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Venezuela: ao menos 15 pessoas são mortas na eleição da Constituinte

Mortes marcam ápice da repressão em dia de votação com baixo comparecimento

Duas motos da polícia queimam e um policial foge depois que um dispositivo explodiu quando eles passavam por um protesto contra a eleição da Assembleia Constituinte em Caracas
Foto: AFP/JUAN BARRETO
Duas motos da polícia queimam e um policial foge depois que um dispositivo explodiu quando eles passavam por um protesto contra a eleição da Assembleia Constituinte em Caracas Foto: AFP/JUAN BARRETO

BUENOS AIRES – Longe da festa democrática prometida pelo governo do presidente Nicolás Maduro, a eleição para formar sua polêmica Assembleia Constituinte realizada neste domingo foi totalmente ofuscada pela violência feroz dos corpos de segurança do Estado que, segundo informações divulgadas pela oposição, provocou a morte de pelo menos 15 pessoas (até sábado passado a crise já tinha matado 118 venezuelanos), segundo opositores. O Ministério Público, no entanto, confirmou a morte de 10 pessoas , que serão investigadas. A repressão alcançou seu auge, e as imagens de manifestantes sendo atacados e detidos de forma arbitrária circularam durante todo o dia, enquanto os centros de votação montados pelo governo chavista registraram uma participação muito inferior à esperada.

Ainda não foram divulgados dados oficiais, mas dirigentes da oposição e analistas locais calcularam que, nas estimativas mais otimistas para o governo, cerca de 2,2 milhões de venezuelanos (do total de 19,5 milhões de eleitores) votaram na Constituinte de Maduro — embora Diosdado Cabello, número 2 do chavismo e candidato da Constituinte comemorasse recorde de participação popular. Espera-se que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgue resultado bem acima desse número, que a oposição já antecipou que não reconhecerá.

O processo eleitoral venezuelano também foi rechaçado  pelos governos de Argentina, Peru, Canadá, Colômbia, Panamá e Estados Unidos. O Itamaraty, por sua vez, lamentou em nota que a Venezuela tenha ignorado os pedidos da comunidade internacional para desistir do pleito e instou as autoridades a suspenderem o que considera um novo passo de agravamento à crise política. Não informou, no entanto, se reconhecerá ou não o resultado da votação.

Os venezuelanos viveram um dia de verdadeiro terror. Muitos tentaram se manifestar contra a Constituinte em Caracas e no resto do país, mas a ação da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e da Polícia Nacional Bolivariana (PNB), além dos chamados coletivos (grupos armados do chavismo), foi mais forte do que nunca. Em Mérida, agentes da GNB entraram em prédios e prenderam, sem ordem judicial, jovens que continuavam desaparecidos na noite de ontem. Versões de um suposto fuzilamento circularam nas redes sociais, contrastando com a surpreendente tranquilidade de dirigentes chavistas, que negaram qualquer tipo de violência durante a jornada eleitoral.

— Não somos a Síria, nem a guerra das Farc contra o Estado colombiano. Aqui temos um ataque desproporcional das forças de segurança contra civis — denunciou Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional (AN), fazendo um apelo à Força Armada Nacional Bolivariana (FANB): — Os militares devem defender a cidadania. Estas mortes não serão em vão, serão sementes de liberdade.

Enquanto a oposição fala em pelo menos 14 mortos — ONGs como a Foro Penal confirma o falecimento de oito pessoas e o Ministério Público (MP) de sete —, Jorge Rodríguez, prefeito do município Libertador, um dos principais de Caracas, assegura que os venezuelanos deram “uma lição de paz”. Rodríguez negou que tenham ocorrido mortes relacionadas ao processo eleitoral.

— Não existe país no mundo que mostre um exemplo de democracia como este. Estamos orgulhosos, votaram milhões — declarou o prefeito, que aproveitou para questionar os países que criticaram a Constituinte, entre eles o Brasil, e fez duros questionamentos à Procuradora-geral da República, Luisa Ortega Díaz, ainda no comando (pelo menos aparente) do MP. O governo designou uma vice-procuradora, que vem passando por cima de Ortega Díaz e provavelmente será sua substituta quando a nova Assembleia Constituinte destituir uma das críticas que mais incomoda o governo Maduro.

— A repressão de hoje foi horrorosa. O que estamos vendo em nosso país é uma loucura: detenções absolutamente arbitrárias, jovens abusados sexualmente, torturas cada vez mais sinistras. O MP perdeu o controle da situação — admitiu Alfredo Romero, diretor da Foro Penal, defendendo que existem “elementos de sobra” para iniciar uma investigação sobre crimes de lesa-Humanidade no Tribunal Penal Internacional (TPI).

Para líderes da oposição, a eleição “mostrou que Maduro está derrotado”:

— Hoje vimos mais funcionários reprimindo do que eleitores votando — assegurou o governador do estado de Miranda, Henrique Capriles.

ABSTENÇÃO PODE CHEGAR AOS 80%

De acordo com a empresa de consultoria ORC, a abstenção poderia chegar a 80%. Para o seu diretor, Oswaldo Ramírez Colina, como para toda a oposição e vários governos que já se pronunciaram, os dados do CNE não serão confiáveis e buscarão, principalmente, superar os 7,5 milhões de votos obtidos pela oposição na consulta popular sobre a Constituinte, realizada em 16 de julho passado.

— Muitos servidores, aposentados e pensionistas não votaram. A pressão do governo não funcionou como esperavam — diz Colina.

A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, definiu a votação como uma “farsa”: “É mais um passo em direção à ditadura”, condenou, em sua conta no Twitter. “O povo e a democracia venezuelanos prevalecerão”. De acordo com o Wall Street Journal, a Casa Branca estaria se preparando para anunciar, talvez hoje mesmo, sanções econômicas contra o setor petrolífero venezuelano.

Já o governo do presidente da Argentina, Mauricio Macri, afirmou que o governo venezuelano ignorou os “apelos da comunidade internacional” e de países do Mercosul: “A eleição de hoje não respeita a vontade de mais de sete milhões de cidadãos venezuelanos que se pronunciaram contra sua realização. A Argentina não reconhecerá os resultados desta eleição ilegal”.

O Peru definiu a Constituinte venezuelana como “ilegítima” e exortou Maduro a garantir um “autêntico diálogo nacional”. Já a Secretaria de Comunicação do governo panamenho divulgou um comunicado anunciando que não reconheceria o resultado devido aos “vícios que já estão identificados neste processo”. O rechaço da Colômbia foi antecipado pelo presidente Juan Manuel Santos, semana passada.

Na opinião de Rafael Uzcátegui, do Programa Venezuelano de Educação e Ação em Direitos Humanos (Provea), “a primeira semana da Constituinte será crucial, porque o governo buscará mostrar-se forte”.

— Nas próximas 72 horas veremos ações contra a Assembleia Nacional (AN) e o MP. O conflito vai escalar — afirmou Uzcátegui.