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Niterói e São Gonçalo têm 17 áreas contaminadas, mostra cadastro do Inea

Principal tipo de poluente são os derivados de petróleo
Deságue. O canal de São Lourenço poluído: Baía de Guanabara, segundo engenheiro ambiental, é o destino final dos poluentes encontrados nas áreas contaminadas
Foto: Fabio Rosssi
Deságue. O canal de São Lourenço poluído: Baía de Guanabara, segundo engenheiro ambiental, é o destino final dos poluentes encontrados nas áreas contaminadas Foto: Fabio Rosssi

RIO - Tradicionalmente evidenciada pela fumaça no ar ou pelo cheiro de esgoto, a poluição pode estar mais oculta do que parece em Niterói e São Gonçalo. O Cadastro de Áreas Contaminadas do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), concluído no fim do ano passado, aponta que há pelo menos 17 áreas em que empresas contaminaram de alguma forma o solo ou o lençol freático das duas cidades. Em Niterói, a concentração desses poluentes está numa única rua: a Alameda São Boaventura, no Fonseca, porta de entrada e saída da cidade pela Ponte Rio-Niterói, onde há quatro das cinco áreas listadas no cadastro do órgão ambiental — todos são postos de gasolina. O vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária Ambiental do Rio de Janeiro (Abes Rio), Gandhi Giordanno, explica que esses vazamentos de contaminantes contribuem para poluir a Baía de Guanabara:

— O que acontece é que eles descem do ponto mais alto para o ponto mais baixo. No caso de Niterói e São Gonçalo, o ponto mais baixo será sempre a Baía.

O problema é medido pelo Inea desde 2013, quando o órgão passou a divulgar anualmente relatório indicando quais áreas estão comprovadamente contaminadas e com que produtos. No caso dos postos, o contaminante mais comum são derivados de petróleo, que vazam devido a tanques enterrados corroídos pela ação do tempo. Uma vez constatada a contaminação de um posto, o estabelecimento tem, por lei, até seis anos para solucionar o problema.

— O principal risco para a saúde humana é a ingestão da água subterrânea, mas isso é improvável no caso de Niterói porque quase ninguém usa poço — afirma Giordanno.

Ele ressalta ainda que, no passado, quando era comum postos de gasolina serem instalados perto de prédios residenciais, havia o risco de vazamento de combustível se infiltrar em garagens subterrâneas. Já houve, segundo Giordanno, casos de explosão.

Ricardo Lisbôa Vianna, presidente do Sindestado, sindicato que representa os postos de gasolina no Estado do Rio, afirma que este problema é resultado da falta de legislação ambiental específica sobre o tema no século passado:

— Embora não tenhamos como quantificar os casos, a contaminação de áreas em postos de combustíveis é um problema real em nosso estado, situação herdada quase que integralmente do século XX, quando não havia as exigências de proteção ambiental hoje existentes. Até então, os postos não precisavam, por exemplo, ter impermeabilização de pisos e tratamento de efluentes nem dispor de tanques ecológicos.

Baía polui estaleiro, diz engenheiro

De acordo com ele, desde a resolução do Conama, de 2000, os postos começaram a substituir tanques antigos. Vianna afirma também que o sindicato presta consultoria aos donos de postos a respeito das novas exigências ambientais.

— Os terrenos que eventualmente foram contaminados no passado vêm sendo remediados em processos cuja duração depende da extensão do dano, sendo essa correção exigida para que o empresário obtenha a necessária licença ambiental, caso queira prosseguir como revendedor de combustíveis — diz.

Nem todos os problemas, porém, são em postos de gasolina. Das 17 áreas identificadas pelo Inea, cinco delas são indústrias. Em Niterói, a única é o Estaleiro Brasa, na Ilha da Conceição, que opera na região desde 2012. O engenheiro ambiental da empresa, Leonardo Desidério, explica que encontraram a área já contaminada quando se instalaram ali. Mais do que isso, ele aponta que a própria Baía contribui para a poluição do local. Foram encontrados no solo cádmio, chumbo, cobre, zinco e derivados de petróleo.

— Nós alugamos a área já com esse passivo. Quando nos instalamos, um relatório de consultoria independente identificou que os materiais contaminantes não tinham relação direta com a nossa atividade — afirma ele. — Só começamos a operar a pleno vapor aqui em 2013, um ano depois de identificados os contaminantes.

Em junho de 2013, a pedido do Inea, o estaleiro elaborou um relatório de avaliação de risco à saúde humana. O documento, feito também por uma consultoria independente, afirma que é muito baixo o risco para os trabalhadores, uma vez que “são obrigados por força de legislação trabalhista e de segurança do trabalho a utilizar EPIs (Equipamento de Proteção Individual)”. O mesmo documento, porém, indica que “observa-se uma forte contaminação do solo que no futuro poderia constituir risco a outras atividades que venham a ser instaladas. Além disto, existem indicações de que estes contaminantes podem estar sendo lixiviados para a Baía de Guanabara, principalmente considerando-se a salinidade das águas subterrâneas.”

O vice-presidente da Abes Rio aponta que a contaminação de seres humanos por estes produtos pode ocorrer tanto pelo contato físico com os produtos quanto por inalação de vapores oriundos deles.

— De forma geral, os trabalhadores estão protegidos do contato físico. O problema são os vapores. Eles sempre causam danos ao sangue da pessoa, se inalados. Uma das doenças é leucopenia (redução no número de glóbulos brancos no sangue). O problema é que o entorno do estaleiro tende a estar contaminado — explica.

Para Desidério, porém, é o estaleiro que se contamina pelas águas da Baía de Guanabara; não o contrário. Ele utiliza como evidência o fato de o número de contaminantes no solo ter caído consideravelmente de 2012 para 2013, sem qualquer ação por parte do Estaleiro Brasa. Neste último ano, somente o chumbo foi encontrado.

— Ou foi a atividade anterior (desenvolvida) no espaço, que foi a construção de uma plataforma, ou é influência da própria Baía. São contaminantes que estão presentes nas águas e que seriam trazidos pela ação da maré — afirma ele. — O lençol freático não tem um nível só. Há ocasiões em que encontramos água a um metro do solo. Então a maré pode contaminá-lo.

Especialista, Giordanno avalia que dados os níveis de sódio nos poços de monitoramento do Estaleiro Brasa, há sim esta possibilidade, pois o alto nível de sal identificado aponta que há troca entre o lençol freático e a água do mar. Ele diz que os químicos encontrados na água são oriundos de atividade industrial, ou seja, não são nativos da Baía.

Diante do cenário, o Estaleiro Brasa enfatiza que tem cumprido todas as determinações do Inea e que tem Licença de Operação e Recuperação válida até 2019. Como parte dessa licença, deve entregar até o fim de outubro um relatório detalhado dos contaminantes no seu terreno. Após isso, deverá ser feito um segundo estudo para avaliar riscos à saúde humana. Desidério porém, acredita que quantidade de poluentes no estaleiro continuará dependendo da maré.

Indústria de plástico ignora Inea

Em São Gonçalo, além dos postos de gasolina e da indústria, há contaminação em garagens de empresas de ônibus. São os casos das viações Estrela e Galo Branco, operadas pelo mesmo grupo. Em ambas, houve contaminação da água subterrânea por derivados do petróleo. Christiane Chafim, coordenadora da área de Meio Ambiente da Fetranspor, que presta consultoria técnica na área para as empresas, afirma que tudo foi feito para recuperar o terreno. Nos dois casos, houve tratamento da área, com remoção da terra contaminada.

— É muito comum termos contaminação com este tipo de produto. Principalmente em garagens de ônibus, já que algumas operam há mais de 50 anos, antes de haver legislação sobre o tema — afirma ela. — As áreas já estão remediadas. Agora é aguardar e fazer o monitoramento. O que podia ser feito já foi.

Nem sempre, porém, a determinação do Inea é cumprida. Também em São Gonçalo, a Indústria de Plástico Rangel, em Tribobó, às margens da Rodovia Amaral Peixoto, sequer enviou ao órgão relatório de quais seriam os contaminantes encontrados ali. Procurado, o Inea informou que já autuou a empresa duas vezes em 2015 pelo não atendimento às notificações de requerimento de estudos de investigação da qualidade do solo e da água subterrânea. “Não é possível afirmar quais substâncias químicas de interesse foram identificadas na área, tendo em vista que não foram apresentados os estudos requeridos”, disse o Inea em nota. O GLOBO-Niterói não conseguiu contato com representantes da Rangel. Questionado, o Inea não respondeu se já aplicou algum tipo de multa ou sanção à indústria.