WASHINGTON — Heather Heyer, morta nos incidentes racistas de Charlottesville, na Virgínia, na semana passada não foi a única vítima da intolerância branca em 2017. Segundo levantamento da revista "Slate", outras três pessoas foram assassinadas nos Estados Unidos neste ano, contrastando com o fato de, em 2016, não ter sido relatada morte alguma.
E há muito tempo os EUA não viam manifestações tão grandes e tão abertas de pessoas marchando com símbolos nazistas, da Klu Klux Klan (KKK) e de outros grupos racistas como na noite de sexta-feira, 11. Legitimados pelo discurso do presidente Donald Trump, extremistas voltaram ao debate político nacional.
Este é apenas um exemplo do que os especialistas acreditam ser uma nova forma de atuação de supremacistas brancos, nazistas e racistas nos EUA: estão saindo das sombras. Ao contrário de incidentes que vez ou outra ocorrem, alguns inclusive levando à morte, estes não tem sido atos isolados. Manifestações programadas por todo o país indicam que pode ser uma tendência. Os grupos de ódios tendem a ficar mais barulhentos e ousados.
A forma como os grupos racistas têm protestado — pedindo o "seu país" de volta e afirmando que querem ter direito a cultura, herança e história dos brancos — reforça a tese de que estão incentivados a atuar mais abertamente e que veem uma chance única de luta. Em pouco tempo os brancos serão minorias nos EUA e eles veem "um aliado" na Casa Branca.
— Se olharmos historicamente, há menos grupos racistas agora que no passado, apesar do recente crescimento. Nos anos 1920, havia quatro milhões de pessoas na KKK, em uma população de 120 milhões. Por outro lado, temo um presidente muito mais condescendente com estes grupos que outros, incluindo os que, segundo consta a História, tinham ideias racistas, como Woodrow Wilson e Richard Nixon — afirmou Leo Ribuffo, historiador da Georgetown University.
Em sua opinião, a imprensa começou a noticiar este novo movimento devido ao episódio de Charlottesville, mas o crescimento do ódio e de sua exibição pública já vinha ocorrendo, principalmente em pequenas cidades do interior. Parte desta reação, inclusive, pode ser ao forte movimento para repressão dos símbolos confederados, que ganhou força no governo de Barack Obama.
Mas a tendência, contudo, pode ser neutralizada com o novo incremento de movimentos de direitos humanos e de grupos antirracistas. Isso pode ser percebido no isolamento de Trump esta semana, abandonado por colegas de partido e por empresários.
— Ao mesmo tempo em que mostra que estes grupos voltaram ao debate, a forte reação a eles indica que há uma união da sociedade para mantê-los à margem — afirmou o professor.
Sentindo-se incentivados pelo governo Trump — que cortou fundos para evitar a discriminação e por defender estátuas de confederados, além de colocar ativistas de direitos humanos no mesmo nível que supremacistas —, estes grupos tendem a se expor mais, escancarando o problema racial que continua sem solução no país.
— Temos recebido mais relatos de discriminação, está aumentando. Fazendo uma análise pela psicologia política, pode ser o sinal de que estes grupos estão aproveitando uma oportunidade, que é ter um presidente que não condena de forma dura o racismo, junto com o crescimento do ódio no país, para se manifestarem — afirmou ao GLOBO Margaret Hicken, estudiosa de desigualdades raciais e professora do Centro de Estudos Populacionais da Universidade de Michigan.
O Southern Poverty Law Center, organização que contabiliza grupos e atos de ódios e que mostra seu crescimento em anos recentes, preparou um manual para enfrentar o racismo. Na apostila, dez atos contra os supremacistas brancos: agir, unir forças, apoiar as vítimas, falar mais, instruir-se, criar alternativas, pressionar governantes, ensinar sobre diferenças e aceitação, buscar preconceitos enraizados em si mesmo.
"Desde 2010, as agências da lei relataram média de 6 mil incidentes de crimes de ódio por ano. Mas os estudos do governo mostram que o número real é muito maior — cerca de 260 mil por ano. Muitos nunca são relatados, em grande parte porque as vítimas relutam em ir à polícia. A boa notícia é que as pessoas estão lutando contra o ódio", afirma a entidade.
O fato de o governo ter cortado fundos para grupos que combatem o racismo e a discriminação é outro incentivo para que os supremacistas brancos percam a vergonha de se pronunciarem. "Desde que assumiu o cargo, Trump enfraqueceu severamente as instituições e proteções de direitos civis, e indiretamente e abertamente encorajou o racismo e a xenofobia", afirmou em nota a Human Rights Watch.
Robert Watson, professor de História e cientista político da Lynn University, na Flórida, afirma que a tendência é que ambos os lados - supremacistas brancos e ativistas de direitos humanos - sejam mais ativos e fortes, ampliando o risco de novos conflitos. E, assim, vai haver mais holofotes para estes grupos, mas eles serão mais marginalizados:
— Vemos um grupo fazendo a defesa de ideias inaceitáveis, e com o apoio do presidente. Isso vai ampliar a tensão — disse.