Por Naiara Arpini, G1 ES


Pai organiza nova festa de batizado após filho dizer que é transgênero e mudar de nome

Pai organiza nova festa de batizado após filho dizer que é transgênero e mudar de nome

A fala de Marco Antônio, de 50 anos, ainda se confunde. Pronunciar o nome social escolhido pelo filho, Miguel, ainda não é algo automático. Há apenas cinco meses, o jovem, que nasceu como menina e recebeu de batismo um nome feminino, contou para a família que é um homem transgênero.

Para surpresa de Miguel, a reação de Marco, na época, foi organizar uma festa de batizado para reforçar a nova identidade do filho. O nome social, que ainda exige certo esforço para ser dito com naturalidade, estava grafado no topo do bolo. "Era um bolo de aceitação, de apoio", conta o pai.

Bolo de batizado tinha nome social escolhido pelo jovem — Foto: Miguel Rosário/ Arquivo Pessoal

Miguel tem 24 anos e nunca se sentiu confortável com o corpo feminino. Na infância, demorou a entender por que era diferente do irmão mais novo.

*O nome feminino original de Miguel não será revelado na reportagem, a pedido do entrevistado.

“Eu sempre sonhei estar andando de bicicleta sem camisa, e sempre sonhei que eu era um menino e tinha barba. Algumas vezes, quando acordei, fui direto para o espelho me olhar, e, quando eu via que era um sonho, aquilo acabava com o meu dia”, contou.

O sofrimento do filho foi acompanhado de perto pelo pai. Marco conta que, por muitas vezes, viu o filho se esconder embaixo das cobertas, mesmo quando lá fora o sol estava a pino. A família, entretanto, sempre acreditou que Miguel era homossexual, já que ele tinha uma namorada.

Foi só em março deste ano que o jovem, que sempre se vestiu com roupas consideradas masculinas e usou cabelo mais curto, contou aos pais que era um homem transgênero - quando a identidade de gênero, ou seja, o gênero com o qual a pessoa se identifica, é diferente do sexo atribuído no nascimento.

O nome social, Miguel, ele já usava entre os amigos. Mas a família ainda ia precisar se adaptar. Depois de 24 anos chamando o jovem por um nome feminino, o pai se viu questionando o novo nome, mas foi rapidamente convencido.

“Perguntei ‘Por que Miguel?’. Ele falou: ‘Esse nome já me segue desde cedo’. Pensei comigo ‘Miguel é o nome de um anjo. Tem Miguel, Gabriel e Rafael’. Falei ‘Tá, bom. Um anjo na família, né?’”, lembrou Marco.

Passados os primeiros momentos depois da descoberta, a reação do pai surpreendeu o filho. “No momento que eu achava que ele ia estar em luto, ele organizou uma festa para mim. A reação dele foi convidar o restante da família e fazer um batizado, com o meu nome social no bolo”, contou Miguel.

Para o pai, a explicação para a festa é simples. “Por que batizado? Porque estava nascendo um Miguel na família. O Miguel chegou na família. Era um bolo de aceitação, de apoio. [...] Se a própria família não apoiar, quem vai apoiar?”, disse Marco.

A felicidade foi tanta, conta Miguel, que as lembranças daquele dia são limitadas. “Sabe quando você está tão feliz que parece que apaga da sua memória? Eu lembro que eu passei o dia todo rindo. Eu só ria”, lembrou o jovem.

Após a entrevista ao G1, Miguel contou que o pai fez uma reunião com a família, avisando que havia registrado na agenda do celular o número do filho com o nome social dele. De acordo com Miguel, o pai orientou o resto da família a fazer o mesmo, e se comprometeu a se esforçar ainda mais para tratá-lo sempre “no masculino”.

Neste Dia dos Pais, Miguel reforça que a atitude positiva de Marco só faz aumentar a admiração por ele. “Eu costumo dizer que meu pai nasceu para ser pai. Ele é o cara que eu olho e que eu quero ser igual. Ele me ensinou o que é ser homem. Eu quero ser um pai como o meu pai”, disse Miguel.

Tamanho amor já está marcado na pele. No ombro direito, Miguel carrega a tatuagem “Meu Marco”, em homenagem ao pai.

Marco Antônio e o filho Miguel, que é transgênero — Foto: Naiara Arpini/ G1

Descobertas e adaptação

A nova realidade, uma novidade tanto para o filho quanto para o pai, fica mais fácil de ser encarada com todas as informações necessárias. A própria psicóloga que atende Miguel foi quem explicou a Marco Antônio o que exatamente o filho sentia.

“A psicóloga falou ‘Se eu te botar um vestido, um salto alto e um batom, e mandar você desfilar na rua, você vai se sentir bem? Não vai.’ É isso que o Miguel está passando. É o masculino dentro de um corpo feminino”, reproduziu Marco.

A família também passou a buscar informações na internet e, segundo Miguel, sempre que o pai assiste a uma reportagem sobre transgêneros, avisa o filho sobre as novidades e conquistas dessa parte da população.

“Quando saiu uma reportagem falando sobre a possibilidade de colocar o nome social no CPF, ele me falou. Ele me ajuda no que ele puder”, contou Miguel.

Hormonização e transição

Miguel acredita que será mais fácil para a família tratá-lo pelo nome social assim que começar a adquirir características masculinas.

Para isso, nos próximos meses, ele vai começar o processo de hormonização, que é o ato de injetar hormônios, sob supervisão médica, para mudar algumas características corporais.

“Procurei o Hospital Universitário (Hucam), lá tem um ambulatório especializado em diversidade de gênero, e a minha primeira consulta foi esse mês. Eu vou fazer alguns exames e retornar lá no mês que vem. A partir desses exames, vou começar com os hormônios”, explicou.

Outra mudança que Miguel deseja realizar em breve é a retirada das mamas. “É o que mais quero. Na verdade, já estou pensando em formas de juntar dinheiro para fazer a cirurgia”, contou.

Ainda ansioso pelas mudanças que estão por vir, Miguel tem uma certeza: a de que o pai estará ao seu lado sempre. “Quando eu penso no meu pai, eu penso que ele é uma pessoa que não vai embora. Eu sou um pedaço dele”, disse.

Nome social de Miguel é usado em carteirinha da faculdade, em Vitória — Foto: Naiara Arpini/ G1

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