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Governo do Rio refaz contas para assinar acordo financeiro com a União

Ministério da Fazenda exige que estado apresente medidas de geração de receitas e economias para chegar a R$ 62 bilhões em três anos

Rumo à recuperação fiscal. O governador Luiz Fernando Pezão e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles: negociação prolongada
Foto: Ailton Freitas /
Agência O Globo
Rumo à recuperação fiscal. O governador Luiz Fernando Pezão e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles: negociação prolongada Foto: Ailton Freitas / Agência O Globo

RIO - Um dos últimos impasses para a assinatura do acordo de ajuda financeira da União para o estado, que já atravessou vários obstáculos, está no campo da matemática. O Ministério da Fazenda exige que o Rio apresente, na ponta do lápis, medidas de geração de receitas e de contenção de despesas que somem R$ 62 bilhões ao longo dos 36 meses de vigência do Regime de Recuperação Fiscal.

Só que, até terça-feira, quando o Rio apresentou mais uma conta para ser analisada pela Secretaria do Tesouro Nacional, o órgão federal ainda questionava de onde sairiam R$ 4 bilhões, entre despesas e receitas extraordinárias apresentadas, para fechar a conta. Agora, o governo estadual espera o aval para o novo cálculo apresentado e, de uma vez por todas, cumprir todas as exigências necessárias ao acordo.

— O estado apresentou toda a literatura técnica ontem. O que existe faz parte de um processo, é normal. Não há qualquer impedimento por parte do estado para a assinatura do acordo. Tudo o que o estado tinha que fazer já foi feito — afirmou nesta quarta-feira o secretário de Fazenda do Rio, Gustavo Barbosa, ao GLOBO, sem comentar a diferença de R$ 4 bilhões que caiu em exigência junto a técnicos da União.

SUSPENSÃO DA DÍVIDA ESTÁ NO CÁLCULO

Segundo um levantamento do gabinete do deputado Pedro Paulo de Carvalho Teixeira (PMDB), relator da lei complementar federal de socorro aos estados e um dos interlocutores fluminenses em Brasília, só a suspensão do pagamento da dívida representa R$ 15,4 bilhões desse montante. Já a Secretaria estadual de Fazenda informou que o valor chegará a R$ 23 bilhões em três anos. Está nessa mesma conta o empréstimo de R$ 3,5 bilhões que o governador Luiz Fernando Pezão espera contrair para quitar os salários atrasados do funcionalismo.

— É muito importante o Pezão usar esses calendários e tornar público os passos que faltam, porque as pessoas estão pensando de trás para frente. Pensam em quando vão ter o 13º pago e o salário regularizado — comentou Pedro Paulo.

A previsão divulgada pelos governistas é que, no início de setembro, seria possível colocar salários em dia. Enquanto isso, servidores, que nos últimos dias vêm formado filas para levar cestas básicas para casa, seguem descrentes de uma solução.

O impasse com essa conta se arrasta desde o início de julho. No dia 11, O GLOBO já havia mostrado que o cálculo, na opinião da Secretaria do Tesouro Nacional, não fechava, e que esse era um entrave para a conclusão das negociações. Outro problema, que era a adoção de um teto de gastos para as despesas obrigatórias do Fundo do Tribunal de Justiça do Rio, já foi superado.

Mas o acordo só poderá sair, de fato, do papel após a edição de um decreto do presidente Michel Temer, estabelecendo prazos e normas que vão regulamentar o socorro aos estados e a suspensão temporária dos efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas até a publicação desse decreto está atrasado.

Desde a última sexta-feira, as negociações em Brasília se arrastam. Um dos entraves é a falta de recursos: segundo uma fonte que participou das negociações, o Ministério do Planejamento se recusava a criar três cargos em comissão (com remuneração de R$ 15 mil mensais) para acomodar os conselheiros que vão fiscalizar o cumprimento do acordo (dois da União e um do estado). Esses salários serão pagos pelo governo federal.

Depois de finalmente resolvido mais esse ponto, ontem pela manhã, o presidente Michel Temer ligou para o governador Pezão para anunciar que publicaria hoje o decreto no Diário Oficial da União. Com a notícia, o clima de otimismo dominou uma reunião da alta cúpula do Palácio Guanabara. Pouco depois, à tarde, de acordo com outra fonte, Temer ligou de novo e disse que a publicação ficaria para amanhã, e que o tal decreto sequer havia chegado à Casa Civil. Novamente, um problema burocrático que atrasou, em mais um dia, a assinatura do acordo de recuperação financeira.

A quantidade de recuos do governo federal é tão grande que muitos membros do alto escalão do governo estão irritados. Um deles cobrou mais pulso do governador nas negociações em Brasília:

— Está todo mundo cobrando a assinatura do acordo. Mas o Pezão quer com delicadeza, só que a Secretaria do Tesouro não merece delicadeza.

ANÁLISE PODE LEVAR MAIS 20 DIAS

O secretário Gustavo Barbosa disse que, no dia seguinte à publicação do decreto do presidente, vai a Brasília entregar a solicitação de adesão do Rio ao plano. Depois disso, a Secretaria do Tesouro Nacional tem até 20 dias para fazer as análises previstas, mas o secretário espera “que esse tempo seja reduzido”.

Nesta quarta-feira, a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, disse em coletiva que o decreto já foi finalizado, mas que o governo federal vem fazendo “avaliações jurídicas” do texto.

— O decreto já foi finalizado há duas semanas, e agora o que a gente faz é cumprir o papel de fazer a discussão com os órgãos jurídicos da Presidência da República e da Casa Civil, em particular. Então, essa questão está bem encaminhada. Quando chegarmos a um bom termo sobre a redação do decreto, enviaremos formalmente para publicação — afirmou.

Especialistas criticam a demora para a assinatura do decreto, que gera as incertezas enfrentadas pelo funcionalismo público. Para o professor de Direito Administrativo da PUC Marcelo Peixinho, há falta de um consenso jurídico quanto às ações da Cedae, o que vem deixando o estado e, principalmente, os servidores públicos, na penúria:

— A questão agora passou a ser condicionada à privatização da Cedae: se o BNDES vai comprar diretamente a empresa ou se vai participar de um pool de bancos para adquiri-la. No entanto, esse impasse tem atrapalhado sensivelmente a publicação do decreto e atrasado a transferência dos recursos, causando prejuízos. Esses entraves jurídicos continuam a levar o estado à decadência. E penso que não há uma seriedade jurídica por parte do governo federal em ajudar o Rio.