Opinião

Os riscos da MP 777

Crise econômica é grave, mas o desespero por recursos não deve justificar apetite por ações que levam a uma descapitalização de fundos estatais

Com dificuldades para equacionar o déficit primário, o governo federal tenta de várias formas levantar recursos para equilibrar as contas. Uma das propostas é a Medida Provisória 777, que muda para a Taxa de Longo Prazo (TLP) a remuneração dos empréstimos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao BNDES. Defensores da ideia apostam na elevação da taxa de retorno do FAT para reduzir subsídios implícitos e aumentar a potência da política monetária.

Uma análise técnica e rigorosa da medida revela fragilidades conceituais importantes.

Em primeiro lugar, o cálculo utilizado pelo governo para quantificar subsídios apresenta graves problemas metodológicos. Na prática, a fórmula usada pela Fazenda acaba por considerar subsídio a fatia do FAT que serve para bancar despesas com seguro-desemprego e abono, como por exemplo, receitas e aportes do Tesouro. Ou seja, mistura política creditícia com política social, o que erroneamente faz aumentar o volume do suposto subsídio.

Ignorando esse efeito, o governo chega a defender que os recursos adicionais sejam utilizados para proteger o trabalhador ao bancar despesas com seguro-desemprego e abono. Surpreende economistas defenderem insistentemente a utilização de receitas de capital para bancar despesas correntes. A crise econômica é grave, mas o desespero por recursos não deve justificar apetite por ações que levam a uma descapitalização de fundos estatais.

A forma que apura subsídios creditícios no Brasil contraria boas práticas internacionais. O manual de transparência fiscal do FMI defende que operações quase-fiscais sejam calculadas em relação ao custo de captação e empréstimos no mercado, por instituições congêneres privadas. As autoridades brasileiras sempre defenderam essa mesma tese junto à Organização Mundial do Comércio para comprovar que todos os empréstimos do BNDES não são subsidiados por não haver um mercado de crédito de longo prazo no cenário doméstico. As autoridades econômicas discursam no país o oposto do discurso oficial no exterior, sob risco de sofrer novas ações na OMC.

Ao calcular o subsídio pelo custo de oportunidade da taxa que remunera os títulos públicos, o governo compara duas alternativas: financiar investimentos ou reduzir a dívida pública. Não faz sentido! Uma coisa é subsídio, outra é custo de oportunidade de captação do governo. Mais uma vez, erram ao apresentar uma conta estratosférica quando consideram financiamentos concedidos com recursos de empréstimos do Tesouro ao BNDES juntamente com a poupança formada pelo FAT.

A lógica da oportunidade desperdiçada é uma ficção, do ponto de vista formal e, claro, econômico. A receita do FAT não pode ser utilizada para reduzir a dívida pública devido a amarras constitucionais. Além disso, a monetização do saldo do fundo nunca será uma alternativa, na medida em que injetaria alucinada liquidez no mercado, que teria que ser enxugada via aumento de dívida.

Economistas fanáticos precisam respirar e estudar as instituições fiscais do país, manuais do FMI e a metodologia geradora de super números da Fazenda.

Também se força a barra na tese de que a maior remuneração do FAT aumentará a potência da política monetária. Muito maior é a concessão de crédito direcionado para os setores imobiliário e agrícola. Mesmo tomando o estoque, ao final de 2016, o saldo emprestado por aquele fundo ao BNDES respondeu por somente a 7,1% do total das operações de crédito do sistema financeiro.

A problemática da política fiscal versus monetária passa por outras questões, como a relação entre o Tesouro e o Banco Central. Só em dezembro e janeiro últimos foram emitidos R$ 200 bilhões, quase o acumulado pelo FAT em 26 anos, para cobrir resultado negativo de transações cambiais em um semestre. A maioria títulos pós-fixados para enxugar R$ 141,5 bilhões de liquidez na economia.

Existem muitos outros problemas não abordados neste espaço, como, por exemplo, que a TJLP não é extinta e a nova TLP aumentará o gasto primário com equalização dos atuais financiamentos para agropecuária, justamente o oposto do que as autoridades econômicas pregam. O debate em torno da MP 777 precisa ser mais amplo e, sobretudo, mais técnico, sob risco de não aumentar ainda mais a frustração com a política econômica e se tornar para o governo mais um tiro no pé, ou melhor, um tiro de canhão.

Leonardo Ribeiro é assessor econômico do Senado; José Roberto Afonso é economista e pesquisador do Ibre/FGV