Mundo

Grupos de ódio saem das sombras nos Estados Unidos

Morte em Charlottesville indica tendência de maior exposição de supremacistas
Cantando "Vidas brancas importam" e "Vocês não vai nos substituir", nacionalistas e supremacistas brancos carregando tochas marcharam em uma passeata no campus da Universidade de Virgínia Foto: THE WASHINGTON POST / Evelyn Hockstein/The Washington Post/11-8-2017
Cantando "Vidas brancas importam" e "Vocês não vai nos substituir", nacionalistas e supremacistas brancos carregando tochas marcharam em uma passeata no campus da Universidade de Virgínia Foto: THE WASHINGTON POST / Evelyn Hockstein/The Washington Post/11-8-2017

WASHINGTON — Heather Heyer, morta nos incidentes racistas de Charlottesville, na Virgínia, na semana passada não foi a única vítima da intolerância branca em 2017. Segundo levantamento da revista "Slate", outras três pessoas foram assassinadas nos Estados Unidos neste ano, contrastando com o fato de, em 2016, não ter sido relatada morte alguma.

E há muito tempo os EUA não viam manifestações tão grandes e tão abertas de pessoas marchando com símbolos nazistas, da Klu Klux Klan (KKK) e de outros grupos racistas como na noite de sexta-feira, 11. Legitimados pelo discurso do presidente Donald Trump, extremistas voltaram ao debate político nacional.

Este é apenas um exemplo do que os especialistas acreditam ser uma nova forma de atuação de supremacistas brancos, nazistas e racistas nos EUA: estão saindo das sombras. Ao contrário de incidentes que vez ou outra ocorrem, alguns inclusive levando à morte, estes não tem sido atos isolados. Manifestações programadas por todo o país indicam que pode ser uma tendência. Os grupos de ódios tendem a ficar mais barulhentos e ousados.

A forma como os grupos racistas têm protestado — pedindo o "seu país" de volta e afirmando que querem ter direito a cultura, herança e história dos brancos — reforça a tese de que estão incentivados a atuar mais abertamente e que veem uma chance única de luta. Em pouco tempo os brancos serão minorias nos EUA e eles veem "um aliado" na Casa Branca.

— Se olharmos historicamente, há menos grupos racistas agora que no passado, apesar do recente crescimento. Nos anos 1920, havia quatro milhões de pessoas na KKK, em uma população de 120 milhões. Por outro lado, temo um presidente muito mais condescendente com estes grupos que outros, incluindo os que, segundo consta a História, tinham ideias racistas, como Woodrow Wilson e Richard Nixon — afirmou Leo Ribuffo, historiador da Georgetown University.

Uma multidão marcha contra protesto organizado pela extrema-direita Foto: STEPHANIE KEITH / REUTERS
Uma multidão marcha contra protesto organizado pela extrema-direita Foto: STEPHANIE KEITH / REUTERS

Em sua opinião, a imprensa começou a noticiar este novo movimento devido ao episódio de Charlottesville, mas o crescimento do ódio e de sua exibição pública já vinha ocorrendo, principalmente em pequenas cidades do interior. Parte desta reação, inclusive, pode ser ao forte movimento para repressão dos símbolos confederados, que ganhou força no governo de Barack Obama.

Mas a tendência, contudo, pode ser neutralizada com o novo incremento de movimentos de direitos humanos e de grupos antirracistas. Isso pode ser percebido no isolamento de Trump esta semana, abandonado por colegas de partido e por empresários.

— Ao mesmo tempo em que mostra que estes grupos voltaram ao debate, a forte reação a eles indica que há uma união da sociedade para mantê-los à margem — afirmou o professor.

Muitas pessoas protestam em Boston contra o "Rali da Liberdade de Expressão", como o evento foi chamado por membros de organizações de extrema-direita. Há, ao mesmo tempo, milhares se manifestando contra a extrema-direita, e milhares em defesa de posições racistas e supremacistas. Na foto, uma mulher segura um cartaz em que se lê "Diga nao aos nazistas", sobre um desenho da suástica Foto: SPENCER PLATT / AFP
Muitas pessoas protestam em Boston contra o "Rali da Liberdade de Expressão", como o evento foi chamado por membros de organizações de extrema-direita. Há, ao mesmo tempo, milhares se manifestando contra a extrema-direita, e milhares em defesa de posições racistas e supremacistas. Na foto, uma mulher segura um cartaz em que se lê "Diga nao aos nazistas", sobre um desenho da suástica Foto: SPENCER PLATT / AFP

Sentindo-se incentivados pelo governo Trump — que cortou fundos para evitar a discriminação e por defender estátuas de confederados, além de colocar ativistas de direitos humanos no mesmo nível que supremacistas —, estes grupos tendem a se expor mais, escancarando o problema racial que continua sem solução no país.

— Temos recebido mais relatos de discriminação, está aumentando. Fazendo uma análise pela psicologia política, pode ser o sinal de que estes grupos estão aproveitando uma oportunidade, que é ter um presidente que não condena de forma dura o racismo, junto com o crescimento do ódio no país, para se manifestarem — afirmou ao GLOBO Margaret Hicken, estudiosa de desigualdades raciais e professora do Centro de Estudos Populacionais da Universidade de Michigan.

O Southern Poverty Law Center, organização que contabiliza grupos e atos de ódios e que mostra seu crescimento em anos recentes, preparou um manual para enfrentar o racismo. Na apostila, dez atos contra os supremacistas brancos: agir, unir forças, apoiar as vítimas, falar mais, instruir-se, criar alternativas, pressionar governantes, ensinar sobre diferenças e aceitação, buscar preconceitos enraizados em si mesmo.

"Desde 2010, as agências da lei relataram média de 6 mil incidentes de crimes de ódio por ano. Mas os estudos do governo mostram que o número real é muito maior — cerca de 260 mil por ano. Muitos nunca são relatados, em grande parte porque as vítimas relutam em ir à polícia. A boa notícia é que as pessoas estão lutando contra o ódio", afirma a entidade.

Mulher negra participa de contra-protesto em Boston Foto: Scott Eisen / AFP
Mulher negra participa de contra-protesto em Boston Foto: Scott Eisen / AFP

O fato de o governo ter cortado fundos para grupos que combatem o racismo e a discriminação é outro incentivo para que os supremacistas brancos percam a vergonha de se pronunciarem. "Desde que assumiu o cargo, Trump enfraqueceu severamente as instituições e proteções de direitos civis, e indiretamente e abertamente encorajou o racismo e a xenofobia", afirmou em nota a Human Rights Watch.

Robert Watson, professor de História e cientista político da Lynn University, na Flórida, afirma que a tendência é que ambos os lados - supremacistas brancos e ativistas de direitos humanos - sejam mais ativos e fortes, ampliando o risco de novos conflitos. E, assim, vai haver mais holofotes para estes grupos, mas eles serão mais marginalizados:

— Vemos um grupo fazendo a defesa de ideias inaceitáveis, e com o apoio do presidente. Isso vai ampliar a tensão — disse.

Crescimento do radicalismo nos EUA
Número de grupos de ódio cresceu 17% desde 2014 no país
1.000
917
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
A separação entre os grupos em 2016
Separatistas
negros
193
KKK
130
Antiislâmicos
101
Nacionalistas
brancos
100
Ódio em geral
100
Identidade Cristã
21
Neo-nazistas
99
Neo-confederados
43
Skinhead
78
Anti-LGBT
52
Fonte: Southern Poverty Law Center
Crescimento do
radicalismo nos EUA
Número de grupos de ódio
cresceu 17% desde 2014 no país
917
1.000
800
600
400
200
0
2000
02
04
06
08
10
12
14
2016
A separação entre
os grupos em 2016
Separatistas
negros
193
KKK
130
Antiislâmicos
101
Nacionalistas
brancos
100
Ódio
em geral
100
Neo-nazistas
99
Identidade
Cristã
21
Skinhead
78
Neo-
confederados
43
Anti-LGBT
52
Fonte: Southern Poverty Law Center
Alguns grupos com foco racial
também cresceram após 2016