar. Mas, antes de o projeto voltar ao plenário, faremos audiências para discutir a proposta - afirmou Moura.

O vereador se refere à Lei 13.022/2014, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, que possibilita a existência de guardas municipais armadas para patrulhamento preventivo. No caso da proposta de liberação do armamento não letal, a proposta passou em primeira discussão na Câmara Municipal com 38 votos favoráveis e sete contrários.

A ideia de estender a liberação para armas de fogo não tem unanimidade entre os colegas de Jones Moura. Um dos autores da emenda que, em 1992, proibiu o uso de armas pela Guarda Municipal em 1992 é Fernando William (PDT), contrário a uma mudança do texto.

- Armar a Guarda Municipal é um completo absurdo. Ela foi criada com o objetivo de defender o patrimônio público. Portar armas aumenta o risco de situações de confrontos na cidade - argumentou William.

Rosa Fernandes (PMDB) se diz "inicialmente favorável à proposta":

- A realidade é que a cidade sofre com a insegurança. Se existe uma possibilidade de armar a Guarda Municipal para ações que complementem a atuação da PM, sou a favor.

Renato Cinco (PSOL) é contra a liberação de qualquer armamento, incluindo o não letal:

- Meu entendimento é que a lei federal de 2014 não tem constitucionalidade. A Constituição Federal não confere às guardas municipais atribuições para a área de segurança pública. Além disso, estabelece que o papel delas é proteger o patrimônio público.

Para o antropólogo Paulo Storani, ex-capitão da PM e ex-diretor de recursos humanos da Guarda Municipal, há uma tendência, em todo país, do que chama de "polícias municipais". Ele defende que os agentes da prefeitura do Rio atuem armados, mas prevê dificuldades:

- Há uma série de questões a serem analisadas. É possível, por exemplo, que os últimos concursos públicos que os selecionaram não tenham previsto essa possibilidade, de portarem armas de fogo.

Já o sociólogo Michel Misse, do Núcleo de Estudos da Violência da UFRJ, critica a iniciativa:

- O Rio é uma cidade muito conflagrada. Não é porque a ideia foi adotada em outras grandes cidades, como São Paulo, que dará certo aqui. Mais gente com armas nas ruas significa o risco de mais confrontos e maior número de episódios de violência.

O gestor de segurança Vinícius Cavalcante defende que os agentes trabalhem com pistolas:

- A Guarda Municipal tem que estar equipada para enfrentar situações reais na prevenção de crimes. Liberar apenas armamento não letal pode não ser suficiente quando um agente enfrentar uma situação real nas ruas.

Presidente do Conselho Comunitário da 2ª Área Integrada de Segurança Pública (parte da Zona Sul) e presidente da Associação de Moradores de Botafogo, Regina Chiaradia, não concorda com a medida:

- A prefeitura não formou guardas municipais para terem papel de polícia. O que se deve é investir no treinamento desses agentes.

BARRA MANSA E VOLTA REDONDA SAÍRAM NA FRENTE

No Estado do Rio de Janeiro, Barra Mansa foi o primeiro município a armar sua guarda. A história se desenrolou nos últimos 27 anos. Num primeiro momento, entre 1990 e 2008, os agentes puderam usar armas de fogo. Desde então, o porte foi suspenso devido a mudanças na legislação federal. Pelas novas regras, os municípios deveriam firmar convênios com a Polícia Federal que implicariam em uma série de exigências para a liberação do uso de armas. Só em 2010, a prefeitura da cidade conseguiu cumprir todas as exigências para armar seus agentes.

Em Volta Redonda, os guardas também portam armas desde a década de 1990. No município, são mais de 200 agentes, que precisam passar por cursos de reciclagem a cada dois anos. Em 2015, em um desses treinamentos, 98 guardas da cidade foram formados em cursos de tiro. Para receber a licença, a tropa precisa passar por avaliação psicotécnica de especialistas da Polícia Federal e também cumprir carga horária de aulas teóricas e práticas em um clube de tiro.

NITERÓI JÁ TREINA AGENTES

Na Região Metropolitana do Rio, Niterói, depois de discutir a medida, se prepara para armar a guarda. Apesar dos debates, o prefeito da cidade, Rodrigo Neves ainda pretende fazer um plebiscito para consultar a população. A previsão inicial era que a consulta fosse realizada até março, mas foi adiada para o segundo semestre deste ano. A prefeitura já firmou convênio com a Polícia Federal, o que ainda é uma exigência legal para credenciar a corporação. Alguns agentes já começaram a ser treinados em abril num curso que deverá durar três meses.

Em São Paulo, o uso de armas pela Guarda Civil já é permitido há mais de uma década. No entanto, o emprego do armamento, às vezes, tem sido alvo de críticas. No ano passado, por exemplo, a instituição baixou uma portaria proibindo que agentes persigam ou atirem contra carros. A decisão foi tomada depois de dois incidentes que envolveram servidores da Guarda Civil na Zona Leste de São Paulo. Em um dos casos, a vítima foi um universitário de 24 anos, atingido por tiros quando era perseguido por policiais militares e guardas civis.

De acordo com as normas da Polícia Federal, as guardas municipais estão obrigadas a comprovar que mantêm corregedorias e ouvidorias para receberem queixas da população sobre eventuais irregularidades nas operações. Também deverão atestar a procedência do armamento adquirido, assim como apresentar relatórios fotográficos que mostrem em que condições as munições são armazenadas. Outra exigência da Polícia Federal é que as instituições detalhem onde será realizado o treinamento dos agentes e qual a carga horária do curso.

Os instrutores também devem ser identificados. Todos os equipamentos utilizados devem ser registrados no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), administrado pela PF. Trata-se de uma espécie de cadastro único, em que devem ser incluídas informações sobre armamentos comprados por órgãos de segurança pública, como a própria PF, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as polícias militares e civis dos estados e do Distrito Federal. Empresas particulares que prestam segurança privada devem ter seu armamento incluído no cadastro.