RIO - O ministério Público do Rio vai investigar uma espécie de “censo religioso” da prefeitura, que está dando o que falar. A Guarda Municipal publicou, em seu boletim interno, no último dia 2, uma medida polêmica, convocando o efetivo a informar, por formulário, sua religião. Além de responder sobre a fé que professa, o servidor ainda deve fornecer seu nome e matrícula. Cerca de 7.500 agentes estão sendo chamados a responder o questionário.
A corporação alegou que tomou a iniciativa porque planeja construir uma capelania, um espaço ecumênico para prestar assistência religiosa, espiritual e social a guardas municipais. No questionário, os agentes são apresentados às seguintes opções religiosas: “católica”, “evangélica” e “espírita”. Há um espaço em que ele deve informar a unidade na qual está lotado.
De acordo com a Guarda Municipal, o censo tem como objetivo “aferir o perfil religioso” da instituição. Ao saber do caso, o deputado estadual Átila Nunes (PMDB) denunciou o caso ao MP e pediu a suspensão da pesquisa. Ele sugeriu a abertura de um procedimento administrativo e de um inquérito civil para apuração da suposta irregularidade.
A iniciativa da Guarda Municipal foi divulgada ontem pelo jornal “O Dia”. Agentes ouvidos pelo GLOBO manifestaram opiniões diferentes sobre a pesquisa.
— Sou católico, e isso é uma opção pessoal, não concordo com essa mistura de trabalho com religião. Assim como política e futebol, é um assunto que não deve ser tratado no ambiente da corporação — afirmou um guarda, que, por temer represálias, pediu para não ser identificado.
Um outro agente, que se declarou evangélico, rebateu a crítica e afirmou que não vê risco de perseguição religiosa:
“Perguntar se a pessoa é católica, espírita, macumbeira ou o diabo que for não é crime. Não tem legislação que impeça isso ”
— Não recebi ainda o formulário, mas não vejo problema em informar minha religião. Não acho que a Guarda Municipal vá prejudicar alguém por sua fé.
Em nota, a Guarda Municipal frisou que o preenchimento do censo é voluntário. Após a polêmica, o comando da corporação recuou e afirmou que, agora, não será mais preciso informar a identificação do servidor.
‘UMA DECISÃO ACERTADA’
O coronel Paulo Cesar Amendola, titular da Secretaria de Ordem Pública, à qual a Guarda Municipal está subordinada, disse que a iniciativa foi mal interpretada. Ele também afirmou que o censo religioso foi “uma decisão acertada” da inspetora Tatiana Mendes, comandante da corporação, que é evangélica.
— O assunto foi mal explorado por algumas pessoas, a começar por alguns guardas. Perguntar se a pessoa é católica, espírita, macumbeiro ou o diabo que for não é crime. Não tem legislação que impeça isso. Ela (a comandante da Guarda Municipal) precisa de uma visão de quantos (praticantes) têm em cada religião para dimensionar o espaço da capelania e criar uma norma, uma regra de utilização — justificou o secretário. — Nenhuma decisão institucional agrada a todos. Os guardas pediram a criação de uma capelania, um espaço que existe nas Forças Armadas e na polícia. É um lugar para permitir o encontro de guardas que professem alguma religião.
Tatiana Mendes disse que o objetivo da capelania é dar auxílio religioso a servidores que atravessam período de estresse. Ela observou que 12 guardas municipais morreram este ano “das mais variadas causas”:
— A instituição tem 23 anos. Eu vejo que a capelania é importante para que a gente possa dar, além do serviço social, um cunho espiritual. O guarda fica estressado, e, às vezes, sem equilíbrio. O censo é importante, mas ninguém é obrigado a fazer nada. Só preenche se quiser. É importante entender por que podemos ter ateus no meio. Por ter caráter ecumênico e inter-religioso, ela (a Guarda Municipal) também vai tratar o conforto espiritual — disse a comandante da corporação, acrescentando: — Eu respondi (o questionário). Sou evangélica, mas meu chefe de gabinete é católico e meu assessor, espírita. Sem problema nenhum. Ninguém tem que interferir na religião do outro. O respeito é o princípio de tudo.