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História da Ilha do Governador ressurge nos nomes de seus bairros

Passado insulano remonta ao período do Brasil Colonial, explica historiadora

RIO - “O que será o amanhã?”, questiona, em vão, o clássico samba da União da Ilha, sensação do carnaval de 1978. Se o futuro pode estar escrito em jogos de cartomantes e bolas de cristal, o passado insulano é revelado por estudiosos e entusiastas. E haja história! Ela remonta ao longínquo ano de 1567, quando a região, com 448 anos completados no último dia 5, foi oficialmente fundada. Fragmentos da Ilha colonial — que era dos Gatos antes de ser do Governador — ainda são guardados pelos nomes de seus bairros, repletos de memórias centenárias.

A historiadora Cybelle de Ipanema, autora do livro “Histórias da Ilha do Governador”, é uma das mais ativas estudiosas na montagem desse quebra-cabeça. Segundo ela, o nome de Ilha dos Gatos — referência ao domínio dos índios temiminós na região, sempre associados aos felinos — perdurou até o fim do século XVI, quando Salvador Correia de Sá se tornou governador do Rio, em 1578. A essa altura, o fidalgo já havia recebido da Coroa Portuguesa aproximadamente metade do território insulano, onde instalou o primeiro engenho da Baía de Guanabara.

Já o batismo do Galeão é do século XVII. Deve-se a um colosso, motivo de orgulho para o Império Português. Foi construído na Ilha o Galeão Padre Eterno, na época a maior embarcação a deslizar pelos sete mares, em plena era das grandes navegações.

— Na região havia um polo de construção de navios, onde foi feito o Padre Eterno, possivelmente com madeira da Ilha. Ele logo passou a integrar a Marinha portuguesa — explica Cybelle.

A Praia da Bica, a mais tradicional do bairro, recebeu este nome por conta da nascente canalizada que desemboca no local. A região fazia parte da Coutada Real, área reservada, após a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, para que Dom João VI e a corte caçassem. Isso deu origem à lenda que a bica seria usada por Dom Pedro I, ainda criança, para se banhar. Apesar da história saborosa, Cybelle afirma que não há elementos para comprová-la.

— Era certo que Dom João VI circulava por essas bandas, caçando veados e outros animais trazidos de florestas do Rio e de Minas, mas não há registros dos banhos de Dom Pedro I — diz.

Quem vê a inscrição de 1816 na fachada da Capela Nossa Senhora Imaculada Conceição, na Praça Jerusalém, deduz que a bela igreja foi criada nessa época. Ledo engano. De acordo com Cybelle, os registros históricos e a arquitetura do prédio mostram que o templo é de um período anterior:

— Segundo meus estudos, a estrutura atual da igreja é do século XVIII, mas os alicerces datam do século XVII.

Outras localidades da Ilha do Governador têm suas alcunhas intimamente ligadas à relação com a Igreja Católica. A Praia de São Bento, por exemplo, recebeu esse nome devido à ocupação dos beneditinos na região. A Ordem recebeu, no século XVIII, a porção ocidental da Ilha, que hoje corresponde ao Galeão.

Mas não é só por estudiosos profissionais que a história insulana é contada. Amantes da região ajudam a preservar a memória local por meio de imagens. É o caso de Jaime Moraes. Professor de Física aposentado, ele começou a reunir fotografias antigas de paisagens da Ilha em 1981, quase por acaso. Hoje mantém sozinho e digitaliza um acervo de mais de três mil imagens em sua casa.

— A maioria das fotos foi enviada por gente comum, que não sabia o que fazer com os registros que estavam no fundo da gaveta — diz.

Ele comemora a popularização das redes sociais, que serviu para propagar esses registros históricos. Segundo Moraes, o grupo que mantém no Facebook para compartilhar os registros já tem mais de três mil membros:

— Ocorre uma troca constante de informações, ideias e novas fotografias que vão sendo descobertas pelas pessoas. É muito interessante.

EXPOSIÇÃO MOSTRA BELEZA DE PAISAGENS DA ILHA

Em homenagem ao aniversário de 448 anos da Ilha do Governador, o Caderno Ilha, em parceria com o Ilha Plaza, promove a exposição “Aniversário da Ilha”. Com curadoria do publicitário Fernando Miranda, a mostra apresenta 24 fotografias selecionadas nos arquivos da Agência O Globo. As imagens estão na entrada principal do shopping, no segundo piso, e ficam por lá até o dia 30. A entrada é franca.

De acordo com Miranda, além de paisagens insulanas deslumbrantes, como a Praia da Bica, o manguezal do Jequiá e a Pedra da Onça, as fotos refletem os hábitos e o cotidiano de quem vive ou visita os bairros da Ilha. Morador do bairro há mais de 40 anos, ele brinca com a variedade de opções que encontrou em sua pesquisa nos arquivos da Agência O Globo. Para ele, difícil foi chegar a 24 fotos.

— A exposição é um presente para os insulanos pelo aniversário da Ilha. Procurei conciliar a beleza natural com a presença das pessoas. A maior dificuldade foi escolher apenas 24 entre as milhares de belas imagens que existem nos arquivos — afirma.