Uma profunda recessão global em 2020 é o cenário base para a Fitch Ratings, conforme a última atualização de projeções feita pela entidade em seu relatório Global Economic Outlook (GEO). A agência de classificação de risco espera que a atividade mundial decline em 1,9% neste ano.
Os Estados Unidos, segundo as novas projeções, vão ter recuo de 3,3% no PIB em 2020, enquanto a zona do euro e o Reino Unido vão enfrentar quedas de 4,2% e 3,9%, respectivamente.
No caso da China, a agência prevê um crescimento, mas bem abaixo da média dos últimos anos, com avanço de apenas 2% neste ano, na medida em que o país asiático "se recupera da disrupção no primeiro trimestre", mas sofre os impactos da recessão global.
"A queda nas projeções do PIB global para o ano como um todo está parelha com a ocorrida na crise financeira global, mas o golpe imediato na atividade e empregos na primeira metade do ano será pior", afirma o economista-chefe da Fitch, Brian Coulton.
O cenário base da agência inclui agora uma paralisação em escala total na Europa e EUA, além de outros países, com a disseminação da pandemia de coronavírus e as ações necessárias para controlá-la. Este não era o quadro usado nas projeções feitas no relatório GEO de março, aponta a Fitch.
"Há muitas variáveis, mas nós agora julgamos que os 'lockdowns' podem reduzir o PIB na União Europeia e nos EUA em 7% a 8%, ou 28% a 30% anualizado no segundo trimestre de 2020", diz a agência. Para a casa de classificação de risco trata-se de uma queda trimestral sem precedentes no PIB, "mas similar ao estimado para a China no primeiro trimestre".
A Fitch assume também a perspectiva que a crise de saúde estará amplamente contida a partir do segundo semestre, quando "deverá haver uma recuperação sequencial na atividade, na medida em que os fechamentos sejam removidos". Na avaliação da agência, "alguns gastos do primeiro semestre serão retomados, os estoques serão reconstruídos e os estímulos das políticas [monetária e fiscal] vão ter efeito".
Algumas circunstância, no entanto, vão dificultar a retomada, como a perda de empregos, os cortes de investimentos em produção, os choques de preços de commodities e a mudança de rumo dos mercados financeiros.
"Nosso cenário base não enxerga o PIB nos EUA e Europa revertendo para os níveis pré-pandemia até o fim de 2021", afirma Coulton.
As políticas de isolamento sendo implementadas para controlar a disseminação do vírus estão gerando efeitos dramáticos e instantâneos na atividade econômica do dia a dia. Segundo a agência, os fechamentos têm reduzido a atividade diária em cerca de 20% comparada aos dias normais e o impacto no PIB vai depender da duração dos lockdowns.
Para ilustrar essa relação, a Fitch menciona que de dois a três meses de crise, com um período de fechamento de cinco semanas, reduziria o PIB em 20% na base diária, o que se traduziria em um declínio de 7% a 8% no PIB trimestral não anualizado.
"Essa premissa está em linha com a última estimativa para o declínio trimestral comparado ao mesmo período imediatamente anterior no PIB da China nos primeiros três meses de 2020, que inclui um fechamento total de quatro a cinco semanas".
A análise da agência aponta ainda para uma amplificação dos impactos diretos do lockdown por múltiplos canais. "O mais notável tem sido a dramática queda no mercado de trabalho, particularmente nos EUA e Canadá, onde o dado semanal para novos pedidos de seguro desemprego superaram todos os recordes anteriores."
A projeção anual para o desemprego nos países desenvolvidos tem subido acentuadamente, aponta a Fitch. Para os EUA, a agência estima que o desemprego vai atingir um pico de 10% no segundo trimestre com 10 milhões de postos perdidos.
As companhias vão também cortar investimentos e os consumidores reduzir os gastos discricionários, o que poderá exacerbar o colapso nos preços das ações.
No caso dos países emergentes, a elevação dos yields de títulos corporativos e soberanos está apertando as condições financeiras globais. Além disso, o dólar mais forte e a queda dos preços das commodities são mais ventos contrários ao grupo. "As saídas de capital e as redes de saúde limitadas são outras condições de pressões econômicas para os emergentes."
De acordo com o economista-chefe da Fitch, "um gasto público mais elevado pode ter um papel importante em amortecer a queda na atividade, mas os benefícios ao crescimento das políticas de estímulos, provavelmente, não serão vistos até a crise de saúde diminuir".
Conforme a Fitch, se a crise se reduzir no segundo semestre, "devemos ver uma retomada no crescimento". A remoção das medidas de restrições sociais deve resultar em um discreto salto na atividade, como visto na China, e alguns investimentos adiados do primeiro semestre podem ser retomados.
A agência ressalva que as incertezas relacionadas às projeções são "extremamente altas" e "os riscos estão no lado da queda". A Fitch ressalta que se os períodos de isolamento foram mais longos do que o previsto "o dano para o PIB de 2020 poderá ser maior".
No caso de um lockdown de oito semanas, por exemplo, a agência afirma haver a possibilidade de um declínio adicional do PIB de dois pontos percentuais sobre o cenário base para os EUA e a Europa. Mas, alerta a Fitch, "a falha em conter o vírus pode resultar em consequência mais severas".
(Conteúdo publicado originalmente no Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor)