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Baixo índice de áreas verdes da Zona Norte do Rio contraria recomendação da OMS

Das 15 áreas com a pior classificação no ranking, dez ficam na região, segundo dados do Instituto Pereira Passos

Muito concreto e pouca vegetação: área de lazer não é região de preservação ambiental
Foto: Agência O Globo / Guilherme Pinto
Muito concreto e pouca vegetação: área de lazer não é região de preservação ambiental Foto: Agência O Globo / Guilherme Pinto

RIO — Basta uma simples olhada ao redor para perceber que a preservação das áreas verdes, um desafio das grandes cidades, é um problema ainda maior na Zona Norte. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que uma população saudável precisa de três árvores por cidadão, o que representa uma média de 36 metros quadrados de área verde pública de lazer por pessoa. Como atingir a meta ideal não é simples, a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o mínimo necessário para viver com segurança seja um terço disso. Mesmo assim, de acordo com dados do Instituto Pereira Passos (IPP), órgão da prefeitura responsável pelo planejamento urbano, boa parte da região ainda está distante deste patamar.

A classificação dos dados, relativos a 2016, leva em consideração as regiões administrativas da cidade. Neste contexto, das 15 áreas com a pior classificação no ranking, dez ficam na Zona Norte, dentro da Área de Planejamento 3, e todas estão fora do índice estabelecido pela agência. A situação mais dramática é encontrada no Jacarezinho, bairro majoritariamente formado por uma comunidade situada em terreno plano, onde a vegetação corresponde a míseros 0,04 m². Em relação a bairros com infraestrutura, Ramos, com apenas 2,68m², aparece na terceira posição geral. Os dados são de 2013, anteriores à realização dos Jogos Olímpicos, e os moradores defendem que o índice piorou desde então, devido às obras relativas ao legado da competição, como o BRT Transcarioca. O geógrafo Hugo Costa lembra que o bairro perdeu várias árvores, removidas para a implantação do corredor expresso e nunca replantadas.

— A Avenida dos Campeões, às margens do Rio Ramos, era repleta de vegetação. A ideia era realocar após a implantação do serviço, mas isto não aconteceu. O BRT Transcarioca previa a derrubada de 319 árvores no bairro, mesmo a Fundação Parques e Jardins tendo citado em seu relatório ambiental que o número já existente era insuficiente para a região. Apenas umas 20 árvores foram replantadas, muitas não sobreviveram. A Rua Emílio Zaluar tinha grandes amendoeiras. Hoje há apenas concreto para suportar o calor do verão — afirma.

O problema tem reflexo imediato na qualidade de vida dos moradores. Segundo dados coletados pela ONG Rio Como Vamos com base em informações prestadas pelo SUS, Ramos e Penha são os bairros com o maior índice de ocorrência de infecções respiratórias agudas em crianças de até 4 anos.

Inaugurado em 2012, o Parque Madureira, criado para ser a terceira maior área de lazer da cidade, com 450 mil metros quadrados, é municipal, não é área de proteção ambiental e também recebe críticas do geógrafo.

— Há muito concreto e pouco verde. Havia mais vegetação por lá antes da criação do parque do que depois dele, porque era classificado como área agrícola até 2010 — afirma.

Em Inhaúma, devido à proximidade com a Serra da Misericórdia, o índice sobe para 7,3m². Famosa pela cena captada pelo helicóptero da Rede Globo em 2011, que registrou a fuga dos criminosos que deixavam o Complexo do Alemão em direção à Vila Cruzeiro, na ocasião da instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) local, a serra é um resquício da Mata Atlântica. Há décadas, a área é alvo da atuação de ativistas de preservação do meio ambiente, que cobram a criação de uma área de preservação ambiental. Em 2000, o local foi reconhecido pelo município como uma das três Aparus (Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana) da cidade, um estatuto que permite a coexistência da floresta com os moradores instalados pela região. Em 2006, o decreto 24.741 criou formalmente o Parque Municipal da Serra da Misericórdia, jamais implementado. Quatro anos depois, um novo decreto determinou que a área fosse transformada em Parque Urbano da Serra da Misericórdia, um estatuto que não oferece proteção ambiental.

Árvores removidas para as obras do BRT não foram replantadas na via de Ramos Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo
Árvores removidas para as obras do BRT não foram replantadas na via de Ramos Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo

Mestre em Ciências Sociais pela Rural, o geógrafo Eric Vidal Ferreira da Guia é uma das vozes mais atuantes em defesa da preservação da Serra da Misericórdia no segmento acadêmico. Ele entende que a condição de Aparu é suficiente para proteger a área, desde que de fato sejam aplicados os recursos provisionados para o fim, e questiona o fato de os moradores do entorno nunca terem sido ouvidos sobre o assunto.

— O que ocorre é uma situação de injustiça ambiental. A população mais pobre, em sua maioria negra e moradora de comunidades, é ignorada e tem que conviver com esse passivo. É como se não tivesse direito a meio ambiente e qualidade de vida. A serra poderia ser um vetor de desenvolvimento para todas essas comunidades e é importantíssima para a cidade, por recuperar a Mata Atlântica, ser um refúgio para a biodiversidade local, por ser uma área permeável equivalente a 400 campos de futebol, o que evita que os bairros vizinhos alaguem quando chove, pela qualidade do ar, por sequestrar o carbono e regular temperatura e umidade. Mas o que fizeram? Transformaram tudo isso em um parque urbano, que não tem status algum para a proteção ambiental. É como se fosse uma praça — critica o pesquisador.

Há 20 anos, a ONG Verdejar Socioambiental atua no maciço, o quarto maior da cidade, e luta pela implementação formal do parque. Com um grupo de voluntários, a instituição promove trabalho de educação ambiental nas comunidades do entorno, atua na recuperação de áreas já desmatadas e promove a agroecologia urbana, estimulando o cultivo de alimentos que possam atender ao consumo da vizinhança carente. Com esforços e recursos próprios, a entidade implementa cercas naturais, para estabelecer os limites do parque e conter as ocupações que ampliam o desmatamento, como explica a gestora Marcelle Flippe:

— Dialogamos com muitos governos e cansamos de esperar. Alguma coisa precisava ser feita para preservar a área. O Verdejar esteve à frente de um grande coletivo de ONGs em busca da implementação do parque, mas as idas e vindas e o desgaste fizeram com que o movimento perdesse força — explica.

Abandono na Penha e no Méier

Criado em 1964, o Parque Ary Barroso, na Penha, vive vazio. Mesmo com uma Unidade de Polícia Pacificadora e a Arena Carioca Dicró, o espaço de 50 mil metros quadrados não atrai público. Vazio, apresenta sinais de abandono e degradação que afugentam ainda mais o público. Morador do bairro há 40 anos, o professor Luiz Carlos Fonseca explica que há tempos o local está vazio.

— Antigamente, havia piqueniques e encontros familiares, mas a violência fez com que a população mudasse de costume. O parque está largado, faltam cuidado e uma boa iluminação. Isto aumenta a sensação de desconforto e insegurança. Não são raros os relatos de crimes, como assaltos, que acontecem aqui dentro — afirma.

A situação é diferente no Jardim do Méier. Sempre muito movimentada, a praça convive com outro tipo de queixa: o número de moradores de rua que dormem em seu interior e no entorno, como embaixo do Viaduto Castro Alves, ligação entre os dois lados do bairro.

— População de rua é algo que afasta as pessoas, porque cria-se uma sensação de insegurança. Dentro, poderia haver mais cuidado com a limpeza. Principalmente do lago — explica o advogado Ronaldo Teixeira.

A Secretaria municipal de Conservação e Meio Ambiente (Seconserma) informou que a arborização deficiente da Região de Planejamento 3 está relacionada ao planejamento urbano inadequado dos bairros. As calçadas são estreitas e há alta rejeição dos moradores, que utilizam os passeios como estacionamento. De acordo com o órgão, a vizinhança queixa-se também das folhas das árvores e da “sujeira”, além da escuridão noturna, que levaria a uma atmosfera de insegurança e permitiria o esconderijo de bandidos. O órgão informou ainda que, mesmo assim, nos últimos dez anos, a Fundação Parques de Jardins plantou mais de 70 mil árvores em toda a região.

Com relação às árvores removidas para a implantação do BRT, a Seconserma informa que todo o plantio já foi feito, e volta a responsabilizar a rejeição da população pela dificuldade de expandir a arborização.

Sobre a Serra da Misericódia, a secretaria informou que as mudanças de denominação do parque não tinham por objetivo alterar seu status protetivo, e reforçou que a Aparu continua em vigor. Destacou ainda que realiza mutirões de reflorestamento e trabalha pela implementação do IPTU Verde, para incentivar a manutenção de áreas verdes nos terrenos residenciais.

Por meio de nota, a Guarda Municipal informou que realiza o patrulhamento no Jardim do Méier com dois agentes que trabalham em turnos, cobrindo o local 24 horas. O serviço foi reforçado este ano e, portanto, não há previsão de ampliação do efetivo local. O órgão informou ainda que, no Parque Ary Barroso, o serviço é executado pela UPP local.

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