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Entorno da Transcarioca tem falhas urbanísticas e gambiarras

Passarela para o abismo, praça sem drenagem e falta de mobiliário urbano estão entre os problemas em Ramos

Linha férrea com lixo ao lado da via BRT Transcarioca, onde usuários de drogas ocupam pista de skate; sistemas de transporte recebem tratamento diferente do governo
Foto: Bárbara Lopes/Agência O Globo
Linha férrea com lixo ao lado da via BRT Transcarioca, onde usuários de drogas ocupam pista de skate; sistemas de transporte recebem tratamento diferente do governo Foto: Bárbara Lopes/Agência O Globo

RIO — Entregue em 2014, a Transcarioca liga a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador, passando por 27 bairros. O traçado que saiu do papel foi uma ampliação das obras previstas no Dossiê de Candidatura do Rio para os Jogos Olímpicos, que continha a promessa de ligar o bairro da Zona Oeste apenas até a Penha. As intervenções feitas na cidade para a construção do corredor exclusivo de BRT entre a Penha e o Tom Jobim, a etapa 2 do projeto, não mereceram o devido cuidado dispensado à região que abriga o Parque Olímpico. E o bairro de Ramos, assim como os seus moradores, se ressentem disto.

Diferentemente do que ocorreu nas áreas cujo planejamento foi entregue e acolhido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) na escolha do Rio como sede do megaevento esportivo, salta aos olhos o projeto urbanístico para o entorno da Transcarioca no bairro. Faltam rampas de acesso nos quarteirões, mesmo naqueles reconstruídos, mobiliário urbano em locais usados como praça antes das obras e arborização. E lugares que não alagavam antes da construção da via, como o entorno da estação Santa Luzia, agora enchem a cada chuva.

A área verde também foi reduzida, reclamam os moradores. E em vez do replantio, foram colocados arbustos em caixas d’água pintadas para passarem por vasos. Mas o flagrante mais óbvio da falta do serviço realizado pela metade está nas passarelas no encontro dos viadutos São Cosme e São Damião. As escadas de acesso à Rua Vassalo Caruso foram demolidas e quem tenta cruzar a linha do trem por ali dá de cara com muros que anunciam o abismo, já que o corredor expresso não ocupou o espaço das escadas demolidas. Sem o aviso da travessia sem saída, as pessoas completam o percurso em meio aos carros para descerem.

Caixas d'água funcionam como vasos para poucos arbustos próximo à estação Santa Luzia, em Ramos Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo
Caixas d'água funcionam como vasos para poucos arbustos próximo à estação Santa Luzia, em Ramos Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

Lá do alto é possível ver o descaso com a manutenção do serviço de linha de trem, outro sistema de transporte de alta capacidade e o mais eficiente de acordo com urbanistas. Usuários de drogas que moram na quadra de skate vizinha aos trilhos usam a via ferroviária para o descarte de lixo.

— Em Ramos, a tal urbanização do entorno se reduziu a cimentar tudo. Temos agora vários espaços que servem de estacionamento informal porque a prefeitura não deu um uso a eles. São locais onde a não nos sentimos seguros, pois ficaram ermos e são usados como banheiro público. É horrível. Que urbanização é essa? — reclama o geógrafo Hugo Costa, morador de Ramos.

Ele dá como exemplo o terreno em frente ao número 506 na Rua Cardoso de Morais. Atualmente, o BRT atravessa o local, que perdeu brinquedos para crianças.

— Essa área virou um grande nada com ligação para a Praça Renatinho Partideiro, que é outro grande nada, pois não tem árvores ou mobiliário. Sequer foi colocado cimento nela toda. Não houve aqui o cuidado no acabamento do projeto como houve, por exemplo, na Barra. — queixa-se Costa. — Já temos poucas áreas de lazer, e a obra reduziu ainda mais a oferta desse tipo de espaço.

De acordo com o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), Jerônimo de Moraes, pode ter havido falha de planejamento e no debate com a sociedade.

— Temos que pensar que a cidade é feita para as pessoas. É importante que o local tenha uma disposição que permita que o comerciante venda, a criança brinque e o idoso ande. A cidade precisa de áreas de convivência, o que traz, inclusive, segurança. Um lugar descampado é um contrassenso, é uma “contracidade”, é uma área negligenciada — apregoa ele.

Por mexer na estrutura do bairro e na rotina de quem mora lá, Moraes argumenta que, para uma obra deste porte, é fundamental o debate com a sociedade. O que não houve, de acordo com os moradores, justificando, inclusive, requerimento de informações enviado à Secretaria municipal de Obras (SMO), nunca respondido, segundo eles.

— Prazo não é justificativa para atropelo. Planejar significa prever antes de fazer, reduzir custos, garantir qualidade. Por isso, no projeto urbanístico o debate é imprescindível. A questão é que, no Brasil, se reduziu o tempo de planejamento. Dá-se um sentido midiático a obras que são permanentes — argumenta Moraes.


Ponte sobre o Rio Ramos foi construída por moradores; alagamentos na região se tornaram frequentes
Foto: Bárbara Lopes/Agência O Globo
Ponte sobre o Rio Ramos foi construída por moradores; alagamentos na região se tornaram frequentes Foto: Bárbara Lopes/Agência O Globo

DRENAGEM MALFEITA

A Praça Mourão Filho, que abrigava muitas árvores e extensa quadra de futebol, foi reduzida drasticamente para abrigar a estação Santa Luzia. O que sobrou dela foi adaptado para manter a área de lazer. No entanto, por falta de sistema de dragagem, o campo que restou para a prática de futebol serve como piscina nos dias de chuva. Bola mesmo ali não rola mais devido à falta de manutenção do espaço.

— Priorizaram o BRT e fizeram essa covardia com a praça. A iluminação de noite é precária, e o tapete do piso nunca foi instalado direito. Deixaram largado, não tem como jogar bola aqui. A trave já caiu em cima de uma criança, não tem como ser usada. Antes o lugar era uma maravilha, com muita árvore. Cortaram tudo e ficou por isso mesmo — queixa-se o comerciante Chico do Trailer, que tem quiosque no local.

A decisão de transformar a praça em estação do BRT está de acordom com o relatório ambiental montado pela própria Secretaria municipal de Obras para a construção do corredor expresso. Em junho de 2011, o documento chamava a atenção para a falta de áreas verdes e de lazer. “A ausência de parques em todos os bairros (da Penha até o Tom Jobim) e a ausência de jardins em Ramos, Olaria e Penha — bairros densamente habitados — nos revelam que as praças são os espaços fornecidos pelo estado para a socialização. No entanto, ainda se mostram em quantidade insuficiente, considerando as necessidades locais”, diz trecho do relatório que, no entanto, não prevê a construção de novas praças.

Quadra na Praça Mourão Filho, supostamente de gramado sintético, não tem piso adequado Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo
Quadra na Praça Mourão Filho, supostamente de gramado sintético, não tem piso adequado Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

Próximo dali, na Avenida dos Campeões, a construção da via sobre o Rio Ramos faz com que o local alague quando chove mais forte. E, como não foi construída uma ponte para contemplar a passagem de uma margem a outra, os moradores seguem usando a que foi erguida por eles mesmos. O rio é quase que colado ao corredor do BRT.

A equipe de reportagem do caderno Zona Norte entrou em contato com a Secretaria de Obras que, por meio de nota, afirma que “a construção do corredor (BRT) manteve o padrão de requalificar as áreas por onde passou, possibilitando sua implantação”. Diz ainda que “todas as modificações e impactos trazidos pela Transcarioca no bairro foram exaustivamente debatidos com os moradores em várias consultas públicas, conforme exigência para obtenção da licença ambiental do Inea. A remoção vegetal foi devidamente licenciada e todas as medidas compensatórias exigidas foram cumpridas”.

A SMO diz ainda que “sobre as áreas remanescentes da instalação do BRT Transcarioca, foi demandado a órgãos da prefeitura do Rio para que nestas sejam instalados projetos de interesse da população local, tais como mobiliário urbano, praças, academias da terceira idade e até mesmo clínicas da família. Os projetos ainda estão em estudo e tão logo sejam aprovados serão divulgados”.

ÍNTEGRA DA RESPOSTA DA SECRETARIA

“A Secretaria Municipal de Obras informa que a Transcarioca foi o primeiro corredor de alta capacidade implantado no sentido transversal da cidade, atendendo desde 2014 importantes bairros cariocas das zonas norte e oeste, como Curicica, Taquara, Tanque, Praça Seca, Campinho, Madureira, Vaz Lobo, Vicente de Carvalho, Vila da Penha, Penha, Olaria e Ramos. O sistema tem capacidade para transportar até 320 mil passageiros por dia, sendo integrado com outros modais.

O bairro de Ramos é um dos beneficiados com esta opção de transporte público de alta capacidade. A construção do corredor manteve o padrão de requalificar as áreas por onde passou, possibilitando sua implantação. É importante dizer que todas as modificações e impactos trazidos pela Transcarioca no bairro foram exaustivamente debatidos com os moradores em várias consultas públicas, conforme exigência para obtenção da licença ambiental do Inea. A remoção vegetal foi devidamente licenciada e todas as medidas compensatórias exigidas foram cumpridas.

Sobre as áreas remanescentes da instalação do BRT Transcarioca, foi demandado a órgãos da Prefeitura do Rio para que nestas sejam instalados projetos de interesse da população local, tais como mobiliário urbano, praças, Academias da Terceira Idade e até mesmo Clínicas da Família. Os projetos ainda estão em estudo e tão logo sejam aprovados serão divulgados.

Sobre a Praça Mourão Filho, recebeu uma estação de BRT bem próxima e foi reformada, contando com um campo de futebol com grama sintética, novo alambrado e uma Academia de Terceira Idade. Ainda sobre a praça, a Subprefeitura da Zona Norte 1 informa que, na semana passada, suas equipes estiveram reunidas com os moradores para uma avaliação do espaço de lazer, onde funciona um campo de gramado sintético. Os moradores pediram que a grama fosse trocada por uma cobertura apenas com concreto, transformando a quadra num local para a prática de futsal. O pedido foi acatado e a Subprefeitura já está trabalhando na elaboração do projeto.

Sobre a drenagem, toda a rede de águas pluviais da região recebeu melhorias, a fim de possibilitar a implantação do BRT Transcarioca. A capacidade de escoamento do rio foi mantida e o projeto aprovado pela Fundação Rio-Águas. Sobre as travessias sobre o Rio Ramos, podem ser feitas na altura dos seguintes cruzamentos: com a Teixeira de Castro, com a Emílio Zaluar e com a Rua Sargento Pinto de Oliveira. A ponte citada já era existente e foi mantida.

Sobre o viaduto São Cosme e São Damião, a passagem de pedestre foi retirada por questões de segurança viária, já que não há travessia semaforizada na saída da antiga passarela, por isso não será reimplantada. Entretanto existe outra passarela próxima à Rua João Silva e à Rua Leonídia, permitindo a travessia segura dos pedestres, além da estação ferroviária de Ramos”.

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