Há dez anos, mais exatamente em junho de 2007, a usina de beneficiamento de caulim da mineradora Imerys Rio Capim Caulim, localizada no Distrito Industrial de Vila do Conde, no município de Barcarena, a 75 quilômetros de Belém (PA), foi interditada. É que a empresa fora responsabilizada pelo vazamento de quase 300 mil metros cúbicos de caulim misturados com água de uma das bacias de terra batida construídas para armazenar caulim considerado de pouco valor comercial. Em outras palavras: o vasilhame de lixo da empresa vazou para um rio cheio de peixes que eram consumidos pela população ribeirinha e servia também como fonte de renda a eles.O problema voltou a se repetir algumas vezes, atingindo outros rios além do Rio Pará, o mais impactado por conta do primeiro vazamento.

 

Não é a primeira, infelizmente talvez também não seja a última vez, que vou usar este blog para escrever sobre vazamentos industriais que poluem rios Brasil afora. O caso da Imerys, no entanto, fica mais fresco na minha memória porque, quando eu editava o caderno “Razão Social”, no jornal O Globo,dediquei uma reportagem de capa ao caso. O ano era 2009, mês de junho, quando chegou à redação a denúncia de que o igarapé Mucuri havia se tornado praticamente um lixão de rejeitos por causa das atividades da Imerys. Uma ONG norueguesa chamada “Ajuda da Igreja Norueguesa”, que atuou no Brasil até 2015 , chamou a atenção da mídia e fizemos a reportagem.

 

Você, caro leitor, deve estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com o título que escolhi para este texto. Ocorre que, justamente por ter me envolvido tão de perto com o assunto, tenho recebido sempre notícias de lá. Em 2016 foi criado o Movimento Barcarena Livre -- formado por lideranças que atuam em Barcarena, várias delas participantes das ações que o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), que desenvolve no local em parceria com professores da Universidade Federal do Pará e de outras organizações. O nome do movimento é uma alusão a uma das cidades mais afetadas pelas atividades da Imerys.

 

E ontem mesmo recebi mensagem de lá contando que hoje (26), desde as 9h, esse Movimento organizou em Belém, na frente do Museu de Artes Sacras, uma exposição de fotos e informações sobre os impactos da indústria de caulim da empresa Imerys no local. Segundo Maura Moraes, coordenadora técnica do Escritório Regional Belém do IEB, trata-se de uma contra-exposição.

 

“É uma resposta deste movimento a uma exposição fotográfica feita pela Imerys, empresa francesa que beneficia o caulim em Barcarena. O movimento questiona as imagens fotográficas mostradas na Expedição Imerys, contrapondo imagens fotográficas que mostram os impactos negativos da ação da empresa no município. Trata-se de uma ação de resistência e denuncia, se considerarmos a forma como a empresa, de maneira reincidente, tem se comportado, sem nenhuma responsabilidade com o seu processo produtivo, com o ambiente, e principalmente com as pessoas. A população de Barcarena não aguenta mais as violações de seus direitos”, disse ela.

 

É um ato de protesto porquea multinacional está atualmente organizando um evento chamado Expedição Imerys, que tem como objetivo apoiar o desenvolvimento da fotografia e promover a ampliação do conhecimento sobre a Casa Imerys, principal projeto social da mineradora no Pará. Para quem esteve tão de perto com as vítimas dos vazamentos quase frequentes de caulim em alguns rios do Estado, pareceu hipocrisia propagandear uma responsabilidade social que visa a, entre outras coisas, cumprir exigência para obter certificados internacionais de qualidade.

 

A Imerys aponta a Casa Imerys como uma opção aos jovens, idosos e crianças de Barcarena através de aulas de dança e  cursos de secretariado, entre outras atividades, que teriam atendido mais do que dez mil pessoas em cinco anos. No relatório anual da empresa a Expedição Imerys tem destaque como exemplo de ação em favor da comunidade e a Expedição Imerys 2017 será exposta em Belém, São Paulo, Paris e nos Estados Unidos.

 

“A qualidade das fotos é inquestionável e os fotógrafos merecem reconhecimento pelo seu trabalho. Imerys fez uma seleção de fotos que mostram crianças, idosos, homens e mulheres, felizes, sorridentes e alegres participando das atividades das Casas Imerys. Infelizmente, porém, a presença e operação das fábricas da Imerys não têm sido razão para felicidade e alegria, ao contrário, tem provocado doenças, tristeza, dor, revolta, miséria e destruição”, diz o texto que recebi.

 

Com a “contra exposição”, Barcarena Livre quer chamar atenção para os reais impactos na comunidade das fábricas da empresa em Barcarena, para que os acionistas, o governo de Barcarena, do Pará, do Brasil e da França, a população e a imprensa se mobilizem para exigir o imediato reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades.

 

“Considero que existe uma sociedade viva e pulsante, que insiste em denunciar estas mazelas, e acho que o IEB deu sua contribuição para isso”, conta-me Maura Moraes por e-mail.

 

Outro exemplo de pessoas que têm protestado diante de um poder corporativo que à vezes pode parecer ilimitado, mas não é, são os índios da etnia Munduruku. Cerca de 200 deles ocuparam recentemente o canteiro de obras da Usina Hidrelétricas de São Manoel, no rio Teles Pires, que fica na divisa entre Pará e Mato Grosso, por quatro dias. A mobilização começou há dois meses e foi pautada pelas mulheres em defesa dos seus lugares sagrados e dos direitos indígenas.

 

“Em Alta Floresta, os indígenas realizaram um ritual para poder entrar no Museu de História Natural da cidade onde as urnas foram levadas. Foram horas de cantos e rituais até que os indígenas começaram a entrar. Segundo os Munduruku, os espíritos estão irritados e tristes por terem sido tirados de seus locais sagrados como consequência da inundação da cachoeira de ‘Sete Quedas’ pelo reservatório da UHE Teles Pires, localizada a aproximadamente 40 km rio acima da barragem de São Manoel”, diz o texto que recebi.

 

Há anos os indígenas estão reivindicando a devolução de seus objetos sagrados, que foram retirados sem qualquer permissão pela Companhia Hidrelétrica de Teles Pires. Uma resolução da procuradoria da República em Mato Grosso decidiu, em 2015, que as urnas deveriam ser mantidas pela companhia até que as lideranças indígenas junto da Funai e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) decidam um local para serem guardadas. Em fevereiro deste ano foram levadas para o Museu História Natural de Alta Floresta, para onde os índios que ocupavam o canteiro de obras decidiram ir.

 

Querem guardar o que é deles. Querem respeito pelas suas tradições e pela sua cultura. Assim como o pessoal de Barcarena, que não quer avalizar uma falsa propaganda da multinacional, os indígenas ribeirinhos do Teles Pirese outros tantos povos, fogem do senso comum e demonstram ruidosamente seu protesto. É uma auto defesa necessária, e seria bom que as autoridades e empresas pudessem ouvi-los com respeito. Afinal, viver em democracia é assim.