Edição do dia 24/07/2017

24/07/2017 21h47 - Atualizado em 24/07/2017 21h47

Após recesso, Câmara volta a discutir novo Código de Processo Penal

Mudanças poderiam prejudicar operações como a Lava Jato.
Deputados dizem que legislação de 1941 precisa ser atualizada.

A Câmara dos Deputados vai voltar ao trabalho na semana que vem, quando termina o recesso. Entre os itens em discussão, está na agenda o novo Código de Processo Penal, que pode mexer na delação premiada, na condução coercitiva e na prisão preventiva.

Por enquanto a Câmara é dos turistas. Mas agosto promete. Os deputados precisam votar o parecer do deputado Paulo Abi-Ackel, do PSDB, contrário ao prosseguimento da denúncia contra o presidente Michel Temer por crime de corrupção passiva. E, nesse clima, vão começar a discutir mudanças no Código de Processo Penal. Alterações que podem ter impacto direto na Operação Lava Jato.

Duas delas estão no relatório preliminar do deputado Paulo Teixeira, do PT. Ele muda a prisão preventiva. Hoje não existe um prazo para a duração dela. O deputado quer estabelecer um prazo máximo de 180 dias.

A outra mudança é na prisão após segunda instância. O deputado quer mudar esse entendimento do Supremo Tribunal Federal, que permitiu a prisão depois da condenação já em segunda instância. Pela proposta, a prisão será apenas após o trânsito em julgado, depois que todos os recursos forem julgados.

Outras duas mudanças são defendidas pelo presidente da comissão especial que elabora o novo código, Danilo Forte, do PSB. Ele quer mudar as regras da delação premiada; reduzir o poder do Ministério Público para negociar as delações.

Hoje, juízes só homologam os acordos. Danilo Forte defende que os juízes acompanhem todo o processo. O Ministério Público é contra essa mudança e argumenta que esse debate foi superado durante a tramitação da lei atual.

A outra mudança é na condução coercitiva. Hoje ela é aplicada para que o interrogado preste depoimento sem dar chance a que ele avise outros envolvidos e destrua provas. O deputado diz que ela que não pode ser usada para coagir testemunhas. E que só deve ser usada se a pessoa não comparecer a um depoimento marcado. Essas duas propostas não têm paternidade. Até agora nenhum deputado apresentou uma emenda com as sugestões, mas o presidente da comissão diz que são necessárias.

“Por que são dois instrumentos que têm várias interpretações, e o direito não pode ter várias interpretações. O direito tem que ser retilíneo nas suas interpretações para não julgar seletivamente uma pessoa de um jeito, outro de outra”, diz o deputado Danilo Forte, (PSB-CE).

Deputados concordam que o código, que é de 1941, precisa ser atualizado, mas dizem que as mudanças não podem ser feitas para prejudicar operações como a Lava Jato.

“Qualquer lei que altere o processo penal vale a partir do momento em que for aprovada, isso quer dizer que afeta todas as investigações em curso, o que sem dúvida alguma seria ruim pro momento que a gente vive no país”, diz o deputado Rubens Pereira Junior
(PCdoB-MA).

Momento que a Itália também viveu ao enfrentar a corrupção. O delator premiado no Brasil equivale ao colaborador de Justiça na Itália, figura criada durante o processo Mãos Limpas, nos anos de 1990, que inspirou a Lava Jato no Brasil.

Os colaboradores de Justiça fecham um acordo direto com os procuradores com a supervisão do procurador-geral da República. Quando a ação penal é aberta, o juiz pode avaliar a qualidade do acordo de delação; pode manter ou até mesmo decidir que o colaborador não terá qualquer benefício.

A condução coercitiva na Itália é usada quando uma pessoa não aparece para depor. Já a prisão preventiva tem um limite proporcional à pena máxima prevista para o crime em questão. Se um crime prevê de 20 anos à prisão perpetua, que na Itália significa 30 anos, a prisão preventiva pode chegar a um ano.

A pena só começa a ser cumprida na Itália depois da condenação na terceira instância, o Tribunal da Cassação, com sede em um palácio, em Roma. Mas a terceira instância pode mandar o processo de volta para a segunda, adiando ainda mais a prisão.

Nos Estados Unidos a pessoa vai presa já depois da decisão do juiz de primeira instância. Se a pena for revertida na apelação, a segunda instância, o cidadão é solto. Se a pessoa se sentiu injustiçada, pode pedir uma indenização ao estado.

Existe a prisão preventiva para praticamente todos os crimes. O juiz determina se o suspeito vai esperar o julgamento em liberdade e quanto precisa pagar de fiança. Em relação à condução coercitiva, o normal é o juiz só pedir se o acusado se negar a depor.

Também acontece de o mandado de condução ser emitido se o juiz achar que é necessário. Na Justiça Federal americana, a promotoria faz um acordo de delação e depois apresenta ao juiz. Ele decide se aceita ou não os termos e faz alguma modificação se quiser. No final, é o juiz quem decide.

No Brasil, a discussão na Câmara recomeça em agosto. Cinco deputados apresentaram sugestões que vão ser agrupadas em um único relatório, que é o que vai ser votado. Tudo começou em 2010, quando o Senado aprovou um projeto apresentado por juristas. Ele ficou parado na Câmara e só foi ressuscitado em 2016, pelo então presidente Eduardo Cunha, quando a Lava Jato já estava nas ruas.

Essa é a preocupação de procuradores, de juristas: que os deputados aprovem um novo Código de Processo Penal que vise enfraquecer as atuais investigações ou até impedir novas.

“Melhor seria que os legisladores pensassem em medidas para aprimorar o sistema de combate à corrupção, melhorando a colaboração premiada, melhorando o sistema de punição desses crimes, e não essas medidas que mais enfraquecem as investigações do que as fortalecem”, diz o procurador Júlio Noronha.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) critica, diz que é contrária a qualquer mudança que represente um retrocesso do combate à corrupção, que impeça que pessoas que não estavam acostumadas a serem alcançadas pela lei voltem a ser beneficiadas.

“Essas propostas que debatemos há pouco, muitas delas não têm a intenção de fazer com que a legislação melhore e se aperfeiçoe, ao contrário, ela tem a intenção de aliviar a situação penal e de tornar um país que já tradicionalmente tem a característica da impunidade, ainda mais impune, e isso é o que nós vamos combater”, diz o presidente da AMB, Jaime Martins de Oliveira Neto.