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Rio

Polícia Civil tem 300 agentes cedidos para outros órgãos; mais de 10% estão na Alerj

Efetivo da Assembleia Legislativa é maior que o de oito delegacias na capital
Alerj conta com 34 políciais civis cedidos, mais de 10% do total destinado a outros órgãos Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo
Alerj conta com 34 políciais civis cedidos, mais de 10% do total destinado a outros órgãos Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo

RIO - O pedido do secretário estadual de Segurança, general Richard Nunes, pelo retorno de 87 dos 146 policiais militares cedidos à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), concretizado nesta semana, passa ao largo de um problema: o número de policiais civis cedidos. A PM, que conta com 45 mil homens, tinha até recentemente 2.044 policiais em outros órgãos. Na Polícia Civil, de acordo com o chefe da instituição, Rivaldo Barbosa, são cerca de 300 de um efetivo de 9.380. No somatório das 42 delegacias da capital há 1.752 agentes para uma cidade de 6 milhões de habitantes, número considerado insuficiente por especialistas.

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Os cedidos à Alerj, se devolvidos, aliviariam o déficit na força de trabalho: são 34, o suficiente para encher uma delegacia de grande porte. A assembleia, porém, não é o único órgão com agentes. O município do Rio tem 40. O Tribunal de Contas do Estado (TCE), 12; o Tribunal de Contas do Município (TCM), quatro; o Ministério Público, cinco. Até a Cedae tem: são três, sendo que um deles é um ex-chefe da Polícia Civil

Desde a última terça-feira, o GLOBO pede à Polícia Civil informações a respeito dos locais onde estes agentes estão lotados e o posicionamento do órgão sobre isso, mas até o momento não obteve qualquer resposta. Apesar disso, em entrevista dada nesta semana à Rádio CBN, Rivaldo Barbosa reclamou do baixo efetivo disponível e informou que busca junto aos interventores federais a realização de um concurso público para delegados e peritos.

Para se ter uma ideia da falta que estes policiais civis fazem, dados internos de recursos humanos da Polícia Civil, obtidos pelo GLOBO, mostram que os 34 policiais civis da Alerj constituem um efetivo maior do que o de muitas delegacias distritais. A "delegacia" da assembleia tem mais homens que a 15ª DP (Gávea), com 23 agentes; a 45ª DP (Complexo do Alemão), com 24; a 6ª DP (Cidade Nova), com 31; a 7ª DP (Santa Teresa), com 26; a 23ª DP (Méier), com 32; a 24ª DP (Piedade), com 31; a 27ª DP (Vicente de Carvalho), com 31; e a 40ª DP (Honório Gurgel), com 32.

Em alguns casos, estes policiais civis são beneficiados com cargos em comissão que podem aumentar seus salários. Um delegado cedido à Alerj, com salário líquido de R$ 17.245,71 pela Polícia Civil, teve, somado aos seus vencimentos, R$ 5.671,25 líquidos pela assembleia.

Dentro da Casa, a presença destes policiais está causando polêmica. Em reunião da Mesa Diretora, na última terça-feira, foi votada a devolução de 100% dos PMs cedidos à Alerj, e não só os 87 pedidos por Nunes. O deputado Zito (PP), porém, propôs que a devolução fosse adiada para que pudesse ser discutido se deveriam ir além: devolvendo também os policiais civis, os agentes da Secretaria estadual de Administração Penitenciária e os bombeiros que também estão cedidos à assembleia.

Se isso não acontecer, o número de policiais civis cedidos para a Alerj deve aumentar para 38. Isto vai ocorrer porque a Secretaria estadual de Segurança do Rio ordenou que os quatro policiais militares que fazem a escolta do deputado Marcelo Freixo (PSOL) - vítima de ameaças de morte por conta de sua atuação na CPI das Milícias, que presidiu - sejam substituídos por civis. O gabinete de Freixo informou que os agentes ainda não chegaram.

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Para o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Rio, Márcio Garcia, a situação é absurda.

— A Polícia Civil está com tanta carência de policiais que já se discute o fechamento de delegacias. Nesse contexto, não é possível que tenhamos tantos policiais fora da atividade fim e ainda iremos perder outros, para substituir policiais militares que estão retornando. Um verdadeiro tiro no pé, pois a falta de efetivo na atividade de investigação e inteligência é muito maior que na ostensividade, o que demonstra que os mesmos erros continuam sendo cometidos pela intervenção. Por que os parlamentares não contratam serviço de segurança pessoal privada, conforme previsto em lei, uma vez que a Alerj conta com recursos próprios? — indagou Márcio Garcia.

A presidente da Comissão de Segurança da Alerj e ex-chefe de Polícia Civil, a deputada Martha Rocha (PDT), avalia que proporcionalmente um policial civil faz mais falta que um PM, porque o efetivo da chamada polícia investigativa está mais defasado. Para ela, seria necessário que fossem feitas revisões periódicas, para evitar que estes agentes ficassem cedidos por período indefinido para outros órgãos.

— Me parece que seria razoável dizer que há uma necessidade de recomposição dos quadros da Polícia Civil, que não serão apenas com aqueles que estão cedidos. Não basta ter os cedidos de volta. Tem que ter um processo de recomposição — afirma ela. —  Falta estabelecer critérios objetivos para a cessão. A chefia da instituição precisa de forma periódica avaliar esta cessão. Não pode ser eterno. Precisa ser montado um protocolo para monitorar estes pedidos.

A deputada informou que tem um delegado cedido ao seu gabinete. Segundo ela, foram adotados critérios para que se pedisse um agente que fizesse menos falta para a corporação, que não desse mais plantão em delegacias:

— No meu gabinete trabalho com um delegado da ativa. Fiz o pedido porque tenho um mandato muito ligado a questões de segurança e ele me ajuda nas atividades relacionadas a isso no meu gabinete.

POLICIAIS CIVIS NA LIMPEZA URBANA E NA CEDAE

A prefeitura do Rio acumula a maior parte dos policiais civis cedidos, apontou o levantamento do GLOBO. São 40 agentes, sendo que 35 estão lotados na Secretaria municipal de Transportes. De acordo com funcionários do município, este efetivo é responsável por acompanhar equipes em ações de fiscalização que apresentam algum risco, como as feitas para coibir o trânsito de vans ilegais, por exemplo.

Um documento interno da Polícia Civil obtido pelo GLOBO, com dados de 2017, mostra que outras 12 prefeituras do Estado do Rio acumulavam pelo menos um policial civil cedido. No somatório destas cidades, há 22 agentes fora das delegacias. Em Niterói, por exemplo, há um policial, dando expediente na Companhia de Limpeza de Niterói (CLIN), empresa pública de limpeza urbana.

Na Cedae, os três policiais civis cedidos ficam responsáveis por combater o furto d'água. Entre eles está o ex-chefe de Polícia Civil Allan Turnowki. De acordo com a companhia de água, os agentes atuam com serviços relacionados ao combate a fraude e segurança empresarial (ligações clandestinas, violação de hidrômetro, fraude por meio de by-pass, estelionato, riscos em instalações, entre outros). "Os mesmos também desenvolvem ações em conjunto com a Delegacia dos Serviços Delegados (DDSD) nas atividades de coibir o crime de furto de água. Cabe destacar que furto de água é crime tipificado no artigo 155 do Código Penal, com pena de reclusão de um a quatro anos e multa", informou a companhia.

O TCE informou que de seus 12 agentes, nove estão lotados na Diretoria-Geral de Segurança Institucional (DSI). A diretoria é um grupo especializado que atua com foco na segurança da informação, e presta suporte aos servidores quando eles estão em campo desempenhando auditorias. "Não raramente nossos auditores de controle externo sofrem ameaças e são esses agentes que acionam forças policiais para prestar o auxílio devido. Além dos nove policiais civis na DSI, outros três policiais civis atuam em gabinetes, totalizando 12 em toda a estrutura do TCE-RJ", informou o órgão.

No TCM, os quatro cedidos atuam na Assessoria de Segurança Institucional. São um delegado, dois inspetores, e um papiloscopista. O órgão, segundo o TCM, é responsável pela "segurança física do prédio sede, de seus servidores enquanto ali em exercício, na proteção de toda a documentação em tramitação ou arquivada, e também pelo controle do ingresso e saída de visitantes, prestadores de serviços etc."

Para o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, Paulo Sardinha, o desvio de função no caso de servidores públicos onera duplamente a sociedade:

_  No caso de autoridades ameaçadas há uma  legitimidade nesse desvio de função, mas isto deve ser analisado e monitorado. Mas nos outros casos, a sociedade está perdendo duas vezes,  porque você está desviando servidores que deveriam estar protegendo a população para ficar à disposição de uma classe já privilegiada e porque o estado investiu no treinamento desses profissionais e a socidade não terá retorno deste investimento. Se fosse numa empresa privada, a empresa seria penalizada pelo próprio estado, na quailidade de fiscalizador.